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O resultado do segundo das eleições presidenciais não recebeu a atenção que normalmente teria. Não é para menos. Essa não é uma eleição em que as coisas são normais. O motivo para que os fatos da campanha de segundo turno não fossem avaliadas, interpretadas e expostas ao eleitor é que é o grupo derrotado colocou em prática a conhecida estratégia de tomar para si o espaço nos debates de opinião pública ao promover temas estranhos a democracia brasileira. Tão logo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi anunciado como o vencedor das urnas, os apoiadores de Jair Bolsonaro foram ágeis em dizer que não aceitavam a derrota e iniciaram a baderna em rodovias e calçadas de quartéis militares.

Assim, ao invés de discutimos pontos que realmente interessa a todos os lados, como a transição, escolha de ministros, reflexos na econômica e até mesmo os caminhos que levaram ao resultado das urnas, a imprensa se ocupou de discutir atos de tresloucados. Focar numa cobertura jornalistica em atos antidemocráticos é ruim para quem ganha as eleições e para quem perde também. Não se pode dar a atenção devida a perceptiva do futuro governo – que indiferente aos atos que já são tratados como criminosos, vai acontecer. Também impede de fazer no devido ‘time’ quais nuances da campanha precisam ser observadas pelos partidos e eleitores. 

Os recados das urnas precisam ser interpretados. Muito mais do que os recados que baderneiros tentam escrever em cartazes antidemocráticos. E para isso é necessária uma análise e um debate da opinião pública, que mais uma vez se deixa pautar pela ação de alguns iludidos que vislumbram alguma sombra de golpe.

Pois bem, um dos pontos que devem ser avaliados pelos vencedores e perdedores da eleição é sua capacidade de convencimento do eleitorado. Claro que há aquela parcela de eleitores que seus votos são definidos e cristalizados muito antes da eleição, ou seja, independente do que ocorra, estão fechados com seu candidato. Mas há o eleitor médio, que precisa – e quer – ser convencido de qual a melhor escolha. E mesmo após escolhido, esse eleitor ainda precisa ser convencido a se locomover até as urnas para depositar seu voto.

Essa capacidade de mobilização do eleitor é uma guerra enfrentada em todas as eleições. Nessa guerra, quando as pesquisas indicam uma eleição tão acirrada como a deste ano, os candidatos combatem a abstenção. Afinal, convencidos em qual melhor projeto votar, o passo seguinte é persuadir que seu voto é indispensável, que todas barreiras precisam ser vencidas para que se chegue até as urnas. 

Aos números: o 2º turno das eleições presidenciais de 2022 apresentou uma queda no número de abstenções em comparação ao 1º. No domingo, dia 31 de outubro, um total de 32.200.558 pessoas não foram votar, o que equivale a 20,5% do eleitorado. É a 1ª vez que a abstenção fica menor no 2º turno do que no 1º desde 1989, quando foram realizadas as primeiras eleições presidenciais diretas desde a redemocratização. Historicamente, na 2ª rodada das eleições, com menos cargos em disputa e com parte das eleições para governos estaduais já definidas, a tendência vinha sendo que menos eleitores votem. Neste ano, em 15 das 27 unidades da Federação, a disputa já havia sido decidida em 1º turno. A abstenção também registrou leve queda em comparação ao 2º turno de 2018. Naquela eleição, 20,6% dos eleitores não compareceram às urnas.

Uma eleição, em que sistema eleição no qual ela está inserida foi atacada fortemente pelo presidente e seus apoiadores nos últimos 3 anos, poderia ter sido levada ao descrédito. É preciso lembrar que se chegou a discutir o retrocesso de fazer uma votação em cédulas de papel. As fake news não deram um dia de trégua para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As notícias falsas tinham como alvo as urnas, o sistema de apuração, a “salinha escura” de totalização, a rede de informação e até os mesários.

Tentou-se muito colocar em descrédito o sistema. Assim, levar eleitores para as urnas se tornou uma difícil missão. A forma com que a campanha foi feita, com menos propostas e mais ataques, também não incentivava o eleitor a sair de casa e ir às urnas. Ainda é preciso somar a esse cenário as mais de 500 operações que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) fez contra o transporte coletivo, que com certeza não funcionaram como incentivo a votação.

Os analistas apontavam que o segundo turno teria maior abstenção, afinal, em parte dos estados não havia mais disputa para o governo, deputados e senadores já haviam sido escolhidos – pontos que reduzem o interesse do eleitor. A polarização era um contraponto a abstenção. Numa eleição em que a rejeição falou tão alto, os candidatos apostaram em criar resistência aos seus adversários, e assim incentivando os seus a combaterem – nas urnas – o candidato oponente.

O que se conclui é que, mesmo em uma eleição tão atípica, fora dos padrões que o brasileiro está acostumado a lidar, com extrema polarização, em que a diferença entre vencedor e derrotado foi de 2.1 milhões de votos, a democracia venceu – diferente do que imagina os baderneiros de porta quarteis. O desejo por exercer e fazer valer o voto demonstra que a democracia está viva em todos os eleitores, que não titubearam em ir às urnas – nadando contra a maré.