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A disputa eleitoral migrou definitivamente para o ambiente digital. A cada ciclo, cresce o peso de conteúdos impulsionados, vídeos curtos, lives e mais recentemente materiais sintéticos produzidos com inteligência artificial (IA). 

Nesse cenário, o Supremo Tribunal Federal  atualizou os parâmetros de responsabilidade das plataformas ao revisar o art. 19 do Marco Civil da Internet (MCI), e o Tribunal Superior Eleitoral consolidou, por resolução, deveres específicos para redes sociais durante o período eleitoral. O resultado prático é um regime mais claro e exigente para provedores de aplicação e para quem faz campanha.

Em junho de 2025, o STF concluiu o julgamento de repercussão geral (Temas 987 e 533) e declarou parcialmente inconstitucional a leitura estrita do art. 19 do MCI que condicionava, como regra geral, a responsabilidade civil das plataformas exclusivamente ao descumprimento de ordem judicial específica. A Corte fixou parâmetros de responsabilização em hipóteses qualificadas (por exemplo, conteúdos manifestamente ilícitos ou riscos graves), ampliando o dever de cuidado das empresas e afastando a ideia de imunidade ampla até ordem judicial. 

A decisão também reconheceu a existência de regimes setoriais, entre eles o eleitoral, nos quais vigoram normas específicas editadas pela Justiça Eleitoral, capazes de impor obrigações procedimentais e de transparência às plataformas, sem prejuízo da tutela constitucional da liberdade de expressão. Em linguagem simples: no período eleitoral, valem as regras do TSE, e as plataformas não podem se esconder atrás de uma leitura minimalista do artigo 19.

Ao atualizar a Resolução nº 23.610/2019 , que trata sobre a propaganda eleitoral, por meio da Resolução nº 23.732/2024, o TSE instituiu um catálogo de deveres para provedores de aplicação com foco em desinformação, IA e integridade do pleito. 

Nesse contexto, devemos destacar a  Rotulagem obrigatória de conteúdos sintéticos/IA em formatos de áudio, imagem e vídeo, com regras para marca d’água, avisos e audiodescrição; a vedação ao uso de deepfakes para favorecer ou prejudicar candidaturas; violação pode configurar abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, com cassação como consequência; os deveres de diligência das plataformas: canais de denúncia eficazes; sistemas de recomendação responsáveis; avaliação de impacto em ano eleitoral; transparência de resultados; ações corretivas imediatas: diante de “fatos notoriamente inverídicos” ou “gravemente descontextualizados” com potencial de dano à integridade eleitoral, as plataformas devem cessar impulsionamento/monetização e adotar medidas internas para conter recidivas independentemente de ordem judicial. Responsabilidade solidária (civil e administrativa) se não houver indisponibilização imediata de conteúdos/perfis em situações de risco especificadas (atos antidemocráticos, violência, ódio, ataques à Justiça Eleitoral, deepfakes fora do rotulado etc.).

Prazo inferior a 24h para cumprimento de ordens de remoção em temas sensíveis (sistema de votação, apuração etc.), com repositório público de decisões e metadados de engajamento. Esse desenho se ancora no poder normativo do TSE (CE, art. 23, IX; Lei 9.504/97, art. 105) para expedir instruções necessárias à fiel execução da legislação eleitoral. A própria jurisprudência do TSE já equipara internet e redes sociais a “meios de comunicação social” para fins de abuso (LC 64/90, art. 22), permitindo sanções eleitorais.

O STF afastou a blindagem absoluta do art. 19 do MCI e abriu espaço para responsabilização sem ordem judicial prévia em hipóteses qualificadas, além de validar a convivência de regimes setoriais. Já o TSE, exercendo competência legal, operacionalizou esse dever de cuidado no contexto eleitoral, com deveres preventivos, corretivos e de transparência, e com responsabilidade solidária quando houver omissão em situações de risco.

Como resultado, verifica-se maior transparência e previsibilidade para plataformas e campanhas, respostas mais rápidas contra conteúdos que ameacem a integridade do processo eleitoral e balizas jurídicas para controle do abuso do poder comunicacional nas redes.

A liberdade de expressão permanece padrão constitucional preferencial, mas não absoluto, sobretudo quando confrontada com deepfakes, discursos de ódio e campanhas massivas de desinformação que comprometem a liberdade de escolha do eleitor e a segurança do processo. 

Enquanto o STF explicitou que direitos fundamentais em ambientes digitais exigem contrapesos proporcionais, o TSE delimita procedimentos para viabilizar intervenção precisa, motivada e auditável.

*Danubio Cardoso Remy – é advogado, mestre em Direito Público e Eleitoral