Roubada instrutiva até o lindo sopé da Montanha Kruja

Albânia — O tempo hoje era curto e foi tomada a decisão de conhecer Kruja em viagem de táxi com preço pré-fixado para se evitar a bandeira 3. Illir, o motorista, falava italiano e a Britz foi dialogando com o cara sobre assuntos objetivos. Zero de platitudes ou comentários desnecessários.

Nós havíamos o contratado um dia antes e, por saber que éramos brasileiros, preparou uma trilha sonora nacional no rádio. Acabou-se o tempo em que Tom Jobim era a referência universal da música brasileira. No carro começou a rolar um funk super indecente de traficante de favela carioca.

Britz interrompeu de pronto a gentileza e pediu alguma coisa local. Aí veio o repertório de uma cantora chamada Maya, que descobri no aplicativo Shazam. Dei um Google e vi que ela tem um pouco da aparência da Greta Garbo e algum componente daquela cantora paraense que usa botas de chacrete. O ritmo era um misto de música islâmica e cigana. Foi bom porque durou pouco.

No caminho, atravessamos alguns distritos de Tirana em tráfego lento e com muito buzinaço. Antes, passamos rapidamente por autoestrada de duas pistas de cada lado em bom estado de conservação. Chamou a atenção o acostamento de um metro de largura e insuficiente para uma parada em segurança de qualquer automóvel. Logo imaginei que algum político malandro comeu uma parte da rodovia como ocorre no Brasil.

Nos distritos a rotina seguia inabalável com homens a lotar os cafés com o cigarro nos lábios, crianças de volta da escola e um monte de microempresas denominadas George W. Bush. Eu afirmei que a Albânia é uma democracia plena, pero no mucho, caros cucarachos. Fazer citação ao presidente, Bajram Begaj, em matéria jornalística exige muito cuidado, pois o cara não gosta de comentários que não sejam bajulatórios.

Lojas de mercadorias marretas da China vão se enfileirando ao longo da estrada e chama a atenção a quantidade excepcional de estabelecimentos destinados a noivas. É um atrás do outro a exibir nas vitrines longos vestidos e acessórios de casamento. Deve ser por isso que em Tirana tem criança para encher o metrô de Londres.

No segundo distrito, o muito humilde e gente fina Illir nos mostra todo orgulhoso o setor comercial de lojas de mobiliário e destaca que a grande maioria das peças é de fabricação albanesa. Há também um monte de bar lounge que não saberia exatamente a finalidade, no entanto deu a entender a razão social de certo night club paradise por ficar estampado que se tratava de um estabelecimento do setor de serviços da profissão mais antiga do mundo.

Ao avistar a Montanha de Kruja imaginei o quanto deveria ser lindo observá-la no inverno coberta de neve. Em bom italiano, o motorista explica que 15 anos atrás nevava muito, mesmo em Tirana, localizada na baixa alitude de 90 metros acima do nível do mar. Hoje, quando tem um dia de precipitação, o pessoal da cidade se comporta como a brasileirada em Gramado em uma felicidade sem explicação.

Antes de chegar a Kruja, a estrada plana ganha outra configuração para serpentear uma floresta de coníferas com muita inclinação positiva e curvas estreitas que superam os 60 graus. Caminhões pesados, ônibus, automóveis e motonetas vão abrindo espaço como podem em um movimento muito desorganizado. Não há praticamente lei nem sinalização horizontal na pista.

Situada no coração do centro de Albânia, a 40 quilômetros ao norte de Tirana, Kruja é um destino turístico meio roubada, apesar da riquíssima história. A cidade de montanha é um símbolo da resistência albanesa ao imperialismo otomano e foi a primeira capital do país na Idade Média, quando a Albânia era um principado.

Há várias indicações de certo castelo construído entre os séculos 5 e 6 da Era Cristã e de longe parece que a edificação está em ótimo estado de restauração. Na verdade, há somente sinais dos marcos arqueológicos do castelo, uns poucos metros lineares da antiga muralha e uma torre de pé ao fundo.

Na locação do prédio milenar foram erguidos um museu etnográfico e outro em honra de George Kastrioti conhecido como príncipe Skanderbeg. O grande guerreiro é o maior herói albanês e teve a proeza de resistir no castelo de Kruja ao cerco do exército otomano por 25 anos até que sucumbiu em 1468.

Kruja possui uma pequena passagem de pedestres com lojas dos dois lados a oferecer antiguidades, artesanato, galeria de arte e muita tapeçaria. Em alguns estabelecimentos você encontra tecelãs em atividade simulada de confecção das peças.

Minha larga experiência em negociação de tapetes pelo Oriente Médio e na África Magrebina com comerciantes malandros permitiu a fácil identicação dos pontos industriais dos produtos. De igual modo, nos restaurantes da cidade são impostoras as iguarias servidas como pratos tradicionais. Valeu a viagem, especialmente por ter sido a primeira roubada de médio poder destrutivo da minha fraca reserva de euros em espécie.

Marcio Fernandes, jornalista, é colaborador do Jornal Opção.

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