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O último dia na Albânia foi dedicado a fazer caminhada de longo curso. Foram 14,45 km desde Shiroka, às margens do Lago Shkodra, até a cidade do mesmo nome. O trajeto passou por ecovia e calçadas dos dois aglomerados urbanos em terreno bastante plano. No caminho, fiz um desvio para subir até o Castelo Rozafa em busca de visão panorâmica do ambiente em que ele se insere.

Shkodra é bem simpática e tem um centro histórico com vários casarões em ruínas. Artistas de rua locais aproveitaram portas e paredes em decadência para se expressarem em pinturas alegres com frases inteligentes. Por lá, existe uma deliciosa atmosfera hippie e muitos lugares descolados, a exemplo de pub irlandês no qual se escutam as maiores feras do blues na porta do bar.

Ciganos vivem em favelas na Albânia Foto Marcio Fernandes 2025
Ciganos vivem em favelas na Albânia | Foto: Marcio Fernandes/2025

Embora tenha um bom equipamento urbano, a cidade está longe de ser um destino turístico. No mais, o que há para se fazer é visitar o lago, o castelo e a Ponte Mesi. Na verdade, Shkodra é a porta de entrada para a galera praticante de trekking, montanhismo e escalada nos contrafortes dos Alpes Albaneses e nas reservas ambientais vizinhas da cidade.

Mochileiros também se dão bem em razão do custo muito baixo de hospedagem. Eles cruzam a cidade com muita desenvoltura em busca dos albergues de quartos coletivos. Já fiquei em muito albergue na minha vida, mas hoje não dá mais para dormir em beliche e dividir banheiro com gente com idade para ser meu neto.

O Lago Shkodra é absolutamente azul, de águas transparentes, cercado por montanhas e delimita a fronteira entre a Albânia e Montenegro, a vizinha situada ao norte. A coloração da lâmina d’água de área entre 370 e 530 km² — variação determinada pelo período de estiagem e das cheias provocadas pelo derretimento da neve que cobre as montanhas — é meio enganadora. O reservatório natural, ainda que seja um espaço de proteção ambiental permanente, é bastante poluído do lado albanês.

Os romãs não nascem na favela marcio Fernandes
Os romãs não nascem na favela | Foto: Marcio Fernandes/2025

Os principais impactos ambientais são produzidos pelo lançamento de esgoto doméstico sem tratamento da população de 170 mil habitantes — situada tanto na orla quanto ao longo dos rios contribuintes do lago. Há também o despejamento de metais pesados da indústria de processamento do alumínio, carreamento de fertilizantes químicos e muito lixo depositado nas margens sem o correto manejo. Outros pontos de prejuízo para a saúde ecológica do corpo hídrico é o incremento não planejado do turismo e as construções irregulares.

De acordo com minhas primeiras intenções, o projeto era comer peixe assado vindo das águas azuis do lago, mas o mau cheiro de esgoto me fez mudar de ideia e contentar com meio panino (sanduíche) de queijo, rúcula e tomate desidratado que sobrou do café da manhã que comi mais tarde.

A pobre condição ambiental do lago não difere em nada do que ocorre no Brasil, especialmente nas cidades da Amazônia. O problema de lançamento de efluentes não tratados é o mesmo, com a única diferença da escala de volume nacional. Acho que só a Índia e a vizinha Bangladesh superam o Bananal Imundo em matéria de contaminação dos recursos hídricos com coliforme fecal, resíduos industriais e lixo.

Pode anotar aí que será a mais bela mentira do ano a realização da COP-30 em Belém (PA). Médicos e farmácias vão encher os bolsos com prescrição e venda de antibióticos para combater infecção do sistema digestivo de ecologistas woke que amam visitar favelas no Brasil para ganhar likes no Facebook.

Como o tempo era bom, com céu azul e temperatura por volta dos 17 graus, imprimi um ritmo franco à caminhada. Parava só para fazer fotografia interessante e tomar água mineral colhida nos Alpes Albaneses a 2487 metros acima do nível do mar, deliciosa por sinal.

Jornalista condena destruição do corpo hídrico Foto Marcio Fernandes 2025
Ardi(s) Beqiri, jornalista, condena destruição do corpo hídrico | Foto: Marcio Fernandes/2025

Em um posto de gasolina encontrei o jornalista Ardi(s) Beqiri, 47 anos, que lamentou muito a degradação do lago no qual habitam dezenas de espécies endêmicas da fauna e flora. O “s” do seu primeiro nome é importante ser escrito entre parênteses e tem explicação. O jornalista nasceu durante a ditadura de Enver Hoxha, época em que Ardi não podia ser registrado com a última letra por ser um nome europeu, condição proibida nos 40 anos ditatoriais do regime comunista.

