Sentado numa cadeira de rodas, FDR foi eleito presidente dos Estados Unidos quatro vezes, venceu a depressão econômica e ajudou a derrotar o nazista Hitler

Franklin Roosevelt e seu brilhante auxiliar Harry Hopkins | Foto: Reprodução

Franklin Delano Roosevelt (1882-1945 — viveu 63 anos) foi eleito presidente dos Estados Unidos quatro vezes seguidas. Disputou todas as eleições saindo muito pouco de sua cadeira de rodas, pois teve poliomielite aos 39 anos e não mais voltou a andar. Era dotado de uma energia física e mental tão poderosa que os eleitores não levavam em consideração o fato de não ter a mesma facilidade de tráfego que seus adversários. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), aliado de Winston Churchill, da Inglaterra, e Ióssif Stálin, da União Soviética, foi decisivo na batalha para derrotar o nazismo da Alemanha de Adolf Hitler. Para os americanos, seu feito mais importante foi a luta para acabar com a depressão econômica e para lhes devolver empregos e esperança. Era um líder autêntico, cujas falas reverberavam dos lares mais humildes aos mais requintados.

No livro “Liderança em Tempos de Crise” (Record, 558 páginas, tradução de Alessandra Bonrruquer), a professora de Harvard Doris Kearns Goodwin examina a trajetória de quatro políticos americanos — Abraham Lincoln, Theodore Roosevelt, Franklin Delano Roosevelt e Lyndon Johnson (subestimado, mas um político interessantíssimo, sobretudo nas suas políticas afirmativas de direitos civis). A obra é dividida em três partes, “Ambição e reconhecimento da liderança”, “Adversidade e crescimento” e “O líder e os tempos: como eles lideraram”. Cada um dos líderes é dissecado do início ao fim de suas vidas e carreiras políticas. Tratarei a seguir exclusivamente de um dos textos — “Franklin Roosevelt e os Cem Dias”.

Ao assumir a Presidência dos Estados Unidos, aos 50 anos, em 4 de março de 1933, Roosevelt estava chegando, não ao paraíso, e sim ao inferno. A depressão arrasara a economia do país, a vida das pessoas. “A indústria americana estava paralisada, um quarto da força de trabalho estava desempregada e as horas daqueles que estavam trabalhando haviam sido radicalmente reduzidas. As pessoas haviam perdido suas fazendas, suas casas e os pequenos negócios conduzidos por familiares há gerações. Milhares de bancos haviam ruído, levando com eles os depósitos e a poupança de milhões de pessoas.” As pessoas vagavam pelas ruas — famintas. “Os sopões comunitários estavam quase sem comida, deixando dezenas de milhares de americanos passando fome e outros milhões mal alimentados. Não havia nenhuma rede de segurança em evidência”, anota Goodwin.

Presidente criou a “a sensação de que a vida estava recomeçando”
e que ninguém estava enganando ninguém. A tarefa era hercúlea

Eleito, Roosevelt decidiu não olhar pra trás, e sim pra frente. Porque os americanos não queriam saber de mais críticas — queriam soluções para resolver a crise ou pelo menos para mitigá-la. Robert Sherwood, assistente da Casa Branca, sugere que “um líder é chamado à frente pela necessidade da época”. Como notou Warren Harding, os americanos buscavam um líder que fosse “maior que seu papel” e se afirmasse “como necessidade vital e humana”. “O líder deve estar pronto e ser capaz de enfrentar os desafios apresentados pela época”, indica Goodwin.

Sem receio de enfrentar desafios, com seu otimismo exacerbado mas temperado por um realismo absoluto, Roosevelt disse aos seus compatriotas: “A única coisa que temos a temer é o próprio medo” (a frase deve ter inspirado Augusto Frederico Schmidt ao redigir um discurso para Juscelino Kubitschek). Um dos primeiros passos era resolver a crise bancária. Logo no início 5 mil bancos viraram pó. As pessoas começaram a guardar suas parcas economias “sob colchões”. Outros enterravam seu suado dinheirinho nas suas propriedades.

