Na entrada do quinto mês do governo Lula da Silva (PT), o segundo escalão ainda é do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em Goiás, a demora do chefe do Executivo para nomear superintendentes dos órgãos federais faz com que a equipe formada pela gestão anterior execute ordens, orçamento e programas do novo mandato. O resultado é um descompasso entre a “cabeça” e o “corpo” de Estado que, além de dificultar a execução das medidas e provocar contestações internas, atrasa o ajustamento do governo.

No Estado, o presidente e sua equipe podem indicar cerca de 120 nomes para superintendências, agências e diretorias regionais dos órgãos federais, mas, até agora, apenas dois nomes foram definidos. O ex-prefeito de Goiânia Pedro Wilson (PT), um petista histórico, irá para a superintendência goiana do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Elias D’Angelo Borges, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), irá para a do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). 

Todos os órgãos federais com representação no Estado encontram-se sob comando de servidores nomeados por Bolsonaro. Esses superintendentes não são necessariamente entusiastas do antigo presidente, mas, com um setor operacional formado pelo rival, parece lógico que o governo Lula tenha dificuldade para engrenar. Aos 120 dias, a nova gestão demora a dar um passo primário.

Não tendo sido propositadamente escolhidos por Lula da Silva, os cargos “vagos” representam um valioso recurso desperdiçado. A nomeação de servidores alinhados às diretrizes da nova gestão é chave para a formação de uma base técnica que faça funcionar as medidas do governo a pleno vapor. Do ponto de vista político, o apontamento dos cargos é usado para atrair novos aliados e estabelecer pontes com grupos que darão sustentação ao governo.

É surpreendente que o desperdício desse recurso aconteça em um momento crucial. As primeiras más notícias atingem a administração federal com três CPIs anunciadas; a base reage mal ao novo arcabouço fiscal, o considerando liberal demais; o ministro da fazenda Fernando Haddad (PT) é forçado a voltar atrás em sua tentativa de taxar produtos de marketplaces chineses; Lula da Silva comete gafes no exterior, sendo considerado ingênuo pela imprensa internacional em suas tentativas de mediar a paz na Ucrânia.

Por um lado, a preocupação vem da hipótese de que a lentidão para o apontamento dos cargos queira dizer que Lula da Silva perdeu seu poder de conciliação e composição — qualidades que caracterizaram seus dois primeiros mandatos. Por outro lado, há uma hipótese ainda mais preocupante.

A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) atua em todos os municípios do Estado de Goiás. A empresa é a campeã do orçamento secreto, com R$ 1,2 bilhão de emendas do relator indicadas para si, e sua superintendência é foco de pesados interesses. Atualmente, quem controla a Superintendência Regional da Codevasf em Goiânia é Abelardo Vaz Filho, ex-prefeito de Inhumas e uma indicação do senador Vanderlan Cardoso (PSD). Como presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Vanderlan Cardoso vai pautar todos os projetos que aumentam despesas ou reduzem receitas da União e é improvável que perca sua indicação.

A hipótese mais preocupante é que Lula ainda não apontou superintendências nos Estados porque parte delas está implicada no arranjo engendrado por Bolsonaro e Arthur Lira (PP-AL). A ideia é corroborada pelo fato de que os dois institutos federais com diretores nomeados (Incra e Iphan) coordenam menos orçamento do que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Caixa Econômica com suas duas superintendências regionais, entre outros.

A nomeação de sete líderes do MST para as regionais do Incra é um sinal de que o governo cedeu à pressão das ocupações promovidas no chamado Abril Vermelho. Entretanto, antes da concessão de Lula da Silva, em Goiás o cargo já estava sendo pleiteado por outro grupo que o apoiou nas eleições e que vem ganhando força eleitoral dentro da esquerda: o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Com a negativa, a sigla pressiona pelo direito de indicar as superintendências da Caixa Econômica Federal. Os dois nomes fortes do partido em Goiás são o senador Jorge Kajuru e o ex-deputado federal Elias Vaz.

Lula da Silva parece ter herdado um nó que em cinco meses não foi capaz de desfazer. Entretanto, não há outra escolha; não existe governo que comande sem corpo técnico (o poderoso segundo escalão, digamos). Enquanto o presidente e sua equipe não solucionarem o comando de grandes superintendências, teremos mais tantos meses de vacilos e titubeios. Falta de decisões, em suma.

Confira exemplos de superintendências dos institutos federais com grande orçamento que seguem sob comando de nomeados por Jair Bolsonaro:

  • José Eduardo de França, superintendente Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Estado (SFA-GO)
  • Roberto Braga, superintendente regional da Região Norte e Centro-Oeste do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
  • Frank Schneider Carvalho de Moura, superintendente Estadual dos Correios em Goiás
  • Lara Soares Diniz, chefe do Núcleo da Agência Nacional de Saúde (ANS) do Distrito Federal, Goiás e Tocantins.
  • Wendell Montanaro Cardoso Mesquita, gerente regional da Agência Nacional de Mineração (ANM) no Estado de Goiás 
  • Edson Roberto Vieira, superintendente estadual do IBGE em Goiás
  • Cláudia Carneiro Domingues, superintendente do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro/SurGo)
  • Eduardo de Oliveira Silva, coordenador regional de Fiscalização de Goiás (COFIS/GO)
  • Uzias Ferreira Adorno Junior, superintendente do Patrimônio da União em Goiás (SPU/GO)