Nas últimas eleições, foi sugerido que a eleição de um dos candidatos à Presidência no daria fim à divisão política no país. Agora, com 2022 ficando para trás, também vai ficando claro que a promessa de distensionamento não se realizará sozinha. Criar a normalidade republicana é uma tarefa ativa, árdua, de todos os dias. Relaxar nessa missão significa propiciar o clima que vivemos na última semana, quando Goiás foi palco de três novos episódios de violência contra pessoas públicas.

Na quarta-feira, 29, Jamil El Hosni, um assessor especial do prefeito de Goianésia Leonardo Menezes (PSDB) foi preso por suspeita de invadir o gabinete do deputado estadual Renato de Castro e ameaçar sua família e servidores. Na quinta-feira, 30, o escritório político da deputada federal Silvye Alves (UB) foi invadido e o invasor defecou no local. Na sexta-feira, a presidente da Câmara Municipal, Beatriz Fernandes de Carvalho (PDT), denunciou o prefeito de Nazário, João Batista de Carvalho (Podemos), por violência física e psicológica.

Os casos

Nos casos de Goianésia e Nazário, os suspeitos identificados pertencem a grupos políticos opostos a suas vítimas. Em Goianésia, um dos assessores de Renato de Castro teria bolado um plano para incriminar o filho de El Hosni, que reagiu com as ameaças. Em Nazário, a vereadora afirmou ao Jornal Opção que, por ser da oposição, sempre sofreu perseguição. “Desde quando eu assumi a Câmara de Vereadores, como presidente, isso agravou. Queriam me bater, queriam me matar. Falavam que eu tinha que apanhar. Eu pedi a medida protetiva por conta disso”. Antes, no dia 19 de novembro, em Flores de Goiás, o pré-candidato a prefeito Sidney Pinheiro dos Anjos, conhecido como “Bizu”, foi morto a tiros.

Entretanto, o principal caso que associa a atividade política à violência em Goiás é o assassinato de Fábio Escobar, ex-coordenador de campanha do governador em Anápolis. Publicada à conta-gotas no noticiário político do estado, a investigação indica que Escobar teria criado uma inimizade com outros membros da campanha de Ronaldo Caiado (UB) em função da divisão dos recursos eleitorais. Sete outros homicídios para acobertar o crime se seguiram. Dez policiais militares foram indiciados por envolvimento nas mortes. O suposto autor intelectual, Cacai Toledo, segue foragido. 

Momento político

Há ainda um momento de intransigência no país. Desde os ataques ao sistema eleitoral promovidos pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), a atuação incisiva do Judiciário para defender a legitimidade da República foi tomada como modelo. Mesmo que 2022 tenha ficado para trás e a normalidade teoricamente tenha sido restaurada, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda busca justificar sua atuação e manter seus novos poderes em nome da defesa das instituições. 

No dia 29, o STF votou entendimento de que órgãos de imprensa podem ser responsabilizados por informações inverídicas proferidas por entrevistados. As associações de jornalismo alertaram para o risco de “verdadeira e indesejável autocensura nos veículos de comunicação brasileiros” (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Abraji). Mas a Corte compreendeu que a regulamentação era necessária, reforçando uma profunda incompreensão brasileira da democracia.

No país, se confunde a discordância com o ataque pessoal. Em todo o mundo, a independência entre situação e oposição é o que garante a saúde democrática. O STF, ao reservar para si o poder de culpar um jornal por informações falsas proferidas por entrevistados, inviabiliza entrevistas ao vivo e contribui para o entendimento de que preservar os Poderes significa calar determinadas ideias ou pessoas.

Na raiz de toda violência política existe o sentimento de que os valores do adversário são tão inaceitáveis que sua mera discussão pública deve ser combatida. Entretanto, a negociação com o que julgamos inaceitável mas que está presente — este é o coração da política. Por mais que preferíssemos lidar com uma oposição ideal, dotada de ideias razoáveis, este raramente é o caso. Substituir este realismo pelo maniqueísmo simplista (de que políticos do lado do bem têm o dever moral de silenciar opositores) leva ao óbvio problema de que todos pensam estar do lado do bem e todos pensam que seus ataques truculentos são uma defesa virtuosa da honra.

Com seu gravíssimo problema de segurança pública, o Brasil é um país onde a repressão dos crimes pela via extra-constitucional é louvada por boa parte da população. Existe a ideia de que contra os bandidos vale tudo, inclusive descumprir a lei. A partir daí, basta caracterizar o opositor como bandido para legitimar a violência física contra bandidos nas ruas, e para silenciar os argumentos de opositores na política.

Essa vocação para a ignorância é nossa feia herança como estado perifério de um país emergente. Contrariar essa tendência e criar para nós mesmos uma melhor natureza é tarefa árdua, de todos os dias, que não se cumprirá sozinha.