TSE combate mas não ganha guerra contra fake news e petismo “perde” batalha contra bolsonarismo

23 outubro 2022 às 00h00

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Intelectuais de várias áreas do conhecimento estão analisando a “indústria” das fake news e a Justiça Eleitoral, acionada, está vasculhando as redes sociais e tentando impedir a instalação do caos político e social. Intelectuais também escrutinam como a direita política criou ou ampliou um eleitorado de direita, e em tão pouco tempo — cerca de quatro anos.
A respeito das fake news, é óbvio que se tem de aceitar que, mesmo quando excede — é preciso evitar, a todo custo (ressalve-se que há sites que estão publicando fakes news como se fossem jornalismo), a “censura” em nome do suposto “bem” —, a Justiça Eleitoral quase sempre tem acertado. O combate é necessário. Os excessos da direita e da esquerda — o centro permanece inerte ante a “potência” do jogo sujo (“isentões”, afinal, são “metralhados”) — precisam mesmo ser contidos.

A “indústria” do bolsonarismo é, evidentemente, muito maior — e, tudo indica, sem limite civilizatório algum. Mas a esquerda também joga pesado. Por isso, o Tribunal Superior Eleitoral, por meio do ministro Alexandre de Moraes e auxiliares, age corretamente quando luta para impedir a indústria das fake news de ambos os lados do “combate”.
A boa notícia é que o TSE tem sido relativamente ágil e rigoroso, nas questões principais e mais visíveis. A má notícia é que, depois de divulgada, a fake news ganha “autonomia” — às vezes “perdendo” autoria — e nem mesmo a Justiça Eleitoral tem como controlar e impedir sua vulgarização.
Discute-se a pós-verdade, que submete a verdade, mesmo se for uma mentira. E uma mentira “bem construída”, quando ganha foros de verdade, se torna tão ou mais forte do que a verdade.

Talvez se deva falar, não em pós-verdade, e sim em pré-verdade, uma elaboração primitiva, estabelecida em cima de meias-verdades ou de verdade nenhuma. Porém, uma vez sedimentada, não tem verdade que supere a pré-verdade, a mentira vulgarizada com perícia, malícia e, em geral, competência. Mistura-se razão e algum elemento, digamos, “mágico”, atraente, às vezes divertido, às vezes mexendo com velhos ressentimentos.
Se o controle da pré-verdade é relativamente possível no Instagram, no Facebook, no Telegram, no Twitter e no YouTube (e mesmo aí, a questão é complexa, porque, quando se barra uma fake news, surgem dez, cem — e a Justiça tem de acolher denúncias e, em seguida, examiná-las. Nem os 300 de Esparta, multiplicados por 300, teriam condições de examinar e “penalizar” tudo), é praticamente impossível travá-las nas milhares de redes em ação no WhatsApp. A disseminação é rápida, em grupos que vão se multiplicando, o que aumenta a sua, por assim dizer, força e “credibilidade” (aceitação, no caso).

A guerra contra as fake news, a pré-verdade, deve ser feita, é seminal, mas é inglória. A Justiça — portanto, a sociedade — só “ganha” em parte (e, insista-se, a Justiça sempre chega atrasada, e não há como ser diferente, pois ela é reativa). No final, e o jogo é este, não se sabe mais o que é verdade, porque não há mais parâmetros. O lixo vira luxo e o luxo vira lixo. Este é o mundo real, e nem a boa vontade e a competência da Justiça, com ou sem leis “afiadas”, têm mais condições de controlá-lo. A era da incerteza se tornou a era do descontrole e do excesso.
O marketing do bolsonarismo supera o do petismo. Primeiro, porque, ao instalar a falta de parâmetros como norma, não tem limites. Segundo, porque conseguiu colocar o marketing do petismo e aliados na defensiva. Fica-se com a impressão de que o bolsonarismo chega primeiro, impõe o que deve ser debatido, e o petismo, chegando atrasado, “submete-se” ao jogo estabelecido. O PT às vezes parece que está no ataque, mas quase sempre está na defensiva — seu marketing é reativo.
Direita patropi soube criar um forte eleitorado de direita
Diz-se, e é certo, que a maioria do eleitorado brasileiro pouco liga para o debate ideológico e está de olho muito mais naqueles candidatos que, com certa experiência, têm reais condições de melhorar suas condições de existência.

