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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decidiu manter a validade do decreto editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para aumentar as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).O decreto havia sido suspenso por ação do Congresso e a decisão final do ministro foi proferida após o governo federal e o Congresso não chegarem a um acordo durante audiência de conciliação.

Enquanto o governo alegava que o Poder Executivo tem competência expressa para alterar alíquotas do IOF por meio de decreto, o Congresso dizia que, por conta do caráter extrafiscal do IOF (um imposto que serve para regular o mercado financeiro, o fluxo de capitais e o consumo externo), a intenção do governo não era regulatória, mas arrecadatória. Embora o STF tenha obrigação de interferir nas matérias que contrariam a Constituição mas que de alguma forma passaram pelas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ), a forma como isso foi feito mais nublou do que esclareceu o problema.  

A primeira sombra da dúvida lançada foi a percepção de que o STF é um órgão político, que dá a vitória ao lado com que mais simpatiza. A Corte não se limitou a apontar a inconstitucionalidade — promoveu negociação. Quando o acordo falhou, a decisão de Moraes foi “vazada” de antemão por Haddad. É mais uma decisão favorável ao governo a engrossar a incrível proporção de 89% de decisões do STF alinhadas ao Executivo. 

A recorrência ao Judiciário  deveria ser desmoralizante para o Executivo (em conflito com o Legislativo, a imagem recorrente é a dos irmãos brigando, admoestados pelo Judiciário adulto-na-sala), mas o atalho para a negociação política parece ser uma ferramenta poderosa demais para se abrir mão. 

No caso do IOF, a função do aumento do imposto era declaradamente arrecadatória — o governo anunciou quanto esperava arrecadar R$ 60 bilhões com a medida, caso contrário haveria shutdown. Agora já anuncia que não é o bastante — precisará ainda arranjar R$ 86,3 bilhões para alcançar a meta fiscal de 2026. O cálculo feito pelo Tesouro Nacional considera o centro da meta de 0,25% do PIB. O caminho para novo aumento de impostos está dado: STF. 

Antes de Alexandre de Moraes declarar a constitucionalidade do aumento do IOF para fins arrecadatórios, em entrevista concedida após a reunião de conciliação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou: “O ministro Alexandre falou com os presidentes das duas Casas, comigo pessoalmente […] Tenho a impressão de que é uma decisão que sai rápido e convergente com o que a gente precisa”. A previsão cirúrgica de Haddad impressiona, mas reforça a dúvida sobre as relações indiscretas entre governo e Judiciário.

A inconveniência de a Suprema Corte atalhar o Congresso em temas tão controversos agrava os questionamentos sobre as funções extra-oficiais assumidas por ministros. Flávio Dino, por exemplo, ao bloquear e liberar a execução de emendas, se tornou atalho e tesoureiro informal do Congresso. A culpa é, em parte, do próprio parlamento, que foi omisso na observância das regras para cumprimento das emendas na eterna tentativa de extrapolar sua participação tradicional no orçamento. Nada disso muda o fato de que a Corte parece poder fazer tudo neste momento de expansão de suas funções.

Essa relação é um super poder que vicia. A cada vez que o governo sofre um revés e recorre ao Supremo, torna-se mais fácil recorrer novamente. Levantamento da Advocacia Geral da União (AGU) noticiado pela Folha de S.Paulo em março deste ano mostra que nove a cada dez decisões do STF e STJ desde o início do governo Lula foram favoráveis ao governo. Foram 99 das 111 ações em linha com o Executivo até a data do levantamento. 

O dado é preocupante porque comunica ao governo uma economia de esforços pouco republicana: quem perderá energia montando uma bancada no parlamento quando se pode garantir o sucesso sem discussão no Judiciário? Sentindo-se trapaceado, o Congresso pode querer retaliar, por exemplo, derrubando o veto de Lula ao aumento no número de deputados.

O aumento é impopular, imoral e não corrige a distorção entre população dos estados e o número de parlamentares, portanto, nada mais justo que seu veto. A retaliação, que deve vir, será injusta sobretudo com o povo. Outras derrotas foram impostas na última sessão da Câmara antes do recesso, como a aprovação crédito subsidiado de até R$ 30 bilhões para o agronegócio com fundos do pré-sal — o governo era contra o refinanciamento de dívidas. 

A simplificação do licenciamento foi outra “derrota”. As aspas servem para indicar que, apesar de o governo Lula ter orientado contra a proposta, mas não quis comprar a briga, o Senado liberou a bancada para votar como quisesse. Escolheu evitar confronto justamente porque pretende levar disputa ao STF. No Congresso (o local adequado para o debate), a matéria teve 267 votos a favor e 116 contra. Marina Silva disse que a lei estava sendo decepada. Mas o governo não lutou, pois sabe que agora há um caminho de menor resistência. A articulação política agora é prescindível.