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Intelectuais de várias áreas do conhecimento estão analisando a “indústria” das fake news e a Justiça Eleitoral, acionada, está vasculhando as redes sociais e tentando impedir a instalação do caos político e social. Intelectuais também escrutinam como a direita política criou ou ampliou um eleitorado de direita, e em tão pouco tempo — cerca de quatro anos.

A respeito das fake news, é óbvio que se tem de aceitar que, mesmo quando excede — é preciso evitar, a todo custo (ressalve-se que há sites que estão publicando fakes news como se fossem jornalismo), a “censura” em nome do suposto “bem” —, a Justiça Eleitoral quase sempre tem acertado. O combate é necessário. Os excessos da direita e da esquerda — o centro permanece inerte ante a “potência” do jogo sujo (“isentões”, afinal, são “metralhados”) — precisam mesmo ser contidos.

Pintura de Wolfgang Lettl

A “indústria” do bolsonarismo é, evidentemente, muito maior — e, tudo indica, sem limite civilizatório algum. Mas a esquerda também joga pesado. Por isso, o Tribunal Superior Eleitoral, por meio do ministro Alexandre de Moraes e auxiliares, age corretamente quando luta para impedir a indústria das fake news de ambos os lados do “combate”.

A boa notícia é que o TSE tem sido relativamente ágil e rigoroso, nas questões principais e mais visíveis. A má notícia é que, depois de divulgada, a fake news ganha “autonomia” — às vezes “perdendo” autoria — e nem mesmo a Justiça Eleitoral tem como controlar e impedir sua vulgarização.

Discute-se a pós-verdade, que submete a verdade, mesmo se for uma mentira. E uma mentira “bem construída”, quando ganha foros de verdade, se torna tão ou mais forte do que a verdade.

Talvez se deva falar, não em pós-verdade, e sim em pré-verdade, uma elaboração primitiva, estabelecida em cima de meias-verdades ou de verdade nenhuma. Porém, uma vez sedimentada, não tem verdade que supere a pré-verdade, a mentira vulgarizada com perícia, malícia e, em geral, competência. Mistura-se razão e algum elemento, digamos, “mágico”, atraente, às vezes divertido, às vezes mexendo com velhos ressentimentos.

Se o controle da pré-verdade é relativamente possível no Instagram, no Facebook, no Telegram, no Twitter e no YouTube (e mesmo aí, a questão é complexa, porque, quando se barra uma fake news, surgem dez, cem — e a Justiça tem de acolher denúncias e, em seguida, examiná-las. Nem os 300 de Esparta, multiplicados por 300, teriam condições de examinar e “penalizar” tudo), é praticamente impossível travá-las nas milhares de redes em ação no WhatsApp. A disseminação é rápida, em grupos que vão se multiplicando, o que aumenta a sua, por assim dizer, força e “credibilidade” (aceitação, no caso).

Pintura de Wolfgang Lettl

A guerra contra as fake news, a pré-verdade, deve ser feita, é seminal, mas é inglória. A Justiça — portanto, a sociedade — só “ganha” em parte (e, insista-se, a Justiça sempre chega atrasada, e não há como ser diferente, pois ela é reativa). No final, e o jogo é este, não se sabe mais o que é verdade, porque não há mais parâmetros. O lixo vira luxo e o luxo vira lixo. Este é o mundo real, e nem a boa vontade e a competência da Justiça, com ou sem leis “afiadas”, têm mais condições de controlá-lo. A era da incerteza se tornou a era do descontrole e do excesso.

O marketing do bolsonarismo supera o do petismo. Primeiro, porque, ao instalar a falta de parâmetros como norma, não tem limites. Segundo, porque conseguiu colocar o marketing do petismo e aliados na defensiva. Fica-se com a impressão de que o bolsonarismo chega primeiro, impõe o que deve ser debatido, e o petismo, chegando atrasado, “submete-se” ao jogo estabelecido. O PT às vezes parece que está no ataque, mas quase sempre está na defensiva — seu marketing é reativo.

Direita patropi soube criar um forte eleitorado de direita

Diz-se, e é certo, que a maioria do eleitorado brasileiro pouco liga para o debate ideológico e está de olho muito mais naqueles candidatos que, com certa experiência, têm reais condições de melhorar suas condições de existência.

