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O julgamento de Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) impulsionou as articulações do PL e do Centrão pela anistia do ex-presidente e demais réus por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito. Politicamente, o que importa é que as diversas propostas de anistia que circulam na Câmara dos Deputados são incompatíveis entre si. Cada ator tenta consolidar seu próprio projeto para o futuro, alguns usando Bolsonaro como pretexto. 

Primeiro, há a anistia palatável, socialmente aceita, preferida pelo centro, empresariado e moderados. Esta se aplica a condenados pelo 8 de janeiro de 2023 e Bolsonaro, mas não restaura sua elegibilidade. O ex-presidente está inelegível por se reunir no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros para desacreditar a integridade das eleições em 2022. 

A anistia que o livra da cadeia e da tornozeleira, mas não o põe de volta nas urnas é defendida por Alcolumbre (UB), Ciro Nogueira (PP) e boa parte do centrão. Esses atores propõem essa alternativa porque pressentem que Tarcísio tem mais chances de vitória contra Lula em 2026. Embora o presidente Lula da Silva (PT) talvez tenha mais chances de vencer Bolsonaro que Tarcísio, o governo tem apostado em Alcolumbre, presidente do Senado, para defender essa versão por uma série de razões. 

Primeiro, a defesa da democracia é plataforma eleitoral de Lula, e a anistia “ampla, geral e irrestrita” aos condenados no 8 de janeiro contraria este discurso. O presidente do Senado defende a revisão das penas tidas como excessivas aos condenados pelos atos antidemocráticos — como Débora, que pichou a estátua da Justiça com batom e foi condenada a 14 anos de prisão por cinco crimes, inclusive golpe de estado. Alcolumbre defende separar organizadores e financiadores dos participantes do ato.

Em segundo lugar, o governo estrategicamente já escolhe Tarcísio como adversário, para que ele desde já seja fustigado por governistas e bolsonaristas. Em 26 de agosto, Lula disse em reunião ministerial (fechada à imprensa, mas sabendo do vazamento) que tinha certeza de que seu adversário em 2026 seria o governador de São Paulo. Agora, Tarcísio é alvo não apenas de petistas, mas principalmente de oposicionistas como Eduardo Bolsonaro, que concorrem pelo espaço na direita. 

Eduardo, aliás, já declarou que discorda de Alcolumbre: a anistia só vale se tornar Jair elegível. Nesta sexta-feira, 5, ele publicou em seu perfil no X: “Sei que querem tirar meu pai da anistia para poder chantagear ele e forçá-lo a escolher o candidato que vocês querem emplacar. Qualquer anistia que não seja ampla e irrestrita não será aceita.” Sua visão de anistia corre em paralelo, sob apresentação de Sóstenes Cavalcante (PL), e perdoa acusados desde o inquérito das fake news de 2019.

A medida, se aprovada, permitiria que Bolsonaro voltasse a disputar a Presidência da República em 2026, mesmo após ter sido declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023. A minuta, defendida pelo PL, estende o perdão a crimes cometidos em redes sociais, ofensas a instituições, apoio logístico e financeiro a protestos e a atos considerados contrários à soberania nacional. O texto também alcança medidas cautelares, o que, na prática, poderia anular a imposição de tornozeleira eletrônica ao ex-presidente.

Talvez Eduardo não tenha percebido, mas a tese de Sóstenes desconstrói a sua própria tese. Nos Estados Unidos, o ex-deputado defende que há uma ditadura no Brasil. Até essa semana, Eduardo se comportava como se quisesse concorrer em uma “anticandidatura” de denúncia contra o sistema, a farsa, a tramóia para prejudicar seu pai, etc. Ao aceitar concorrer às eleições nessa suposta ditadura, Jair Bolsonaro estaria legitimando o sistema. A narrativa pode sofrer um nó, mas, historicamente, bolsonaristas não tiveram problemas para mudar de ideia repentinamente e fazer uma curva argumentativa de 180º.

Reação

Na quinta-feira, 5, o PT e outras entidades de esquerda decidiram iniciar uma mobilização contra o avanço das articulações pela anistia no Congresso Nacional.  O grupo planeja publicações sobre o tema nas redes sociais com convocações para que a militância vá às ruas em 7 de Setembro para protestar contra a medida. (A chance de uma “surra” em números de participantes contra a passeata bolsonarista no feriado da Independência é grande.) Um dos alvos da esquerda é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tem se empenhado nas movimentações para convencer o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar a anistia. 

Se Tarcísio quer que Bolsonaro seja elegível de fato, ou se apenas “paga pedágio” e faz jogo de cena, é impossível determinar. A verdade é que ele se comporta, faz reuniões e articula, em prol da anistia ao ex-presidente. Mas Hugo Motta já afirmou que não faz sentido pautar  tal anistia antes de haver uma condenação. “Estamos muito tranquilos com relação à discussão dessa pauta [anistia], não há ainda nenhuma definição [sobre colocar em votação a proposta]. Nós estamos sempre ouvindo o colégio de líderes nessas pautas, não tem ainda”, disse o presidente da Câmara à imprensa.

A proposta teria de ser pautada pelo presidente da Câmara, aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente — mas a Câmara poderia derrubar o veto. O STF pode, por fim, impedir a anistia se verificar inconstitucionalidade. Em ocasiões passadas, os ministros já se posicionaram contrariamente à ideia. Quando Eduardo Bolsonaro tentou articular a anistia ao pai utilizando como ferramenta de pressão as sanções impostas contra o Brasil pelos Estados Unidos, Alexandre de Moraes falou na inconstitucionalidade da anistia.

Disse o ministro: “[…] o espúrio término da análise da responsabilidade penal [de Bolsonaro], seja por meio de uma inexistente possibilidade de arquivamento sumário, seja pela aprovação de uma inconstitucional anistia, sempre em troca de conseguir o término das agressões realizadas ao Brasil por meio de medidas econômicas e impedir que as autoridades judiciais, ministeriais e policiais brasileiras sejam apenadas pelo Executivo norte-americano”.

Em maio de 2023, o STF anulou decreto de indulto a Daniel Silveira. Fux disse: “Entendo que crime contra o Estado Democrático de Direito é um crime político e impassível de anistia, porquanto o Estado Democrático de Direito é uma cláusula pétrea que nem mesmo o Congresso Nacional, por emenda, pode suprimir.”