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A segurança pública é tema de relevo absoluto no pacto federativo brasileiro. A Constituição Federal, seus dispositivos relacionados às forças de segurança e à ordem pública, bem como as normas infraconstitucionais que organizam a cooperação entre os entes federados, formam o arcabouço jurídico no qual devem operar as ações estatais de repressão ao crime, prevenção e policiamento.

Nesse contexto, torna‑se imprescindível examinar como funciona o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSP), quais os deveres dos estados ao implementá‑lo, e avaliar se, no âmbito do estado do Rio de Janeiro, a atuação do governador se mostrou juridicamente compatível e se admite responsabilização.

A base normativa principal está assentada na Lei nº 13.675/2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSP) como instrumentos de articulação da segurança pública no Brasil. Nos termos do artigo 1º dessa lei, “esta Lei institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), com a finalidade de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em articulação com a sociedade.”

O PNSP foi institucionalizado pelo Decreto nº 10.822/2021, que o instituiu para o período de 2021 a 2030, fixando ciclo de implementação bienal e estabelecendo que o plano conteria objetivos, ações estratégicas, metas e sistema de governança. Ademais, a Lei nº 13.756/2018, que versa sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), condiciona repasses federais para os estados à existência de plano estadual alinhado ao PNSP, à integração de sistemas de informação e à regularidade da aplicação dos recursos.

Esses dispositivos impõem aos estados a obrigação de elaborar e implementar plano estadual de segurança pública conforme as diretrizes nacionais, garantir articulação entre União, estados e municípios para atuação integrada e observar princípios como eficiência, transparência e coordenação intergovernamental. O descumprimento dessas diretrizes pode acarretar em sanções administrativas e perda de repasses federais.

No caso do estado do Rio de Janeiro, a legislação estadual foi atualizada recentemente. A Lei nº 10.245/2023 criou a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP), responsável por coordenar políticas públicas de prevenção, controle e combate à criminalidade. Além disso, o Decreto nº 48.230/2022 instituiu comitê gestor para o programa estadual de transparência em ações de segurança pública e defesa civil, reforçando o compromisso com a governança e o controle social.

Para responder se o governador do Estado do Rio de Janeiro agiu certo, é preciso analisar dois eixos principais: conformidade formal da ação com o ordenamento jurídico e conformidade material com os direitos fundamentais. No primeiro caso, se o Estado elaborou e executou seu plano estadual alinhado ao PNSP e observou as exigências legais, então a atuação se mostra dentro da legalidade formal. No segundo, é necessário verificar se as ações práticas respeitaram os direitos humanos, o princípio da proporcionalidade e a dignidade da pessoa humana. Operações de segurança devem evitar excessos e preservar as garantias constitucionais.

Mesmo quando a forma é legal, o conteúdo pode ser questionável. Caso as operações desrespeitem direitos ou ignorem as salvaguardas constitucionais, o governador e o Estado podem ser responsabilizados. A legalidade formal não exclui a possibilidade de controle judicial e social sobre a legitimidade e a moralidade das ações.

A responsabilização pode ocorrer em diferentes esferas. No campo administrativo, o Estado pode responder civilmente por omissões ou abusos cometidos em operações policiais. No âmbito penal, pode haver responsabilização de agentes e dirigentes públicos caso sejam constatados abusos de autoridade, conforme previsto na Lei nº 13.869/2019. No plano político, o governador pode responder por crime de responsabilidade, caso haja violação direta à Constituição ou abuso de poder. Além disso, irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública podem gerar bloqueio de repasses e medidas corretivas da União.

Em síntese, o governador do Rio de Janeiro, ao acionar as forças de segurança dentro dos marcos legais e de planejamento previstos pelo PNSP, age dentro dos limites da legalidade. No entanto, a execução dessas políticas deve observar rigorosamente os direitos fundamentais. A legalidade das operações de segurança pública não se mede apenas pela existência de planos ou decretos, mas pela conformidade das ações com a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos.

Portanto, pode-se afirmar que o governador agiu corretamente do ponto de vista formal, mas a responsabilidade do Estado permanece sujeita à fiscalização permanente. Havendo abusos, excessos ou omissões, é possível e necessário que se apure a responsabilidade civil, administrativa e política, assegurando que a legalidade não se torne um escudo para práticas contrárias ao Estado Democrático de Direito.

Danúbio Remy é advogado e mestre em Direito Público e Eleitoral, com ampla atuação na área de consultoria política e em processos eleitorais. É reconhecido pela análise técnica e pelo compromisso com o fortalecimento institucional do Estado Democrático de Direito