Megaoperações, megamortes, zero resultados: a farsa da segurança pública no RJ
01 novembro 2025 às 21h00

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No final de 2023, o traficante Reinaldo Carvalho de Oliveira, conhecido como “Rei”, foi preso em seu apartamento de luxo localizado em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro. Segundo a Polícia Civil, ele era um dos principais fornecedores de maconha para favelas dominadas pelo Comando Vermelho na capital fluminense.
Rei operava uma rota aérea com pequenas aeronaves que seguiam até Mato Grosso do Sul e, de lá, o transporte prosseguia por via terrestre, passando por Limeira e Nova Odessa, em São Paulo, até chegar às comunidades cariocas.
No ano seguinte, em maio, uma nova operação, também voltada à rota de tráfico estruturada pelo Comando Vermelho (CV), terminou com quatro presos e meio milhão de reais em drogas apreendidos. As investigações revelaram que o esquema se baseava em uma parceria entre o Comando Vermelho e o Comando Vermelho do Amazonas, envolvendo não apenas dinheiro, mas também pessoas influentes. Entre elas, um ex-prefeito de um município do interior amazonense, responsável por lavar o dinheiro do tráfico por meio de pagamentos a pessoas e empresas.
Na ocasião em que foi deflagrada, a ação policial descobriu, inclusive, residências luxuosas em bairros nobres do Rio, como Ipanema e Copacabana, que funcionavam como pontos de Disque-Drogas.
Já em maio de 2025, a Polícia Federal, a Receita Federal e órgãos como o Ministério Público de São Paulo (MPSP) deflagraram três operações contra um esquema supostamente utilizado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). O grupo utilizava fundos de investimento e empresas financeiras que operam na Avenida Faria Lima, principal centro financeiro de São Paulo, para gerar, lavar, ocultar e blindar recursos provenientes da facção.
As sucessivas operações policiais e de outros órgãos que têm como alvo facções criminosas como o Comando Vermelho e o PCC invariavelmente chegam à mesma conclusão: os grandes chefes, articuladores e distribuidores do tráfico de drogas – a principal causa da criminalidade no Brasil, aqueles que fazem “a coisa andar”, garantindo que a droga chegue à ponta e movimente bilhões anualmente, não estão nos morros e favelas, mas sim em bairros nobres e grandes centros financeiros.
Porém, nem todo representante do poder público parece ter consciência disso. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), é um exemplo notável.
Castro governa um estado que parece estar constantemente na contramão. Em 2025, enquanto o Ministério da Justiça e da Segurança Pública apontou redução dos índices de violência no país, o Rio de Janeiro registrou alta. Segundo dados da pasta, entre janeiro e abril de 2025, o Brasil teve uma queda de 11% nas mortes violentas, enquanto o estado do Rio apresentou aumento de 6% nesse tipo de crime e crescimento de 34,4% nas mortes causadas por policiais.
Exatamente um ano após conceder uma entrevista em que defendia mudanças na legislação para ter “controle total” da segurança pública no estado, além de pedir o fim da ADPF das Favelas, Cláudio Castro avalizou a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro. Foram mais de 120 mortos (incluindo de policiais) em uma ação deflagrada nos complexos da Penha e do Alemão, com dezenas de corpos empilhados nas ruas. Uma cena digna de filmes de terror.
Em retaliação, o Comando Vermelho ordenou o fechamento do comércio, bloqueou vias, sequestrou ônibus e impôs toque de recolher. Mais de 70 veículos foram tomados pelos criminosos e usados como barricadas em dezenas de bairros e vias expressas de grande circulação. Mais um dia de caos no cotidiano fluminense.
No fim do dia, a “megaoperação” festejada por Castro jogou o Rio ainda mais perto do abismo e não fez sequer cócegas na facção criminosa que pretendia combater. Em entrevista ao portal UOL, a ex-consultora de Prevenção da Violência e Segurança do Banco Mundial e do International Centre for the Prevention of Crime, no Canadá, e atual diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, resumiu o cenário em poucas palavras: o foco em prender lideranças do Comando Vermelho não afeta, nem de longe, a estrutura da organização criminosa.
“É o tipo de desbaratamento que, amanhã, haverá outra liderança substituindo aquele que foi preso. Pode ter um impacto pontual no crime organizado, mas o grupo é rapidamente reestruturado”, afirmou.
Prender os “peixões” — aqueles de onde vêm os aviões, o arsenal de guerra e o “passe-livre” do Comando Vermelho nos círculos do poder — exige desgaste político e não rende votos: duas coisas que atormentam os sonhos de Castro, que, embora não possa concorrer à reeleição, almeja disputar uma vaga no Senado.
O banho de sangue da “megaoperação” entrou para a história. Mas o Comando Vermelho continua forte. Seus financiadores, seguros atrás dos muros de seus condomínios de luxo, e o representantes do Poder Público celebrando uma vitória que não existe. E o que nos resta é parafrasear Criolo: “Vamos às atividades do dia / Lavar os copos, contar os corpos e sorrir / A essa morna rebeldia.”