Aos poucos, Roosevelt, com uma equipe azeitada de auxiliares, começou a restaurar “a confiança” e o “moral das pessoas” e a lutar para conseguir “o equilíbrio certo entre o realismo e o otimismo”. Para tanto, exibiu uma liderança com “franqueza” e “vigor”.

Roosevelt entendeu, desde cedo, que era preciso criar “uma sensação de propósito e direção compartilhadas”. Ele falou aos americanos “de um novo contrato entre o líder e o povo, um contrato estabelecido a partir do reconhecimento da dependência mútua”. “Uma união de deveres.”

De cara, admitiu que “a nação pede ação, e ação agora”. Porque de nada adianta discurso bonito, de esperança, se não vier acompanhado de ações, de atos palpáveis. Roosevelt, conta Goodwin, “prometeu que devolveria os empregos às pessoas, fortaleceria a moeda, evitaria a execução das hipotecas de casas e fazendas e colocaria ‘um fim à especulação com dinheiro de outras pessoas’”.

Outro ponto é que, como líder, Roosevelt soube dizer “às pessoas o que elas” podiam “esperar e o que” era “esperado delas”. O presidente, desde o primeiro dia de governo, começou a criar “a sensação de que a vida estava recomeçando” e que ninguém estava enganando ninguém. Porque a tarefa era hercúlea.

Liderar pelo exemplo era uma das dicas de Roosevelt. Com o país no chão, derrotado, longe de aderir ao clima de depressão, que não era só econômica, o presidente se apresentava de maneira serena, confiante e relaxada. Sua calma parece ter levado os americanos a pensar que, dali a pouco, a desgraça cederia. Por trás da fachada tranquila, não necessariamente uma máscara, havia um homem decidido a mudar os Estados Unidos, para o bem de todos. O repórter John Gunther perguntou a Eleanor Roosevelt: “Como seu marido pensa?” A primeira-dama respondeu: “O presidente nunca pensa. Ele decide”.

Eleanor Roosevelt e Franklin Roosevelt eram primos, aliados políticos e tinham um casamento de conveniência | Foto: Reprodução

Acreditando na ciência e na experiência, Roosevelt “disparava perguntas para especialistas de vários campos, absorvendo vastas quantidades de informação e aprofundando seu conhecimento em cada área política”. Era uma máquina de processar dezenas de informações e, em seguida, obter a síntese que poderia levar a ações objetivas.

Auxiliares deviam manifestar “definitiva tendência à ação, uma aliança
com o que quer que fosse necessário para tirar o país de sua miséria”

Há políticos que querem montar um governo puramente de “unidade”, sem “diversidade”. Roosevelt pensava que a equipe precisa ser “alinhada com a ação e a mudança”, mas seus membros podiam e deviam discordar entre si e do próprio gestor máximo. Porém, decidido um caminho, era preciso segui-lo de maneira uniforme. “A equipe de que Roosevelt precisava estar aberta a qualquer mudança ou exigência que o futuro pudesse trazer.”

Seminal mesmo é que os auxiliares, em todos os cargos, não só de ministros — nos Estados Unidos fala-se secretários —, manifestassem “definitiva tendência à ação, uma aliança com o que quer que fosse necessário para tirar o país de sua miséria”. Com seus “associados, Roosevelt esperava introduzir ‘uma nova mente no governo’, um novo e aventuroso espírito”.

Ousado para seu tempo, Roosevelt nomeou para secretária do Trabalho a “democrata liberal” Frances Perkins. Mulher competente e experiente, sua missão era complicada, mas os resultados foram positivos. Ao nomeá-la, o presidente quebrou a tradição de que a área “só podia” ser dirigida por homens.

Em tempo de crise, não dá para o governo resolver tudo sozinho, ainda que precise guiar a sociedade. Por isso, uma das lições da liderança de Roosevelt era incluir “todas as partes interessadas” no debate público sobre as soluções para resolver os problemas. De cara, chamou os líderes dos partidos Democrata, o seu, e Republicano para uma conversa direta sobre a real situação do país. Ele queria criar uma “legislação emergencial para os bancos”. Convidou parlamentares, governadores e banqueiros. Seu objetivo era conquistar “um consenso de vários níveis de liderança, pública e privada”. Ao mesmo tempo, “estava planejando novas maneiras de atrair, apaziguar e encorajar a parte interessada mais importante: o povo americano”.