Definitivamente, Ardi me recomendou seguir adiante e almoçar em restaurante tradicional de Shkodra, no qual comi regiamente sopa de legumes de entrada, pimentão recheado de arroz e carne moída, como prato principal, e certa sobremesa da casa feita à base de castanhas da terra, canela de Constantinopla e mel puro da região. Olha só pessoal, o suco de laranja do restaurante é alguma coisa de alta estirpe e será considerado na saudade que terei da Albânia.

Fauna habita ambiente contaminado por esgoto Foto Marcio Fernandes 2025
Fauna habita ambiente contaminado por esgoto | Foto: Marcio Fernandes/2025

Depois de cruzar a ponte de pedestres sobre o Rio Buna, fui aconselhado por um senhor de origem romani (cigano) — que buscava algum objeto com valor econômico em um container de lixo — a subir a elevação de 130 metros por um atalho. Foi tudo de bom. Evitei dar uma volta grande para alcançar a estrada de entrada do castelo, dei uma parada estratégica em cafeteria para carregar meu celular vagabundo e pedi leite com café para comer o sanduíche.

Lidi, uma albanesa muito gente fina, que estava de saída, se compadeceu da minha situação de idoso, pedestre e escurinho, me ofereceu carona e pude concluir a subida em confortável automóvel com ar-condicionado. Não saberia dizer mais detalhes da motorista, pois ela estava apurada para estacionar o carro e me desovou sem mais comentários em local próximo do guichê da compra do ingresso do castelo. Depois, não a encontrei mais no meio da turistada tirando selfie para o Instagram.

Muralha no castelo no fim de tarde Foto Marcio Fernandes 2025
Muralha no castelo no fim de tarde | Foto: Marcio Fernandes/2025

É muito linda a visão panorâmica do encontro dos rios Buna e Drin a verter suas águas poluídas no Lago Shkodra desde o castelo.

Do alto das muralhas que cobrem um perímetro de 800 metros, e ocupam uma área de 9 hectares, parece que você tem uma intimidade com as nuvens e uma relação estável com o céu azul do horizonte. De lá, me despedi dos Balcãs e prometi às ruínas da fortaleza, ocupada no passado por imperadores e príncipes, que ainda vou voltar para me encontrar com os ilírios, primeiros habitantes da colina na Idade do Bronze.

Shkodra tem ambiente hippie e é repleta de mocheiros
Shkodra tem ambiente hippie e é repleta de mochileiros | Foto: Marcio Fernandes/Jornal Opção

Na caminhada de longo curso, encontrei senhoras cristãs de senho fechado e lenço branco sobre a cabeça a indicar a viuvez. Vendedor de uma abóbora, 37 cabeças de cebola e 72 ramas de fava. Ou o sábado, 4, foi muito bom para o comércio ou a colheita foi fraca. Não saberia dizer, mas morri de tristeza assim mesmo. E descobri que o Lago Shkodra tem a mesma configuração das linhas geográficas da cidade peruana de Huaraz. Talvez um dia aparecerei no país vizinho, conhecido por Machu Picchu, produção de cocaína e políticos malandros protegidos pelo governo Lula.

Antes da ponte de pedestres, encontrei na estrada pela primeira vez uma favela, em toda viagem pelos Balcãs.Trata-se de uma comunidade cigana abrigada em moradias extremamente precárias a margear a estrada por uns 350 metros. Favela não tem muito o que descrever, pois somos especialistas na matéria.

O ambiente urbano é sujo, superpovoado, sem saneamento básico e expressa a condição de miséria da comunidade afim. Há aproximadamente 10 mil habitantes da etnia na Albânia a mendigar nas ruas, de criança a idoso. Os albaneses os consideram uma escória de “vagabundos”. Os indicadores sociais apontam que eles têm menos acesso à educação, saúde, alimentação e com altíssima taxa de pobreza e mortalidade infantil.

O mais interessante é observar os militantes albaneses nas ruas de Tirana e Shkodra a protestar em apoio aos terroristas do Hamas e expressar indiferença aos cidadãos romani. A hipocrisia woke não deixa que pés de romã cresçam na favela dos ciganos.

No ônibus até aeroporto uma mochileira lia cartas manuscritas e fui embora ouvindo Marisa Monte cantar o som dos Novos Baianos: “Minha velha é louca por mim só porque sou assim…”.

Marcio Fernandes, jornalista, é colaborador do Jornal Opção.

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