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Fica-se com a impressão de que o diretor de cinema britânico Branagh nasceu para interpretar Shakespeare, o que faz à perfeição

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Se me perguntarem: “Quer ir para uma ilha deserta com Gisele Bündchen ou com o livro ‘Hamlet’?” — eu hesitaria cinco segundos e, em seguida, diria: “Ah, sim, com a peça de Shakespeare”. Na falta do drama, talvez o maior de todos os tempos, serve o filme “Hamlet”, do britânico Kenneth Branagh, que entende como poucos da arte de adaptar o bardo para o cinema.

O filme, de 1996, chega ao Brasil, numa versão da Versátil, em dois DVDs (são 240 minutos), como parte da celebração dos 400 anos de Shakespeare (1564-1616), o inventor do homem moderno, na avaliação, quiçá exagerada, do crítico literário americano Harold Bloom.

Trata-se de uma adaptação, dirigida e interpretada por Kenneth Branagh, que o crítico de cinema Lisandro Nogueira, professor da Universidade Federal de Goiás e doutor pela PUC-SP, por certo dirá que se trata de “genial” e até os céticos a respeito do cinema como arte, como eu, não ousarão discordar. Fica-se com a impressão de que Kenneth Branagh nasceu para interpretar Shakespeare, o que faz à perfeição.

O diferencial de Kenneth Branagh é que, sem perder a eloquência enxuta e sombria de Shakespeare, faz da obra do autor de “Rei Lear”, outro grande drama, uma coisa viva, atualíssima. Sob sua batuta, temos um Shakespeare, por assim dizer, renascido, mas não distorcido. Seu “Hamlet” não é conservador — ainda que seja preciso, há duas imaginações poderosas em jogo, a do autor e a do diretor — e não é, ao mesmo tempo, modernoso.

O elenco de “Hamlet” conta, além de Kenneth Branagh e seus lábios quase ausentes, com Julie Christie, Kate Winslet, Derek Jacobi, Gérard Depardieu, Charlton Heston, Jack Lemmon e Robin Williams, quase todos em muito boa forma, em estado de graça tanto com Shakespeare quanto com a adaptação intensa do diretor inglês.

A Versátil traz a versão integral restaurada, com quase uma hora de vídeos extras.

No momento em que Ian McEwan lança o romance “Enclausurado” (o narrador é um feto, o que lembra, além do Philip Roth de “O Seio”, o Machado de Assis de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”), inspirado em “Hamlet”, vale a pena “reler” Shakespeare pelo olhar agudo e astuto de Kenneth Branagh, o diretor que mais faz Shakespeare parecer Shakespeare, no cinema, mas sem deixar de imprimir suas digitais na adaptação.

Hamlet é um príncipe da Dinamarca mas poderia ser de qualquer outro lugar, dada a universalidade da história e da personagem. O jovem complexo e perturbado descobre, ao voltar para o Palácio de Elsinore, que seu pai morreu e que sua mãe está casada com um tio. Ocorre que o fantasma de seu pai “aparece” e “esclarece” que sua morte não se trata de uma coisa natural, e sim de assassinato. A partir daí, com suas indecisões e dilemas, Hamlet — uma espécie de anjo indeciso, entre o direito e o torto — prepara para se vingar do tio, que aponta como usurpador.

O filme custa 64 reais. Mas, leitor, deixe de ser pão-duro. O trabalho de Kenneth vale cada centavo de seu rico dinheirinho. Ah, poderá encontrar o filme na internet ou em alguma versão pirata, ou mesmo não pirata. Pode, claro. Mas as edições da Versátil são de um capricho raro.