Um dos motivos de a liderança de Roosevelt ser efetiva é que estabelecia prazos para seus projetos e fazia “de tudo para” cumpri-los. Numa corrida contra o tempo, o presidente convocou sua equipe para reformular a legislação bancária. O governo tomou “a decisão de suportar os bancos mais fracos com fundos federais. A Casa da Moeda recebeu ordens para começar a imprimir dinheiro o quanto antes, e uma frota de aviões estava por perto, pronto para carregá-lo para bancos de todo o país” (o uso da palavra “suportar” é da tradutora).

O governo enviou o projeto de lei para o Congresso, que o aprovou imediatamente, com ligeiras alterações. A habilidade do presidente foi imensa, considerando que os republicanos tinham maioria na Câmara e no Senado. O objetivo de Roosevelt não era uma revolução, e sim, no curto prazo, “consertar falhas e deficiências”. Por que começar pelos bancos? Porque se não resolvesse os problemas deles a economia não sairia do lugar. Reformatá-los era uma maneira de “desobstruir as artérias financeiras da economia”.

Aprovada a lei, o governo começou por “reabrir os bancos sólidos”. Em menos de dois meses, Roosevelt dera um jeito no sistema financeiro. “Tal agilidade não tinha igual.”

Mesmo perguntas duras da imprensa, o presidente respondia “de maneira
simples, sem pressa, como se estivesse sentado à mesa com um amigo”

Xingar jornalista ajuda a divulgar as principais ações de um governo? Talvez contribua para retirar o foco do principal para o acessório e potencializar contenciosos desnecessários. Roosevelt descobriu que, com a imprensa, é preciso seguir “regras claras” sempre. Antes, os repórteres tinham de apresentar perguntas antecipadamente. O líder democrata mudou o esquema: os repórteres poderiam fazer perguntas direta e oralmente.

Em Harvard, onde fora um aluno mediano, Roosevelt editou o “Harvard Crimson”, por isso aprendeu que era preciso respeitar “os jornalistas e entendia que eles tinham um trabalho a fazer, assim com ele. Eles querem acesso para avaliar o que estava acontecendo. Ele queria disseminar sua própria narrativa, à sua própria maneira”.

Um jornalista observou: “Éramos antagonistas, mas gostávamos um do outro, ríamos e entendíamos perfeitamente o que o outro estava tentando fazer”.

Durante uma entrevista coletiva, Roosevelt começou brincando: “Agora as notícias. Acho que não há nenhuma!”. Mesmo as perguntas mais duras, o presidente respondia “de maneira simples e sem pressa, como se estivesse sentado à mesa com um velho amigo”.

Goodwin frisa que, se Roosevelt “não ‘soubesse o bastante’ para fornecer uma resposta, ele simplesmente admitia”. Às vezes, dizia que estava aprendendo sobre determinado assunto, como o sistema bancário.

A notável Eleanor Roosevelt, que não era primeira-dama decorativa, também decidiu conceder entrevistas coletivas. “Ela criou a regra de que somente repórteres mulheres podiam comparecer, significando que, em todo o país, editores conservadores tiveram de contratar suas primeiras repórteres. Por causa das entrevistas coletivas semanais de Eleanor Roosevelt, toda uma geração de jornalistas mulheres iniciou na carreira”, relata Goodwin.

“Conte a história de maneira simples, diretamente para as pessoas.” Eis outra regra de ouro do líder. Nas suas “conversas em frente à lareira”, Roosevelt, depois de estudar detidamente os assuntos, apresentava-os de maneira objetiva aos ouvintes de rádio. Explicou, de maneira detida, as soluções para a crise bancária, e o povão entendeu. Para demonstrar intimidade, começava assim: “Meus amigos”. Seu auxiliar Sam Rosenman disse que o presidente “não estava meramente ‘falando diretamente ao povo da nação’, mas ‘com cada pessoa da nação’”.

“Quero contar a vocês o que foi feito nos últimos dias, por que isso foi feito e quais serão os próximos passos”, dizia Roosevelt. O presidente falava com todos, e não apenas com grupos de apoiadores. Nada de “cercadinhos” físicos e mentais.

