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O julgamento com início essa semana no Supremo Tribunal Federal, envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros réus, marca um divisor de águas na história política e jurídica do Brasil. O processo não se limita à apuração de responsabilidades individuais: ele coloca à prova a força da Constituição de 1988, nosso pacto democrático, e a maturidade das instituições que sustentam o Estado Democrático de Direito.

A Carta Magna estabelece, em seu artigo 1º, que a República Federativa do Brasil se fundamenta na soberania, na cidadania e no pluralismo político, tendo como um de seus pilares a dignidade da pessoa humana.

O episódio em julgamento se relaciona diretamente com a preservação desses fundamentos. O artigo 5º, incisos LIV e LV, assegura a todos o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, princípios que devem ser rigidamente respeitados neste julgamento. O país não pode, sob qualquer pretexto, transformar o tribunal constitucional em palco de revanche política. A legitimidade da decisão depende justamente da fidelidade a essas garantias.

O Código Penal, reformado pela Lei nº 14.197/2021, passou a tipificar crimes contra o Estado Democrático de Direito, como a tentativa de abolição violenta do Estado democrático (art. 359-L) e o golpe de Estado (art. 359-M). Tais dispositivos foram criados exatamente para lidar com situações em que a ordem constitucional esteja em risco.

No caso concreto, o Supremo examinará se houve organização criminosa com a finalidade de subverter a ordem e impedir o livre exercício dos Poderes da República. O desafio é aplicar a lei de maneira técnica, sem exacerbações, reconhecendo que o Direito Penal é a última ratio, devendo incidir apenas diante de condutas concretas e comprovadas.

O Supremo Tribunal Federal exerce o papel de preservação institucional, previsto no artigo 102 da Carta Magna, e tem a missão de ser o guardião da Constituição. No entanto, ao assumir protagonismo em processos dessa magnitude, o Tribunal corre o risco de ser interpretado como um ator político. Daí a importância de que cada decisão seja fundamentada em elementos jurídicos claros, evitando qualquer aparência de parcialidade.

Mais do que punir ou absolver, este julgamento servirá como parâmetro para futuras gerações sobre como o Brasil lida com ameaças à sua democracia. A escolha que se faz agora terá reflexos não apenas na política imediata, mas também na confiança da sociedade nas instituições e na percepção internacional sobre a solidez do nosso regime democrático.

O que se espera do julgamento é a demonstração inequívoca de que o Brasil é capaz de se defender de ataques à democracia sem abrir mão da própria democracia. Respeitar o devido processo legal, aplicar corretamente a lei penal e fundamentar as decisões na Constituição são as condições indispensáveis para que o resultado seja aceito pela sociedade e reconhecido pela história.

O Supremo tem diante de si não apenas réus a julgar, mas a missão maior de afirmar que a Constituição permanece sendo o centro de gravidade da República. Esse será, em última análise, o verdadeiro julgamento que está em curso.

*Danúbio Cardoso Remy Advogado, mestre em Direito Público e Eleitoral