Como combater facções criminosas quando há integrantes delas no poder?
06 dezembro 2025 às 21h00

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A prisão do presidente da Assembleia do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar (União Brasil), na última semana é a prova de que as facções criminosas também têm buscado seu espaço dentro da política. Afinal, se partimos da premissa de os parlamentares são representantes e defensores dos interesses do povo, é importante para o crime organizado que alguém que o represente dentro dos espaços de poder. A motivação da prisão de Bacellar, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), seria vazar informações sigilosas de uma operação que mirava outro deputado, Thiego Raimundo dos Santos, conhecido como TH Joias, que já é apontado por ter ligação com o Comando Vermelho (CV).
A decisão, que partiu do ministro Alexandre de Moraes, traz que “há fortes indícios” da participação de Bacellar em uma organização criminosa. Em um trecho da decisão.”tal articulação serve como forte indício de que o vazamento de informações pode ter tido como objetivo primário a proteção de agentes políticos aliados à organização criminosa”, e que “um possível objetivo subjacente da ação obstrutiva é a manutenção do vínculo desses agentes políticos com o Comando Vermelho, facção responsável pelo maior controle territorial do Estado do Rio de Janeiro.”
Além disso, Moraes defendeu que a prisão de Rodrigo Bacellar tornava-se necessária como forma de “garantir a ordem pública, evitar vulnerações à conveniência da instrução criminal e à aplicação da lei penal, não sendo suficiente, para tanto, a sua substituição por quaisquer outras medidas previstas no art. 319 do CPP”. A pergunta que fica é: qual o interesse de Bacellar em livrar TH Jóias da mira policial? Para leigos como eu, há uma interpretação de que, se você avisa um amigo de uma operação que o levará para trás das grades, no mínimo, demonstra interesses escusos ou receio que algo respingue em você.
Já é sabido por todos que as facções criminosas têm feito diversos tipos de “investimentos” para lavar o dinheiro do crime. Isso vai desde revenda de combustíveis ao contrabando de cigarro e bebidas alcoólicas. Mas a forma desses investimentos tem se expandido. Em agosto deste ano, a Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público e demais órgãos realizaram três operações contra um esquema que seria financiado pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) na Rua Faria Lima – principal centro financeiro de São Paulo. Cerca de 42 endereços foram alvos da megaoperação que investigava a utilização de fundos de investimentos e empresas financeiras para gerar, lavar, ocultar e blindar recursos oriundos da facção no tráfico de drogas e setor de combustíveis. Ao todo, a estimativa da PF é de que o esquema investigado tenha movimentado pelo menos R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
Lei Antifacção avança
Na última semana, o relator no Senado da Lei Antifacção, Alessandro Vieira (MDB) entregou o parecer final do projeto. A propositura tem sido amplamente comentada pois tem o objetivo de cercar a expansão das facções no território brasileiro. Entretanto, a discussão também está carregada de teor político, sendo utilizada como arma da direita contra esquerda para mostrar que o atual governo federal não tem avançado no combate ao crime organizado.
Neste novo parecer, facção criminosa passa a ser considerada crime, que se caracteriza pela atuação mediante controle territorial ou atuação interestadual, como espécie de organização criminosa. A pena varia de 15 a 30 anos para integrantes e de 30 a 60 anos para os chefes. A punição pode atingir até 120 anos em alguns cenários.
A milícia privada também é equiparada à facção criminosa. E é previsto o aumento de penas em crimes como homicídio, lesão, roubo, ameaça, extorsão e estelionato, quando são praticados por integrantes de facções ou milícias privadas. A proibição de visitas íntimas de integrantes da organização, permite a gravação de conversas de presos condenados ou suspeitos de participar de organização criminosa, inclusive com advogado, se houver suspeita de participação do profissional no crime. O primeiro só pode acontecer com autorização judicial e o segundo sob comunicação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O projeto ainda cria a taxação de sobre bets para arrecadar dinheiro para combater o crime. A expectativa é obter R$ 30 bilhões por ano, segundo o relator. Esse valor seria repassado ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), que passa a ter maior participação dos estados. Ainda fica permitido, após autorização judicial, infiltração de agentes nas facções criminosas, inclusive por meio de aplicativos de mensagens, e nas atividades de lavagem de dinheiro.
É previsto ainda o fortalecimento das Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado, com participação das polícias civis, militares e federais, ministérios públicos federal e estaduais, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Receita Federal e Banco Central.
A proposta ainda quer combater a glamourização das facções, podendo ser determinada investigação para quem faz uma tatuagem ou canta uma canção que induz participação na facção ou na milícia – que passa a ser reconhecida como facção. O novo texto foi celebrado pelo governo, mas fica um questionamento: como impedir que pessoas que tenham ligações com facções e já estão no poder não interfiram no combate ao crime?
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