Um dos segredos de Roosevelt, mimetizando Abraham Lincoln — hábil na arte da narrativa e um escritor refinado (ele, cujo pai era analfabeto, escrevia inspirado em Shakespeare) —, era se comunicar com as pessoas comuns e mesmo incomuns “contando uma história”. Sobre a crise bancária, disse: “Alguns bancos haviam ‘usado o dinheiro confiado a eles em especulações e empréstimos imprudentes’”. Em seguida, acrescentou: “Eu garanto que é mais seguro manter seu dinheiro em um banco reaberto que debaixo do colchão”. Até a imprensa ficou surpresa quando o povão começou a fazer depósitos, deixando de sacar para guardar dinheiro em casa. O governo — leia-se Roosevelt — reconquistara a confiança da sociedade.

“Estimadas 60 milhões de pessoas” ouviam “a conversa do presidente no rádio”. Sua voz era empática, confiante e transmitia afeto. Mas tudo funcionava porque Roosevelt não estava vendendo esperanças falsas. Ele estava dizendo a verdade ao público. “Ele não prometeu que nenhum indivíduo sofreria perdas, mas, se o país tivesse continuado ‘à deriva’, perdas muito maiores teriam ocorrido”, postula Goodwin. Ele sempre pedia “coragem e fé” às pessoas. “Vamos nos unir e banir o medo.”

Franklin Roosevelt convenceu o povo que havia sido eleito pra mudar os
EUA, e não para fazer reformas cosméticas, sem mexer com ninguém

Ao tratar de “problemas sistêmicos”, a partir de “reformas duradouras”, Roosevelt convenceu o público que havia sido eleito presidente para mudar os Estados Unidos, e não para fazer reformas cosméticas, sem mexer com ninguém, ou mexendo apenas parcialmente. Mesmo antes de John Maynard Keynes, o presidente concluiu que o principal “obstáculo estava em um capitalismo industrial que permanecera amplamente desregulado”. Na sua opinião, deixado por conta própria, o mercado era um risco à economia coletiva. Goodwin assinala que “ele estava convicto de que a recuperação exigia nada menos que ‘uma completa reorganização e o controle comedido da estrutura econômica’. Isso só podia ser obtido suplantando a velha ordem piramidal do ‘privilégio especial’ com uma ‘nova ordem de coisas, projetada para beneficiar as grandes massas de fazendeiros, trabalhadores e empresários”. Houve quem tachasse Roosevelt de comunista, mas o que ele queria mesmo era salvar os capitalistas de si próprio. O bem-estar coletivo, garantido pelo Estado, era, na sua interpretação, benéfico a todos. Mas não era o que pensavam determinados empresários.

Em maio de 1933, articuladas as mudanças no sistema bancário, agora sob estreita vigilância estatal, Roosevelt começou a direcionar o governo para uma ampla reforma social. Seu redator de discursos, Raymond Moley, chegou a adverti-lo de que o que planejava fazer contrariava a filosofia do “laissez-faire”. “Depois de ficar em silêncio por alguns minutos”, o presidente disse ao auxiliar: “Se essa filosofia não tivesse se provado falida, Herbert Hoover estaria sentado aqui agora”.

Na sua segunda conversa com o povo por meio do rádio, Roosevelt expôs o que pretendia: “Uma parceria entre governo, agricultura, indústria e transporte”. Mais: queria uma ligação forte com o povo. Ele disse, anota Goodwin, que “o declínio do país só podia ser revertido através da ação coordenada”.

O Congresso recebeu, em seguida, propostas de “programas que, juntos, redefiniriam o papel do governo federal para regulamentar a economia e assegurar as vidas do povo americano de baixo para cima. Seu propósito — reconstruir o sistema social em ‘fundações e linhas mais sólidas’ — vinha do que Frances Perkis chamou de ‘sua atitude geral de que as pessoas importavam’”.

Convencido por um presidente sério, não errático e não corrupto, o Congresso aprovou seus projetos. “Bilhões de dólares foram” alocados “para realizar imensas obras públicas, fornecer auxílio empregatício direto, aliviar as tensões hipotecárias, salvaguardar investidores, garantir os depósitos bancários, assegurar salários decentes, permitir a barganha coletiva, aumentar os preços agrícolas e gerar poder público.” Era o New Deal.

