Crônicas, por Verissimo

03 setembro 2025 às 17h02

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Mais uma vez, começo essa coluna me justificando que entre o hiato de dias sem publicar por aqui, não foi o mesmo de não ter escrito. Dito isso, vou pedir licença para o que pretendia escrever, somente para poder falar sobre Luís Fernando Verissimo, que faleceu no último sábado, dia 30 de agosto.
Jornalista, tradutor, humorista, músico, escritor, todas essas funções foram exercidas por ele. Publicou romances, contos, poemas, ilustrações e quadrinhos. Mas minha paixão e admiração são mesmo por suas centenas de crônicas.
Acho que nela, ele se desenvolveu plenamente. Com seu humor refinado, irônico, sarcástico, inteligente.
Filho do também escritor Érico Veríssimo, dizem que cresceu cercado por livros e pelas conversas literárias que circulavam em casa. Mas apesar disso, sua relação com a escrita só começou depois de adulto.
Daqueles herdeiros que não parecem herdeiros, os que atualmente chamamos de “nepobabys”, Luís Fernando criou uma carreira tão marcante por si, que a influência familiar transcende essa linhagem, e é até esquecida.
Tenho um carinho muito especial por ele. Primeiro, por uma questão meramente pessoal e egoísta. E que por vezes me acalanta e justifica.
Sou muito tímida. Tenho certa dificuldade de falar em público, ou por vezes, fazer uma coisa que é fundamental na minha profissão: mediar os clubes de livros na Palavrear. Assim, quando vi, pela primeira vez, uma fala dele em que dizia que pensava melhor ao escrever do que ao dizer, quando afirmava ser tímido, observar do ser observado, e dizia se sentir mais confortável escrevendo do que falando em público, me senti representada. Pois assim como ele, penso melhor com as mãos.
Inclusive, usava seu estilo conciso e irônico como uma forma de defesa e justificativa para essa timidez. Para além disso, era dono de um humor refinadíssimo e afiado, mais evidente em sua escrita do que nas suas poucas falas.
E isso me justifica em todos os meus atos falhos ao me apresentar em público. Pois se até o genial Veríssimo é tímido, “quem sou eu na fila do pão”, para ser julgada por isso?
Mas o que quero dizer, por trás disso, é que meus motivos por gostar tanto dele são todos afetivos. Sendo a segunda razão, Veríssimo ter sido um dos escritores que me formou como leitora.
Ao lado de Pedro Bandeira, ele foi um dos primeiros autores pelo qual desenvolvi um hiperfoco em ler tudo nele em que pudesse colocar as mãos.
Na escola li, pela primeira vez, Luís Fernando Veríssimo cronista no livro “Para gostar de ler – vol. 14”. Me encantei pelo gênero. Achei incrível aquela mistura de humor sarcástico, inteligente, com coisas tão corriqueiras da vida. Por vezes até banais.
Achei admirável a capacidade que ele tinha em falar sobre qualquer assunto e isso virar um conto, crônica. E entendi ali o que compõe um escritor: o olhar mágico de até escrever sobre o cotidiano, mas sempre nos revelarem sua ótica única naquilo que narra.
Essa coleção se tornou “Comédias para se ler na escola”, uma coletânea das suas melhores crônicas e contos. Normalmente é adotada em escolas, e como livreira, adoro indicar para aqueles pais que dizem que os filhos não se interessam por leitura.
Quem não tenha aprendido, na primeira infância, o prazer de gostar de ler, é porque talvez não tenha tido a chance de descobrir um Verissimo no caminho.
É quase impossível você não ter tido contato com algum conto ou crônica dele, e não ter visto que é gostosinho demais, ler esses textos.
Somos curiosos por natureza. Ainda mais em uma fase de descobrimento. E o instigamento divertido que ele coloca em seus livros, cativa. Além disso, Luís Fernando possui um domínio de texto que irá fazer qualquer novo leitor não se desprender.
Vai por mim, entregue “Comédias pra se ler na escola” e logo terá uma criança picada pelo bichinho da leitura em casa.
Um dos últimos livros lançados dele foi uma reunião de contos e crônicas em uma antologia bonita pela editora Objetiva, chamado “Verissimo antológico”.
Como dito, nessa reunião com suas melhores e divertidas crônicas, temos um ótimo exemplo do domínio da linguagem, ritmo de narrativa e ironia. Além de seu poder de concisão e o humor ímpar, características do escritor.
Por fim, o que mais me encanta em Veríssimo, é o quanto ele conseguiu nos mostrar que o humor e literatura são compatíveis.
E tudo isso para dizer que Veríssimo é mesmo tudo isso: mostrando-nos curvas pelos ângulos da vida.