Pintura de Siegried Zademack

Posto isto, é preciso admitir, porém, que a direita, com um discurso afiado — misturando populismo e nacionalismo (o último refúgio dos velhacos, segundo Samuel Johnson) —, “forjou” um eleitorado radical de direita.

Entre as décadas de 1940 e 1960, políticos sofisticados da UDN trabalharam para “formatar” um eleitorado de direita — moralista — e não conseguiram. A UDN não conseguiu eleger nenhum presidente. O partido apoiou Jânio Quadros, eleito em 1960, mas não se pode dizer que o “fi-lo porque qui-lo” era udenista. Tanto não era que não permitiu que os próceres do partido controlassem seu governo. O mais vibrante dos combatentes da direita, Carlos Lacerda, estava praticamente rompido com o presidente, às vésperas de sua renúncia, em agosto de 1961.

O grupo do presidente Jair Bolsonaro talvez não tenha a sofisticação intelectual de Milton Campos, Bilac Pinto e Carlos Lacerda, mas, ao criar um eleitorado de direita, e torná-lo servil e proativo — repetindo jargões e clichês batidos, mas funcionais —, exibe competência, tanto política quanto de marketing, em termos eleitorais.

Pintura de Igor Morski | Foto: Reprodução

Neste momento, Lula da Silva está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, porém com Bolsonaro colado, e com ampla expectativa de poder. O eleitorado militante do bolsonarismo está nas ruas, é poderoso e ameaçador. A direita soube arregimentá-lo, criando uma espécie de fidelização.

Ao mesmo tempo em que a direita bolsonarista apresenta o discurso do moralismo, a defesa da família e dos “bons” costumes, colocando Deus acima de tudo, prega que os governos do PT foram corruptos — se ganhar, a corrupção “voltará” — e que o petismo é uma outra forma do comunismo. Como tornou esta mistura crível, convencendo milhões de pessoas — com verdades (houve corrupção gigante nos governos do PT), meias verdades (a rigor, mesmo quem defende a família e os “bons” costumes não é, no geral, tão puro assim) e fake news (o PT é de esquerda, socialdemocrata, mas não é comunista) —, deveria ser objeto de estudo mais atento.

Pintura de Edward Hopper

Por que os críticos de Bolsonaro não estão conseguindo combatê-lo? Porque, por certo, estão perdendo a guerra da comunicação simplificada, palatável a todos, para grupos que operam nas redes sociais — e outros meios da internet, como blogs — de maneira eficiente, ainda que mais tosca do que as análises dos mestres das universidades.

O marketing do bolsonarismo supera o do petismo por vários motivos. Primeiro, porque, ao instalar a falta de parâmetros como norma, não tem limites. Segundo, porque conseguiu colocar o marketing do petismo e aliados na defensiva. Fica-se com a impressão de que o bolsonarismo chega primeiro, impõe o que deve ser debatido, e o petismo, chegando atrasado, “submete-se” ao jogo estabelecido. O PT às vezes parece que está no ataque, mas, na verdade, quase sempre está na defensiva — seu marketing é reativo.

Os melhores “atacantes” de Lula da Silva, que às vezes jogam pelas regras do bolsonarismo, não são, por sinal, do PT. Guilherme Boulos, do Psol, e André Janones, do Avante, enfrentam o bolsonarismo, com um jogo pesado e que, ao render debate, mostra eficiência. Porém, mesmo assim, não se armam com pré-verdades.

Pintura de Jeff Christense

Lula da Silva pode até derrotar Bolsonaro — assim como este pode derrotar aquele (no momento, o jogo está empatado e será decidido na prorrogação, às 16h59 do dia 30 de outubro) —, mas a esquerda, em termos de militância ativa e presença na internet, está sendo superada pela direita. O discurso dominante, fora do circuito acadêmico —assim como nas ruas —, tem sido o do bolsonarismo, que, apesar de xucro, é forte e influente. A cena no teatro político patropi é mais “amarela” do que “vermelha” (adesão recente à cor branca, por parte de Lula da Silva, sinaliza que o petismo “sente” a força da pressão bolsonarista).