Roosevelt entendeu que era preciso salvar os ricos (deles mesmos) — os banqueiros e os industriais —, mas não às custas dos pobres. Percebeu, de imediato, que a recuperação tinha de ser globalizada. Precisava “integrar” um país que a depressão havia “desintegrado”.

Roosevelt criou um programa para empregar, temporariamente, mais
de 250 mil jovens. Foram contratados pra cuidar de parques florestais

Nem Roosevelt nem seus brilhantes auxiliares, como o excepcional Harry Hopkins, tinham noções precisas sobre como debelar a crise. O presidente decidiu experimentar “práticas administrativas pouco ortodoxas”. Criava um programa e uma agência para geri-lo, e, se não funcionava, adotava outro, e tudo rapidamente.

O desemprego, dada a depressão, era a chaga da economia americana. As pessoas não tinham dinheiro para o mínimo, quer dizer, para sobreviver. O Civilian Conservation Corps (CCC) pretendia garantir trabalho para 250 mil jovens entre março e julho de 1933. Por não ter o que fazer, parte deles estava apática e deprimida, às vezes vagando pelo país, não raro a pé. As florestas do país estavam abandonadas e depredadas, então o governo transformou os jovens em seus protetores, pagando-os regiamente.

O projeto parecia lunático, pois não seria fácil montar uma estrutura de trabalho em apenas três meses para 250 mil pessoas, a maioria sem experiência. Dada a insistência do presidente, deu certo, e motivou a juventude americana. Por que deu certo? A resposta, destaca Goodwin, estava “no estilo de Roosevelt: estabeleça um propósito claro; desafie a equipe a lidar com os detalhes; ultrapasse os limites convencionais entre departamentos; estabeleça amplos objetivos de curto e longo prazo; crie sucesso tangível para gerar crescimento acelerado e momentum”. Militares do Exército, como o coronel George Marshall, e sindicalistas foram convocados para pôr o programa em pé.

O coordenador do CCC, o sindicalista Robert Fechner, disse a Roosevelt que o programa começaria a funcionar em um mês. Era “tempo demais”, retrucou o presidente. Um dos campos de trabalho ficou pronto em 15 dias. “Mais de 2,5 milhões de jovens passariam pelos campos”, anota Goodwin. Apenas doar dinheiro, concluíram Hopkins e Roosevelt, poderia reduzir a dignidade das pessoas (a história está contada no livro “Franklin Delano Roosevelt — O Presidente Que Tirou os Estados Unidos do Buraco”, de Alan Brinkley, professor da Universidade Columbia; editora Amarilys, 138 páginas, tradução de Carolina Barcellos. A biografia conta que Roosevelt investiu fortemente em cultura para ajudar os artistas e divertir o público. O pesquisador destaca também que a maioria dos negros trocou o Partido Republicano — que apoiava devido a Abraham Lincoln, o presidente que aboliu a escravatura— pelo Partido Democrata por causa de Roosevelt).

“Façam isso já e não aceitarei nenhuma desculpa”, dizia Roosevelt. De acordo com Frances Perkins, “era característico dele conceber um projeto ousado, forçar sua implementação e alegremente deixar que outros se preocupassem com os detalhes”.

O número de desempregados era imenso — 15 milhões de americanos.

Segundo Goodwin, Roosevelt era um bom montador de equipes. “Roosevelt trabalha de maneira mais produtiva, acreditava Sam Rosenman, quando ‘ideias e argumentos, prós e contras, eram ‘rebatidos’ na frente dele, discutidos e debatidos’. Ele se cercava de personalidades fortes que lutavam por suas ideias e então deliberadamente criava situações que as desafiavam a defender posições opostas. Finalmente, e isso tem grande importância, ele as guiava até a reconciliação.”

Harry Hopkins e Harold Ickes, secretário do Interior e diretor da Public Works Administration (PWA), disputavam, no bom sentido, os bilhões de dólares reservados para reduzir o desemprego com a construção de obras públicas. Eles brigavam feio e tinham de ser apaziguados pelo chefe.

