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Em 6 de setembro, esta coluna publicou “A briga das diversas anistias definirá o cenário eleitoral para 2026”. Na data, estavam sobre a mesa algumas versões da anistia: aquela que restaurava a elegibilidade de Bolsonaro, aquela que reduzia a pena apenas para quem invadiu os Três Poderes, e aquela aliviava a prisão do ex-presidente mas o deixava de fora das eleições de 2026. 

Agora, o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP), relator do Projeto de Lei da Anistia, dá declarações indicando que um desses projetos de anistia começa a se sobrepor aos demais. Rebatizado por Paulinho como ‘PL da Dosimetria’, o relatório “deve atender a todo mundo”, segundo ele. 

O vídeo gravado ao lado do ex-presidente Michel Temer (MDB) e do deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) tem declarações especialmente significativas. Paulinho da Força: “Esse PL, nós queremos discutir para que a gente possa pacificar o Brasil. O país não aguenta mais essa polarização de extrema-direita e extrema-esquerda, o Brasil precisa pensar no futuro.”

Ex-presidente Michel Temer (MDB): “Eu chamo isso de um momento histórico. Vamos fechar um comum acordo com o Supremo Tribunal Federal, com o Executivo. Uma espécie de pacto republicano. Uma PL da dosimetria pode produzir resultado positivo”. 

Deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG): “A anistia foi considerada inconstitucional pelo STF, portanto essa nova nomenclatura — PL da dosimetria — é adequada para fazer justiça, permitindo que as pessoas que lateralmente participaram daquele processo possam tocar suas vidas e o Brasil possa tocar sua agenda. Conte conosco, o centro.”

Há muito o que destrinchar. Primeiro, a análise do discurso: a escolha pelos termos “pacificar, acalmar, apaziguar” sugere que a solução será aquela que agrada a maioria. Bolsonaro não é maioria — os bolsonaristas são. O ex-presidente começa a ficar para trás, pois sua ausência é uma promessa de poder para Tarcísio, Caiado, Zema, Leite, Ratinho Jr., a direita moderada, enfim. Com Bolsonaro no jogo, o espaço para todos diminui. 

“Um comum acordo com o STF, com o Executivo” aludido por Michel Temer indica que, daqui em diante, o processo será mais trabalhoso do que tem sido. Até hoje, tudo tem sido açodado. A ideia de anistia nasceu ligada à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Blindagem 

O motim de parlamentares bolsonaristas que impediu o acesso à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados no início de agosto em defesa de Bolsonaro rapidamente foi trocado por um pacote apoiado pelo centrão para blindar os parlamentares. A justificativa foi a de que, blindado contra o STF, o centrão estaria mais livre para atuar em favor da anistia. A premissa fazia sentido: deputados e senadores eram tímidos para contrariar o STF porque seriam julgados pela mesma Corte. Entretanto, uma vez adquirida a recompensa da blindagem, se esgotou o estímulo para o centrão perseguir a anistia de Bolsonaro.

É importante ressaltar: pura incompetência dos deputados bolsonaristas para articular a defesa de seu líder. Poderiam ter negociado com o centrão a aprovação da blindagem em primeira votação, e então a aprovação da anistia, e por fim a aprovação definitiva da blindagem. Mas bolsonaristas foram amadores ao confiar que o centrão, já com a recompensa da blindagem em mãos, dariam a anistia a Bolsonaro por pura simpatia. 

Por falar em centrão, aqui entra Aécio Neves. Seu interesse, em parte, é requalificar o PSDB — este partido que já social democracia, já foi simpático a Bolsonaro, já foi (ainda é em Goiás) possível parceiro do PT, e agora quer ser centrão. A posição defendida por Aécio é a de que Bolsonaro e invasores dos Três Poderes sejam aliviados da cadeia por longos anos, mas que o caminho eleitoral para a direita em 2026 esteja livre da figura centralizadora e personalista do ex-presidente. Ele faz questão de ressaltar: “A anistia [ampla e geral] já foi considerada inconstitucional pelo STF”. 

Da perspectiva dos bolsonaristas, cortejar o centrista Paulinho da Força deve ser desalentador. A melhor perspectiva é lutar pela liberdade (sem elegibilidade) do ex-presidente? Que recompensa real existe no indulto de Jair Bolsonaro quando isso significa sua aposentadoria da vida pública? O trânsito desses apoiadores para Tarcísio de Freitas será fácil e natural? 

A terrível repercussão da PEC da Blindagem — chamada nas redes sociais de ‘PEC da Bandidagem’ — pode azedar a “pacificação” proposta por Paulinho, Aécio e Temer. Ao suprimir o prêmio da blindagem ao Centrão, a sociedade pressiona deputados a escolherem seu polo — direita com anistia total a Bolsonaro, ou esquerda com pedido de “sem anistia” alguma a qualquer invasor dos Três Poderes. 

Muitos parlamentares que votaram “sim” na PEC da Blindagem, envergonhadamente se  arrependeram. Mauro Benevides Filho (PDT-CE) tentou mentir no X: “votei NÃO à emenda da PEC da Blindagem”, publicou ele; em resposta, usuários desmentiram com fotos de seu voto “sim”. A deputada goiana Silvye Alves (UB) disse que foi pressionada pelo partido a votar “sim”, e que vai deixar o União Brasil. Pedro Campos (PSB-PE) pediu desculpas e afirmou ter mudado de posição. 

No final das contas, está posto o cenário para mais conflito. Se a anistia emplacar, o governo pode recorrer ao STF (que já considerou a revogação das penas inconstitucional, como lembra Aécio) para derrubar a PEC. A judicialização como forma de atalhar a articulação política enfraquece a esquerda no Congresso, e enseja o argumento por parte da direita de que o STF trabalha contra as decisões dos representantes eleitos do povo.

Se a anistia não emplacar, bolsonaristas privados de Bolsonaro podem lançar mão de um novo outsider. Pablo Marçal é o exemplo de 2022 que vem à mente. Talvez Eduardo Bolsonaro (se estiver em liberdade e no Brasil) encarne uma anticandidatura de denúncia em nome de seu pai — um personagem para destruir e desmoralizar o processo, em vez de construir um projeto presidencial. De toda forma, ao contrário do que pedem Paulinho, Aécio e Temer, a pacificação não está no horizonte brasileiro. Nossa perspectiva é de mais polarização, conflito e drama.