Posto isto, é preciso admitir, porém, que a direita, com um discurso afiado — misturando populismo e nacionalismo (o último refúgio dos velhacos, segundo Samuel Johnson) —, “forjou” um eleitorado radical de direita.
Entre as décadas de 1940 e 1960, políticos sofisticados da UDN trabalharam para “formatar” um eleitorado de direita — moralista — e não conseguiram. A UDN não conseguiu eleger nenhum presidente. O partido apoiou Jânio Quadros, eleito em 1960, mas não se pode dizer que o “fi-lo porque qui-lo” era udenista. Tanto não era que não permitiu que os próceres do partido controlassem seu governo. O mais vibrante dos combatentes da direita, Carlos Lacerda, estava praticamente rompido com o presidente, às vésperas de sua renúncia, em agosto de 1961.
O grupo do presidente Jair Bolsonaro talvez não tenha a sofisticação intelectual de Milton Campos, Bilac Pinto e Carlos Lacerda, mas, ao criar um eleitorado de direita, e torná-lo servil e proativo — repetindo jargões e clichês batidos, mas funcionais —, exibe competência, tanto política quanto de marketing, em termos eleitorais.

Neste momento, Lula da Silva está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, porém com Bolsonaro colado, e com ampla expectativa de poder. O eleitorado militante do bolsonarismo está nas ruas, é poderoso e ameaçador. A direita soube arregimentá-lo, criando uma espécie de fidelização.
Ao mesmo tempo em que a direita bolsonarista apresenta o discurso do moralismo, a defesa da família e dos “bons” costumes, colocando Deus acima de tudo, prega que os governos do PT foram corruptos — se ganhar, a corrupção “voltará” — e que o petismo é uma outra forma do comunismo. Como tornou esta mistura crível, convencendo milhões de pessoas — com verdades (houve corrupção gigante nos governos do PT), meias verdades (a rigor, mesmo quem defende a família e os “bons” costumes não é, no geral, tão puro assim) e fake news (o PT é de esquerda, socialdemocrata, mas não é comunista) —, deveria ser objeto de estudo mais atento.

Por que os críticos de Bolsonaro não estão conseguindo combatê-lo? Porque, por certo, estão perdendo a guerra da comunicação simplificada, palatável a todos, para grupos que operam nas redes sociais — e outros meios da internet, como blogs — de maneira eficiente, ainda que mais tosca do que as análises dos mestres das universidades.
Os melhores “atacantes” de Lula da Silva, que às vezes jogam pelas regras do bolsonarismo, não são, por sinal, do PT. Guilherme Boulos, do Psol, e André Janones, do Avante, enfrentam o bolsonarismo, com um jogo pesado e que, ao render debate, mostra eficiência. Porém, mesmo assim, não se armam com pré-verdades.

Lula da Silva pode até derrotar Bolsonaro — assim como este pode derrotar aquele (no momento, o jogo está empatado e será decidido na prorrogação, às 16h59 do dia 30 de outubro) —, mas a esquerda, em termos de militância ativa e presença na internet, está sendo superada pela direita. O discurso dominante, fora do circuito acadêmico —assim como nas ruas —, tem sido o do bolsonarismo, que, apesar de xucro, é forte e influente. A cena no teatro político patropi é mais “amarela” do que “vermelha” (adesão recente à cor branca, por parte de Lula da Silva, sinaliza que o petismo “sente” a força da pressão bolsonarista).