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Há artistas que são meros cantores e há artistas que são cantores-intérpretes. Os primeiros, mesmo quando muito bons, tendem a repetir a música assim como foi criada — portanto, sem reinventá-la. Os segundos, ao cantá-la, modificam-na — dando-lhe nova identidade. Coloração, digamos assim. Infunde uma nova alma, uma marca diferenciada.

Os grandes intérpretes se tornam, por assim dizer, “coautores” das músicas que cantam. Cássia Eller e Elza Soares se apropriavam das músicas que interpretavam.

Só não se pode dizer que Marisa Monte é a maior cantora viva do Brasil porque Maria Bethânia, com sua voz excepcional, anda por aí — arteira, faceira e vivíssima (Tom Cardoso deveria biografá-la).

Marisa Monte 33 Foto Divulgação
Marisa Monte: um das mais importantes cantoras brasileiras | Foto: Reprodução

Porém, quando se trata da música “E. C. T.”, Marisa Monte (https://tinyurl.com/mr2tff3a) perde de longe para Cássia Eller (https://tinyurl.com/bducsfz). Por quê?

Não que Marisa Monte a cante mal. Porque não canta. Canta muito bem. Mas, na voz de Cássia Eller, há uma bossa — uma força poética, um romantismo sem melodrama — que não aparece na canção cantada pela “rival”.

A canção, por sinal, é de Nando Reis, Carlinhos Brown e Marisa Monte. É poesia pura.

A música “Vá morar com o Diabo” ou “Sete Peles” (https://tinyurl.com/3x5hpt5u) ganha uma interpretação notável na voz de Cássia Eller — cuja força vocal contém a potência das vozes feminina e masculina, num mix extraordinário. A cantora reinventa a canção de Riachão (https://tinyurl.com/yc5rat5c). É uma nova música e com mais balanço.

O intérprete é assim: ao cantar uma música, dando-lhe uma nova identidade, torna a música dupla, ou seja, outra música. É o caso de “E.C.T.” (significa Empresa de Correios e Telégrafos) e “Sete Peles”.

Então, Cássia Eller era uma cantora e intérprete extraordinária. Pena que tenha falecido aos 39 anos — no auge de uma carreira musical bem-sucedida. Era cantora, compositora e (leio na Wikipédia) multi-instrumentista.

Tom Cardoso com Rita Lee Foto Facebook 1
Tom Cardoso e a cantora Rita Lee | Foto: Facebook

Nascida em 1962, a carioca morreu em 2001 — há quase 24 anos. Se fosse viva, teria 62 anos.

A morte, como mero pedacinho a vida, não encerra a história de um artista, ainda mais do porte de Cássia Eler. Cada época terá, portanto, sua Cássia Eler.

Mas chegou a hora de contar a sua história. O jornalista e escritor Tom Cardoso (autor de livros sobre Tarso de Castro, Nara Leão, Caetano Veloso e Chico Buarque) decidiu enfrentar a fera. O resultado é o livro “Eu Queria Ser Cássia Eller — Uma Biografia” (Harper Collins, 312 páginas).

Riachão cantor
Riachão (viveu 98 anos): sambista baiano | Foto: Reprodução

Os que conhecem o brincalhão Tom Cardoso do Facebook, com suas crônicas divertidas, próximas do nonsense, não sabem que se trata de um pesquisador rigoroso.

A biografia de Tarso de Castro é excelente e põe os pingos nos is a respeito da criação de “O Pasquim”. A história deu muitos pais ao jornal debochado e inteligente. Mas o pesquisador mostra que o jornalista gaúcho é seu grande criador… com a ajuda de Jaguar e Sérgio Cabral. Outros chegaram depois e, ainda assim, se tornaram “donos” da história.

Cássia Eller era uma pessoa errante? Talvez — como todos nós. Como artista tinha, possivelmente, um norte — ou nortes. É mesmo a hora de contar sua história (histórias, no plural). De cara, confesso, estou louco para conhecê-la. Para entender sua complexidade como pessoa, mulher, artista.

“‘Eu Queria Ser Cássia Eller’ apresenta ao leitor a Deusa que encarnou nessa terra entre os anos de 1962 e 2001. Um abalo sísmico na vida de todos que conviveram e que se encantaram por ela. A menina tímida, a filha, a ovelha negra da família, a lésbica, a amante, a mãe, a cantora, a amiga, tudo junto e misturado”, escreve Maria Eugênia Vieira Martins, no prefácio.

Tom Cardoso capa de Eu queria ser Cássia Eler

Sinopse da Editora Harper Collins

“Conhecida como intérprete de sucessos como “O segundo Sol”, “Relicário” e “Por enquanto”, entre tantos outros, Cássia Eller se tornou uma das maiores vozes da música brasileira, cultuada até hoje.

“Em ‘Eu Queria Ser Cássia Eller’, o premiado jornalista Tom Cardoso traça a trajetória de Cássia, desde a infância no Rio e em Belo Horizonte até o estrelato nacional. Conhecemos sua família, como o pai, militar indisciplinado e mulherengo, que tentou ‘consertar’ Cássia; a mãe, cantora na juventude e uma das influências musicais da filha; Eugênia, o amor de sua vida, mãe de seu filho e sua companheira por 14 anos; Tavinho Fialho, o pai de Chicão, músico que faleceu antes do nascimento do garoto.

“Somos também levados às grandes apresentações de Cássia e às confusões em que se meteu durante elas, como a abertura do show dos Rolling Stones no Brasil — com direito a expulsão do palco.

“Com depoimentos de familiares, amigos e parceiros de trabalho, ‘Eu Queria Ser Cássia Eller’ é mais do que uma biografia, é um tributo emocionante a esta mulher que, com sua voz poderosa e seu jeito verdadeiro, ainda ecoa em nossos corações.”