Harold Ickes queria subsidiar construtoras privadas para a execução de grandes projetos, obras de infraestrutura duradouras.

Harry Hopkins, diretor da Civil Works Administration (CWA) e, depois, da Works Progress Administration (WPA), avaliava que era mais prático investir em projetos menores e descentralizados “com o intuito de tirar das listas de auxílio tantas pessoas quando possível e colocá-las rapidamente em empregos reais”. As obras seriam bibliotecas, escolas, quartéis de bombeiros, playgrounds, ringues de patinação e piscinas. O Federal Arts Project patrocinava murais pintados para edifícios públicos; o Federal Theatre Project promovia produção de obras clássicas para alcançar pessoas em regiões distantes”.

Aos que reclamavam que os empregos eram de curta duração, Harry Hopkins respondia: “As pessoas não comem no longo prazo, elas comem todos os dias”. Roosevelt concordava, em geral, com seu auxiliar mais, digamos, humanista. O presidente apreciava mais ouvir histórias reais de pessoas comuns, e menos números estatísticos.

“Vá ver o que está acontecendo. Vá ver o produto final do que estamos
fazendo. Fale com as pessoas, veja as coisas com seus próprios olhos”

Há presidentes que se informam a partir da opinião de pequenos grupos — de guetos, frequentemente irrealistas. Roosevelt não era assim. “Não confunda o que as pessoas em Washington estão dizendo com o que as pessoas no país estão sentindo, aconselhava Roosevelt.” “Vá ver o que está acontecendo. Vá ver o produto final do que estamos fazendo. Fale com as pessoas, veja as coisas com seus próprios olhos”, aconselhava. Ele ouvia as pessoas, de maneira incansável, para ter uma ideia mais clara dos fatos e também da maneira como estavam realmente pensando e agindo.

Louis Howe, auxiliar de Roosevelt (a tradutora apresenta o repórter e poderoso “marqueteiro” do presidente como mulher — uma “secretária”), recortava e organizava “matérias e editoriais de jornais de pequenos vilarejos e cidade de todo o país”. Howe fazia o que se chama hoje de “clipping”. O presidente queria saber como as pessoas estavam avaliando os resultados do New Deal. Ele lia as cartas do público. “Mais que qualquer outra fonte, Roosevelt contava com Eleanor para fornecer ‘a verdade sem verniz’. Ele a chamava de sua esposa ‘foto-fátuo’, porque ela viajava centenas de milhares de quilômetros pelo país passando semanas e meses falando com uma grande variedade de pessoas de cada região, ouvindo queixas, examinando os programas de New Deal”. Depois, processava as informações e repassava diretamente a Roosevelt. O presidente gostava mais de ouvir as pessoas, técnicos ou não, do que de ler relatórios. “O que ele mais queria eram as histórias particulares das pessoas comuns.”

Certa feita, Eleanor Roosevelt deu uma bronca em produtores rurais que estavam jogando “porquinhos no [Rio] Mississippi”. “Há milhares de pessoas passando fome no país”, ressaltou. Os fazendeiros queriam elevar os preços de seus produtos reduzindo a oferta. “O governo”, relata Goodwin, “comprava os excedentes de trigo, milho, carne e alfgodão e distribuía o excesso de mercadorias entre as agências de auxílio, para que alimentassem e vestissem os desempregados”.

O governo de Roosevelt parecia meio desordenado, dada a profusão de ideias e projetos. Mas ele sabia o que estava fazendo. “Faça o melhor que puder ao tomar uma decisão, mas depois de decidir, vá em frente”, ensinava. Ele tinha a capacidade de, no meio do processo, mudar de ideia, rapidamente, e adotar outra ideia, mais eficaz. “Temos de fazer nosso melhor no momento. Se não funcionar, podemos modificar no caminho.”

Devido ao seu “pendor pela improvisação, alteração e modificação”, Roosevelt chegou a ser chamado, pelo dramaturgo Robert Sherwood, de “um verdadeiro artista no governo”. Um “artista da retomada”. Frances Perkins acrescenta que o presidente “trabalhava com os materiais e problemas à mão, e enquanto trabalhava em uma fase, a seguinte evoluía”.

