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O país desistiu do projeto de governo do PT e exige mudança. Políticos atentos, como Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso, perceberam o óbvio: o Brasil caminha para um lado e a petista para o ostracismo

Vice-presidente Michel Temer e Dilma Rousseff | Fotos: Agência Brasil
Michel Temer e Dilma Rousseff: o Brasil cansou-se da presidente da República e, para piorar sua situação, o vice-presidente está captando bem a voz nada difusa mais das casas do que das ruas| Fotos: Agência Brasil

República do Escândalo do Brasil é, hoje, o nome apropriado para o país supostamente abençoado por Deus. Blague à parte, uma nação pode sobreviver, moral e economicamente, sob a égide da espetacularização dos escândalos? Não dá pé, diria um náufrago. O jacobino francês Robespierre, político tido como incorruptível — como se a corrupção fosse apenas uma faceta econômica e monetária —, descobriu tardiamente que depurações excessivas tendem a paralisar todas as estruturas sociais, quer dizer, a sociedade. O extraordinário dramaturgo alemão Georg Büchner, autor da peça “Danton”, escreveu que a revolução, como Saturno, devora seus próprios filhos. Entretanto, por má-fé ou ignorância, há quem acredite que, no Brasil, é preciso depurar apenas o PT e, a partir disso, tudo será maravilhoso —, os cidadãos encontrarão o Nirvana e também poderão passear em Shangri-la.

Quando o ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró anunciou que o senador Delcídio Amaral — tido como “o gentleman do Congresso” por seus aliados e, até, por seus adversários e agora execrado como novo Judas do pedaço — faturava dinheiro no governo de Fernando Henrique Cardoso, presidente da República durante oito anos, os jornais deram algum destaque, mas não o suficiente. Por quê? Simples: muitos, inclusive parte da mídia, querem circunscrever a roubalheira aos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Entretanto, quem acredita que o PT inventou a corrupção, que não havia conexões anteriores — entre empreiteiras, políticos e técnicos —, certamente também crê em fada, duende, curupira, mula sem cabeça e saci-pererê.

As delações premiadas da Operação Lava Jato certamente são mais abrangentes do que imaginam alguns repórteres, editores e proprietários de jornais. Portanto, os cidadãos de bem deste país — que Ivan Lessa chamava de Bananão — devem cobrar investigações amplas o suficiente para que se possa entender que a corrupção sistêmica dos governos do PT tem origem em alguma estrutura sedimentada que, certamente, o petismo não criou. Ah, dirão os cautos do saber jurídico: não dá mais para punir. Talvez não, talvez sim. Considerando que os corruptos são praticamente os mesmos, com ligeiras variações, quem sabe tão-somente com a incorporação de figuras políticas novas, notadamente integrantes do Partido dos Trabalhadores, é provável que a fornida teia da Justiça possa capturar outras presas ou aumentar as penas dos que já estão na cadeia ou a caminho das celas das penitenciárias.

Porém, enquanto se discute se é possível o impeachment da presidente Dilma Rousseff — política filiada ao PT, mas que tem escassa identidade com o partido; é mais lulista do que petista —, pouco se percebe que o Brasil já sofreu impeachment. A recessão está devorando o país. Recentemente, num encontro da Federação da Agricultura do Estado de Goiás (Faeg), um líder da categoria disse que, durante determinado período, a classe C havia sofisticado seus gostos — tomava mais iogurte e variava sua alimentação. O consumo e, portanto, a produção de arroz chegaram a cair. Agora, com a crise econômica e financeira, as classes C e D voltaram a comer mais arroz e feijão. Os supermercados começam a ficar mais vazios e, mesmo com a queda de demanda, os preços não caem. Há economistas que apostam que, se o Estado não recuperar sua capacidade de investimento e, sobretudo, se não gerar segurança jurídica, o país caminhará, a partir de 2016, para uma depressão. O problema daí decorrente é que a economia, depois de processos de depressão, demora muito a recuperar-se. Tanto porque entra em parafuso, com menos investimentos e quebradeira, quanto porque há, por assim dizer, uma crise psicológica. Noutras palavras, como não se acredita na recuperação da economia, poucos investem e a crise vai alimentando a crise, tornando-a mais ampla.

Feita a peroração, pergunta-se, insistindo num ponto mencionado en passant acima: salvar o mandato da presidente Dilma Rousseff, livrando-a do impeachment, é o mesmo que decretar o impedimento do Brasil?

Não há a menor dúvida de que o governo de Dilma Rousseff — com sua falta de credibilidade — está alimentando a crise. Não é mera impressão: o governo está paralisado e, quando se move, contribui para paralisar ainda mais as estruturas do país. Ricos, classes médias e pobres — sem adotar posições ideológicas orgânicas — repetem a mesma coisa, todos os dias: “Do jeito que está não pode ficar”.

