Rubens Ricupero deve sua entrada no Itamaraty ao incentivo de goiano de Jaraguá

07 julho 2024 às 00h00

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Rubens Ricupero, de 87 anos, é um dos mais importantes diplomatas brasileiros, tendo atuado como embaixador por vários anos. Também foi ministro da Fazenda, no governo do presidente Itamar Franco. E tem publicado livros de excelente qualidade, como uma história da diplomacia no Brasil e, agora, suas “Memórias” (Unesp, 710 páginas). Em suma, é intelectual, pesquisador, historiador (e seus comentários sobre literatura, por exemplo sobre Balzac e Sebald, são muito bons).
Mas o que pouca gente sabe é que Rubens Ricupero se tornou diplomata graças ao incentivo de um goiano. A história é contada por ele mesmo em “Memórias”, na página 105.
Em São Paulo, onde fazia faculdade, se tornou amigo de um jovem que se tornaria “decisivo” para o seu “futuro profissional”.
“Ele me chamou atenção pelos dotes linguísticos. Traduzia os mais intrincados textos latinos nas aulas de Direito Romano com a facilidade de quem estivesse lendo uma página em espanhol ou inglês”, diz Ricupero.

“Um ano mais velho do que a média da classe, magro, pálido, cabelos ondulados, óculos de lentes espessas, Arrhenius Fábio Machado de Freitas vinha de Jaraguá, interior de Goiás. Seu pai, Clotário, farmacêutico de formação, lhe havia dado o estranho prenome em homenagem ao químico sueco Svante Arrhenius”, conta o diplomata.
Clotário “havia sido presidente da Assembleia Legislativa” de Goiás e “pertencia à poderosa facção do PSD chefiada por Pedro Ludovico Teixeira. Ex-aluno dos salesianos, Arrhenius passara anos no seminário deles em Goiás Velho, onde chegara a professor de latim e grego”.
Ao perceber que não tinha vocação sacerdotal, Arrhenius mudou-se de São Paulo para o Rio de Janeiro com o objetivo de “prestar o concurso do Itamaraty”. “Bem- informado sobre a carreira diplomática, contagiou-me com seu entusiasmo.”
Em 1957, após ser aprovado no exame de ingresso no Instituto Rio Branco, Arrhenius enviou “os programas completos, a bibliografia para a preparação e cópias mimeografadas das provas” para Ricupero.
Ricupero relata que, “ao tomar conhecimento das questões propostas nos exames”, animou-se “também a tentar a sorte”.
Sem o apoio de Arrhenius, que lhe enviou informações precisas, Ricupero admite: “Não sei se teria tido coragem de romper a inércia. Até então pensava às vezes no Itamaraty, mas hesitava em deixar a família, a cidade, imaginava que acabaria por fazer concurso para promotor público em São Paulo”.
“O gesto generoso do amigo, seu encorajamento, a constatação de que os exames, apesar de difíceis, não eram um bicho de sete cabeças, constituíram os fatores determinantes da decisão.” Então, em 1958, Ricupero prestou as provas e se tornou diplomata.
Em agosto de 1961, os dois já diplomatas, Arrhenius avisou Ricupero de que o presidente Jânio da Silva Quadros — aquele que viu forças ocultas numa garrafa de uísque — havia renunciado.
Urucuia em Formosa e a Fazenda Babilônia

Ricupero conta que, vivendo em Brasília, decidiu “explorar o cerrado com sua beleza escondida, suas flores e frutas que nunca tínhamos[ele e sua mulher, Marisa] visto”.
Sabe o curso d’água famoso que aparece no romance “Grande Sertão: Veredas”? Leia o que escreve Ricupero: “O Rio Urucuia, tão misterioso nas páginas de Guimarães Rosa, de repente se aprendia que nasce ali mesmo, perto da capital [Brasília], na lagoa dos Morões, divisa entre Formosa e Buritis”.
Ricupero menciona Santo Antônio do Descoberto, Goiás Velho (que todos, menos o diplomata, chamam de Cidade de Goiás), a Fazenda Babilônia, a Pensão do Padre Rosa, ambas em Pirenópolis, antiga Meia Ponte, antes da vulgarização do turismo”.
De acordo com Ricupero, Clarice Lispector tentou visitar Luziânia, mas não conseguiu. A escritora era amiga do diplomata.