Stálin, Franklin Roosevelt e Winston Churchill: um ditador e dois democratas — acima de tudo, um time de políticos realistas absolutos| Foto: Reprodução

Aos poucos, com a intervenção decisiva do Estado — e o mercado privado retomando e ampliando os investimentos —, a depressão foi cedendo. Quando chegou a Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939, os Estados Unidos estavam de pé — prontos para outros desafios. Como aponta Goodwin, “o que a princípio pareceu um objetivo ridículo se provou ‘o objetivo psicológico de elevar as visões’, atiçar a imaginação dos membros da equipe e estimular o front doméstico a realizar o impossível”. A conexão com o povo e o estabelecimento de uma linguagem comum — sem caras feias e gritarias; pelo contrário, o presidente era o rei do bom humor e dotado de um palavreado civilizado — estavam no coração do sucesso da liderança de Roosevelt. “Se existir um argumento em favor da importância conclusiva do caráter e da inteligência do líder em tempos tumultuados, em casa e no exterior, ele repousará sobre os ombros largos de Franklin Delano Roosevelt”, escreve Goodwin (autora do excelente “Tempos Muito Estranhos — Franklin e Eleanor Roosevelt — O Front da Casa Branca na Segunda Guerra Mundial”, Editora Nova Fronteira, 652 páginas, tradução de Joubert de Oliveira Brízida).

O tipo de liderança de Roosevelt deu certo, tanto que foi eleito quatro vezes para presidente e foi decisivo para a vitória dos Aliados em 1945 na batalha contra o ditador Hitler. Com rara habilidade, e a ajuda de Harry Hopkins, o líder americano soube fazer a ponte entre o ditador Stálin e o democrata Churchill para estabelecer uma linha comum de combate ao nazismo. A prioridade não era o debate ideológico — se o capitalismo era melhor ou pior do que o comunismo —, mas derrotar Hitler. O presidente americano era adepto de que o pragmatismo deve substituir discussões improdutivas. Talvez tenha contribuído para moderar Churchill em relação a Stálin — com o qual uma aliança era, na época, um “mal necessário”.

Lucy Mercy: talvez a grande paixão de Franklin Roosevelt | Foto: Reprodução

Comentou-se aqui apenas um capítulo do livro. Há mais dois sobre Roosevelt, que são valiosos para indicar suas origens políticas — o eixo de seu sucesso sempre esteve no fato de tratar as pessoas com o máximo de respeito, inclusive os adversários (sua batalha para não permitir que a depressão, derivada do problema de não poder andar, impressiona pela força de vontade excepcional) —, e há os ensaios sobre Lincoln (aprendeu gramática, geometria, trigonometria sozinho; andava quilômetros, a pé, em busca de um livro que considerasse importante, e era um líder nato, aglutinador, que agregava sua equipe de maneira extraordinária, inclusive assumindo seus erros), Theodore Roosevelt (que esteve no Brasil, andando ao lado do grande marechal Rondon) e Lyndon Johnson. Há um livro muito bom, encontrável em sebos: “Roosevelt e Hopkins — Uma História da Segunda Guerra Mundial” (Nova Fronteira/Faculdade da Cidade e UnB, 1036 páginas, tradução de Heitor Herrera e Heitor Aquino Ferreira), de Robert E. Sherwood, que mostra como o presidente apreciava lidar com auxiliares competentes, fortes e não subservientes. O caminho garantido para a derrota é se cercar de aduladores, fofoqueiros e gabinetes do ódio. Roosevelt apreciava os questionadores. Gostava dos melhores perto de si e não demitia quem discordasse dele. Procurava convencer o auxiliar, mas, se a ideia dele fosse melhor, acolhia-a.

(Não se pense que Roosevelt era “perfeito” — ninguém é, nem os santos foram — como político e homem. Como político, era um mestre da dissimulação, ao estilo de Getúlio Vargas. Teve um longo caso amoroso com Lucy Mercer Rutherfurd. Eleanor Roosevelt descobriu, mas o casal decidiu não se separar. O divórcio “não” pegaria bem. Continuaram amigos e aliados, mas, na prática, não formavam mais um casal tradicional. Quando o presidente morreu, em abril de 1945, em Warm Springs, na Georgia, Lucy estava com ele.)