Explorando o mundo através das páginas: a curadoria do Clube Palavreando pelo Mundo

18 setembro 2025 às 09h30

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De todas as inúmeras e diversas funções que exerço na Palavrear, talvez a minha preferida (mesmo que seja muito difícil escolher apenas uma), seja a de curadora.
E por curadora, entra aqui tanto a escolha cuidadosa para os livros que irão fazer parte do acervo de venda na Palavrear, quanto à curadoria de/para clientes (sugestões que por vezes eles querem), quanto para os clubes de livro.
Mas vou me limitar aqui, a curadoria apenas do Clube Palavreando pelo Mundo. Esse clube em que lemos livros de países tão diferentes é o que mais anda me estimulando.
Procurar por autores de países por vezes esquecidos, que tenham uma boa tradução, que sejam interessantes, que tenham temas que nos façam pensar, não só sobre o enredo, mas também o país em si, sua cultura e o que podemos trazer de interessante, é realmente estimulante.
Falar sobre o quanto podemos abordar, com apenas um título, é uma busca muito interessante e que enriquece demais a bibliodiversidade de uma livraria.
Ainda temos três meses de livros e três meses de países diferentes (excluindo o encontro de amanhã, em que iremos discutir o livro “Encantadora de baleias”, de Witi Ihimaera, sobre a Nova Zelândia), e iremos ler escritores da China, Tunísia e Áustria.
E já comecei a pensar no próximo ano e em quantos países deixamos de ler e conhecer por sempre lermos países “comuns” e negligenciarmos, por vezes, esses países em nossas escolhas literárias.
A ideia desse clube, o Palavreando pelo Mundo, nasceu da curiosidade de ver o mundo pelos olhos dos livros. Habitar o mundo pela literatura. Como aquela cidade é escrita? Como certo autor leu e descreveu aquele país?
Para 2026, pretendo ter entre as leituras México, Bélgica, Paquistão e Irlanda, por enquanto. E assim me deparo com a difícil escolha de um autor (a) por país. Por exemplo, no México, tinham dois que gostaria muito de ler no clube, em coletivo.
Em contraposição, no Burundi que lemos esse ano, não tive dúvidas em ser “o pequeno país”, de Gaël Faye.
Assim, já mexi tanto nos títulos e países. Parecem-me tão poucos 12, em meio a tantas culturas e diversidades que temos no mundo, para tantos países esquecidos.
E sem querer dar “spoilers” (a surpresa dos títulos é uma das premissas do clube e estimulante dos encontros), as próximas leituras serão incríveis e sempre me pergunto como as pessoas não as leram antes.
Mas quero falar um pouco do primeiro país que lemos esse ano, do Egito, com “o sussurro das estrelas”, de Naguib Mahfuz.
A escolha desse título para representar o Egito, foi tanto pela inspiração no livro “Mil e uma noites”, quanto por uma rara oportunidade de olhar o mundo moderno através de olhos árabes.
São 18 contos curtos e o Cairo é o principal cenário do livro, com forte influência do realismo fantástico, misticismo e filosofia existencial. Figuras como sábios, andarilhos, criaturas misteriosas, reis e mendigos, todos fazem parte desses contos, assim como a “hara”, uma espécie de viela, onde todos esses personagens se confrontam com as grandes questões da existência humana. Os temas dos contos tratam do cotidiano, como casamento, paternidade/maternidade.
Achei belíssimo, lírico, e muito da atmosfera da infância do escritor, passada em Gamdiya, bairro popular da capital egípcia. A leitura nos revelou ruelas, cafés e conversas que, apesar de serem no Cairo, abordam questões universais, como o tempo que passa, o cotidiano em comum.
Além disso, a escolha por Mahfuz foi por ele ter sido o único autor árabe a ganhar o prêmio Nobel de Literatura.
Um livro muito bonito, onde os contos não parecem terminar. Uma visão profunda, em poucas linhas, da vida no Cairo, com foco nas vielas, com suas regras e contradições. Os locais que ele cita, são carregados de valor social, e cada um cumpre um propósito na rotina da comunidade. Outra constante na obra, são as figuras recorrentes do xeique da viela e o imã, ambos arquétipos das autoridades política e religiosa, respectivamente.
A edição da editora Carambaia é lindíssima, com a arte da capa tendo sido inspirada em padrões geométricos e cromáticos encontrados na mesquita do país.
No dia do encontro, como parte da experiência do clube, tivemos presente uma pessoa que foi ao Egito. E nos contou um pouco da cultura local, do assédio dos vendedores, do contraste entre o moderno da cidade e as grandes pirâmides. Também degustamos um prato tradicional e comum por lá: o shawarma.
Outra experiência bem legal, foi uma apresentação de dança do ventre, que se originou no Egito.
Confesso que estou me divertindo muito escolhendo as leituras e países do próximo ano e me pego pensando em quantos países ainda temos pela frente.
E quero convidar você, a vir com a gente, nas próximas viagens.