Não são as oposições políticas (que quase sempre baseiam-se primeiro em suas conveniências) que estão fazendo a maior oposição ao governo da petista-chefe. As pesquisas que mostram que sua popularidade é uma das mais baixas da história sinalizam que a sociedade — que não é ideológica nem partidária — não a quer mais no governo, no poder.
Há movimentos organizados que querem mantê-la no poder, pois têm ganhos com isto, e há grupos articulados que planejam retirá-la da Presidência, também com seus interesses evidenciados. Mais do que os políticos, é a sociedade civil que rejeita Dilma Rousseff e a quer fora do poder. Os movimentos sociais e sindicais, devidamente instrumentalizados pelo petismo, podem até sair às ruas em defesa do mandato da presidente. Mas a sociedade não lhes dará apoio algum; pelo contrário, vai apupá-los. As ruas são barulhentas, mas nem sempre refletem o pensamento da sociedade civil. Acordos de cúpula para mantê-la no poder serão rejeitados pela sociedade organizada. Dilma Rousseff não se cansou do poder, mas o Brasil cansou-se de Dilma Rousseff.

Portanto, manter Dilma Rousseff no poder, porque foi eleita pelo voto popular, significa o mesmo que paralisar o país, sua economia e ações. A presidente até poderá continuar no governo, mas, daqui para frente, não governa mais. Falta-lhe o apoio da sociedade, dos empresários e dos políticos. Quando um presidente se torna fraco, quando não consegue persuadir a sociedade civil e a sociedade política, é sinal que, mesmo sem deixar o poder, seu governo acabou. É o que parece que está ocorrendo.

Tudo indica que há dois caminhos. Manter Dilma Rousseff na Presidência, correndo-se o risco de paralisar o país pelos próximos três anos, ou retirá-la do poder, correndo-se o risco do imprevisto. Afinal, Michel Temer, um jurista, tem condições de substitui-la e recuperar o país ética e economicamente? Não se sabe.

O vice-presidente, ao contrário de Dilma Rousseff, mantém relacionamento político com várias correntes políticos, inclusive com o PSDB, responsável pela oposição mais articulada e responsável ao petismo. Mas qual é o grau de envolvimento de Michel Temer nos problemas do governo? Trocar de presidente pode ser apenas mudar o alvo do tiroteio? Se o vice tiver o espírito de Itamar Franco, que formou uma coalizão para arrancar o país da crise, em 1992, com o impeachment de Fernando Collor, é possível que reorganize o país.
Jornais e revistas caracterizam Michel Temer às vezes como indeciso, o que, por certo, não é. Primeiro, o vice-presidente convidou economistas gabaritados, como Delfim Netto, para elaborar um programa econômico diferente do de Dilma Rousseff. O programa foi divulgado e agradou a Imprensa, as cúpulas empresariais, o mercado financeiro e economistas que escapam à ortodoxia petista. Se o país está sob uma forte crise econômica e o vice-presidente apresenta ideias para resolvê-la, distanciando-se do ideário do governo, o que está sugerindo?

Simples: “Sou a alternativa para resolver a crise econômica”.

Segundo, o cauteloso Michel Temer escreveu uma carta para Dilma Rousseff, na qual, gastando seu latim escolar e demonstrando a vocação bacharelesca, disse: “Verba volant, scripta manent” — “as palavras voam, os escritos ficam”. Apesar dos salamaleques típicos do homem cordial patropi, o latinório não foi usado por acaso. Michel Temer quis deixar um registro — público, frise-se — de que não pensa como a presidente Dilma Rousseff e, sobretudo, a petista-chefe não pensa como ele. O que mais parece, portanto, é que se trata não de uma carta pessoal, e sim de uma carta quase de intenção para a sociedade brasileira. Uma espécie de recado do tipo: “Não sou responsável pelo governo de Dilma Rousseff e do PT”. Não é discurso de quem quer continuar junto e de quem quer romper. É discurso de quem já rompeu e está esclarecendo os motivos.

Michel Temer é o homem cordial, ma non tropo. Note-se que, depois do plano econômico, o vice-presidente apresentou na sexta-feira, 11, outra ideia, uma espécie de semiparlamentarismo. O que o chefão do PMDB propõe é que os parlamentares tenham um participação mais ativa na execução do Orçamento da União. É um recado àqueles que votam o impeachment. Ao mesmo tempo, acenou com uma tese que agrada prefeitos e governadores: “O fim das vinculações de recursos para saúde e educação”. “Me atrevo a dizer que a ideia é um semiparlamentarismo. O Congresso passaria a atuar efetivamente junto ao governo e não teríamos os problemas que vivemos hoje — ‘ah, não tem verba, tirou verba não sei de onde’. Seria facilmente explicável ao povo a falta de recurso”, sublinhou Michel Temer. O país, frisou o vice-presidente, “deve estar atento à terceira fase da democracia: a da democracia da eficiência”. Está falando como quase-presidente.

O problema é que a “caneta” ainda está nas mãos da presidente Dilma Rousseff. São os cargos que ainda mantêm a petista-chefe no poder. Mas o Brasil divorciou-se do projeto do Lulopetismo. É o que Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso estão dizendo. O primeiro com relativa sutileza — daí a necessidade de interpretá-lo. O segundo está capturando o sentimento da sociedade e, por isso, pressiona os governadores e parlamentares do PSDB. A sociedade, de acordo com as pesquisas, já decretou o impeachment de Dilma Rousseff.