Destaque ao voto de Luiz Fux e a defesa do Estado de Direito no caso Bolsonaro

27 julho 2025 às 13h22

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Enquanto a maioria dos ministros apontou indícios de articulações internacionais com potencial para desestabilizar as instituições democráticas, Fux foi direto: não há provas concretas de que Bolsonaro pretende fugir do país ou de que esteja interferindo nas investigações. Em sua análise, o simples fato de o ex-presidente ter o passaporte retido e endereço conhecido já neutraliza qualquer risco real de evasão.
Na última semana, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu manter as medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, incluindo o uso de tornozeleira eletrônica. O placar foi de 4 a 1. O único voto divergente foi do ministro Luiz Fux. E, embora vencido, seu posicionamento merece destaque. Mais do que um voto técnico, foi uma reafirmação dos fundamentos constitucionais que garantem a proporcionalidade, o devido processo legal e a presunção de inocência, princípios essenciais do Estado de Direito.
Enquanto a maioria dos ministros apontou indícios de articulações internacionais com potencial para desestabilizar as instituições democráticas, Fux foi direto: não há provas concretas de que Bolsonaro pretende fugir do país ou de que esteja interferindo nas investigações. Em sua análise, o simples fato de o ex-presidente ter o passaporte retido e endereço conhecido já neutraliza qualquer risco real de evasão.
Essa posição encontra respaldo no artigo 282, parágrafo 6º, do Código de Processo Penal, que determina que medidas cautelares devem ser reavaliadas periodicamente e aplicadas apenas se forem necessárias e proporcionais à infração penal, à gravidade do fato, às circunstâncias e à adequação da medida ao caso concreto. O artigo 319 do mesmo código elenca as medidas cautelares diversas da prisão, mas exige fundamentação clara para sua imposição. Fux entende que, na ausência de fatos novos que justifiquem a adoção de medidas mais rígidas, sua manutenção se torna arbitrária.
Além disso, o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ao reforçar a importância desse princípio, Fux busca impedir que a imposição de medidas cautelares se torne uma punição antecipada, convertendo o processo penal em um instrumento de desgaste político, o que contraria frontalmente a legalidade.
Outro aspecto importante do voto foi a crítica à tentativa de imputar a Bolsonaro responsabilidade pelos atos e declarações de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, nos Estados Unidos. Fux relembrou o princípio da responsabilidade penal individual, previsto implicitamente no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição, segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado. Ou seja, ainda que se reprove politicamente a postura de Eduardo, não se pode, sem prova direta, atribuir seus atos ao pai. Esse tipo de associação forçada compromete a integridade do processo penal.
A imposição de tornozeleira eletrônica, embora não configure tecnicamente prisão, restringe a liberdade de locomoção, garantida pelo artigo 5º, inciso XV, da Constituição. Por isso, deve ser aplicada com rigoroso critério, sob pena de violar o núcleo duro das garantias individuais. Fux deixou claro que, sem risco objetivo de fuga ou de obstrução de justiça, não se justifica a aplicação de medidas tão invasivas.
Seu voto, embora impopular em determinados círculos, resgata a missão original do Judiciário: julgar com base em provas, não em pressões políticas ou paixões ideológicas. O STF não pode se transformar em um tribunal de exceção, nem mesmo quando o acusado é um ex-presidente com histórico de confronto institucional. O devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LIV, existe justamente para garantir que os direitos não sejam atropelados nos momentos em que a opinião pública clama por punição sumária.
Se medidas excepcionais se tornam regra, amanhã qualquer cidadão poderá ser alvo de restrições severas sem o respaldo de provas concretas. Hoje é Bolsonaro. Amanhã, pode ser qualquer um.
Luiz Fux, ao votar contra a tornozeleira, não absolveu Bolsonaro. Apenas reiterou que o Judiciário deve aplicar a lei com isenção, respeito às garantias fundamentais e com base em elementos objetivos. Em tempos de polarização, a coragem de manter a Constituição como bússola, mesmo sob pressão, é o que diferencia o juiz garantista do juiz populista.
Esse voto foi um alerta. O Estado Democrático de Direito não pode ser moldado pela conveniência do momento. E, goste-se ou não de Bolsonaro, a lei e os princípios constitucionais garantidores de direitos precisam valer para todos, inclusive para ele.
*DANUBIO CARDOSO REMY ROMANO FRAUZINO é advogado, mestre em Direito e especialista em Direito Público r eleitoral.