Uma banda chamada Baquetas de Rubra e a colheita da uva

17 setembro 2025 às 17h04

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Imagina acordar com o batuque de uma batida diferente do samba e, no lugar do cavaquinho, os compassos da flauta de fole? Foi exatamente esta a alvorada da quarta-feira, 17, em Ponte da Barca (Portugal). O mais surpreendente foi a percepção de que 15 dos 19 integrantes da banda Baquetas de Rubra são portadores de síndrome de down, altamente compenetrados no ensaio geral dos ritmos celtibéricos. Um deles me repreendeu por ter perguntado mais de uma vez o nome da banda.
A tradição da gaita de fole é muito arraigada no Alto Minho, na vizinha Galícia e nas Astúrias (Espanha), fruto da influência milenar dos celtas e cujos vestígios são encontrados em vários sítios arqueológicos. Musicalidade imprescindível nas festas populares do lugar.

Em seguida, peguei a trilha da ecovia pela margem leste do Rio Lima na direção sul em busca da colheita da uva, cuja temporada está no auge. No caminho há inúmeros parreirais carregados de castas brancas e tintas, inclusive na margem do rio. Você pode colher e degustar, sem invadir as propriedades privadas, os frutos que brotam nas barrancas do Lima, pois se trata de áreas de domínio público. Certamente as sementes foram levadas às margens pela passarinhada que habita o ambiente.
É preciso ter alguma precaução, uma vez que nem todo fruto é comestível para os humanos. Ao contrário, há um belíssimo, de vermelho intenso, mas altamente venenoso fruto chamado uva-de-cão ou arrebenta-boi, que brota na orla nos bosques e cujo contato deve ser evitado. Do mesmo mudo, a hortelã silvestre também exige algum cuidado, já que no caule escondido no solo existe uma urtiga que sapeca a pele com espinhos minúsculos e muito doloridos.

O sol hoje era de uma franqueza de verão tropical e sempre que podia buscava a grama úmida de orvalho nas encostas do Rio Lima para me proteger. Ainda bem que trouxe uma balaclava de multiemprego, muito técnica, de extrema providência, e que havia me socorrido no Caminho de Santiago.
Eu sou fascinado pela poesia espontânea da arte popular e achei linda a frase gravada em uma pequena caixa de concreto que dizia: “Observo cada detalhe que evitas em ti”. Depois, ao longe, pude contemplar em um muro de arrimo na saída da vila uma gigantesca obra de arte em execução pelo artista plástico Juan Domingues, 44 anos, português nascido na Venezuela.
A obra de 1.550 m² de área e 300 metros de extensão retrata o ambiente natural e antrópico do Alto Minho e se configura no maior painel de Portugal pintado a pincel. Domingues começou a realizá-lo em julho e trabalha para terminar a encomenda do governo de Ponte da Barca no outono que se avizinha.

No final da trilha, onde se localiza o hipódromo da vila, eis que me deparo com o tão esperado momento de vivenciar a vindima. Sobre escadas metálicas, um grupo de trabalhadores de todas as idades fazia a colheita a cantar e conversar em voz alta. Eles acharam muito engraçado eu pedir permissão para fotografá-los e alguns até posaram para as imagens.
Depois de colhidas, as bagas são transportadas para dornas (recipientes redondos) de madeira nas carrocerias puxadas por tratores com capacidade cada uma de até mil quilos. Um muito divertido trabalhador, Vítor Manuel, 45 anos, me explica que é preciso compactar os cachos colhidos com bastante cuidado para não machucar os frutos e prejudicar o rendimento da colheita.
Vítor Manuel comentou que esta safra tem sido auspiciosa e com certeza será marcante na produção dos vinhos verdes das castas Alvarinho (branco) e Vinhão (tinto). Durante todos estes dias tem sido intensa passagem dos tratores sobre a ponte medieval do Rio Lima carregados de uva em direção das empresas viniculturas da região.

Deu a hora do almoço e não é uma boa ideia fazer a principal refeição do dia se ainda há longo trecho para caminhar. Vejo no mapa uma certa Tasquinha Muía — Petiscos e Vinhos e peço um prego no pão (pão com bife). Logo vem da cozinha a proprietária do estabelecimento de beira de estrada a me indagar do ponto carne. Era Dona Natália, a bondosa senhora, que, no domingo passado, me forneceu água fresca no povoado de Bravões. Devidamente alimentado, segui meio sem destino a Rua do Ribeiro Porto de Vacas em busca de aventura nos ares confortáveis do Vale do Rio Lima.
Marcio Fernandes, jornalista, é colaborador do Jornal Opção.