Rosane Malta sugere que suíço misterioso cuidou de contas de Fernando Collor e PC Farias na Suíça

15 novembro 2014 às 13h17

COMPARTILHAR
A ex-primeira-dama escreve que PC Farias pode ter enviado cerca de 400 milhões de dólares para o exterior, afirma que Fernando Collor queria movimentar a conta de PC Farias com 60 milhões de dólares de sobras de campanha e revela o nome do suíço Gerard

“Tudo o Que Vi e Vivi” (Leya, 222 páginas), de Rosane Malta, deveria ter outro título — talvez “Quase Tudo o Que Vi e Vivi”. A ex-mulher do ex-presidente Fernando Collor certamente não conta tudo, e provavelmente não por que não queira, e sim para evitar processos judiciais. Advogados ensinam que uma verdade não provável — quer dizer, não substanciada por documentos — é o caminho seguro para uma condenação na Justiça. O livro da ex-primeira-dama é corajoso, bem escrito (o ghost writer é hábil e escreve como um jornalista competente), cauteloso e objetivo. A mágoa às vezes explode, mas no geral é mantida nas entrelinhas. O leitor nem precisa ser atento ou ter noções básicas de psicologia ou psiquiatria para perceber que o hoje senador é tratado, em várias páginas, como “meu marido”, e não “meu ex-marido”. O retrato de Fernando Collor quase sempre é nuançado, ainda que fique cristalizado que lidou com a depressão da mulher de maneira cruel, a se aceitar a versão desta (como o livro é uma versão bem pessoal, não consta a réplica do criticado). Thereza Collor, que foi mulher de Pedro Collor, irmão do senador alagoano, é criticada sem luvas de pelica.
Um dos capítulos mais interessantes do livro é o 12º, “Para onde foi tanto dinheiro?” Rosane Malta diz que está sempre ouvindo duas perguntas: “Que destino teve o dinheiro que Paulo César Farias enviou para o exterior?” e “Onde foram parar os 60 milhões de dólares que sobraram da campanha presidencial de 1989?” Durante algum tempo, deu uma resposta padrão: “Não posso falar sobre isso”. Mudou de ideia: “Na verdade, eu não queria falar sobre isso. Até agora. Primeiro porque nada sei sobre o grosso da dinheirama que PC teria enviado ao exterior (…). Segundo porque, durante o período em que estivemos juntos, nunca me interessei em saber detalhes das contas de Fernando. (…) Mas é claro que, morando na mesma casa durante 22 anos, algumas coisas não escaparam dos meus ouvidos e olhos”. Fica-se com a impressão de que Rosane Malta sabe mais do que diz, porém estaria orientada por advogados para manter certa cautela.
Leia mais:
Pós-impeachment, Collor teria ficado depressivo e Rosane temeu que pudesse se matar
Ex-mulher garante que Collor é aficionado por magia negra
Ex-primeira-dama Rosane Malta diz que Collor não foi amante de Cláudia Raia
Rosane Malta garante que “não” sabe se o ex-marido Collor “usava” cocaína
O suposto caso da ex-mulher de Collor com Luiz de Pádua, auxiliar de Joaquim Roriz
Princesa Diana encantou-se com vestido chique criado por uma estilista brasileira
Fidel Castro mandava charutos para Fernando Collor de Mello
“Segundo as estimativas mais exageradas”, PC Farias “teria enviado para o exterior 1 bilhão de dólares”, afirma Rosane Malta. “Avaliações mais ponderadas falam em 400 milhões de dólares.” Em seguida, aparentemente orientada por advogados, apresenta uma defesa antecipada: “PC foi condenado em 1994 por sonegação fiscal e falsidade ideológica, mas foi absolvido da denúncia de corrupção”. O tesoureiro da campanha, com Fernando Collor eleito, começou a cobrar “pedágio” de empresários que negociavam contratos com o governo federal. “Fernando foi absolvido de todas as acusações.”
Como primeira-dama, Rosane Malta tinha uma conta bancária sem limite e nunca soube, garante, quem a abastecia. Acreditava que era Fernando Collor e afirma que ficou surpresa ao saber que era mantida por PC Farias.
O secretário particular de Fernando Collor, Cláudio Vieira, garantiu que os gastos pessoais do ex-presidente eram pagos por um empréstimo de 5 milhões de dólares feito no Uruguai. Rosane Malta conta que Paulo Octávio (de Brasília) Luiz Estevão (ex-senador do Distrito Federal, hoje presidiário) foram os fiadores da Operação Uruguai. O empresário Alcides Diniz (irmão de Abílio Diniz) participou de uma das reuniões para discutir o empréstimo. “Uma secretária de Cidão (…) acabou contando em um depoimento na CPI [que investigava o esquema de PC Farias] que o empréstimo havia sido feito, depois das denúncias, apenas para justificar a origem do dinheiro que pagava as contas da Casa da Dinda” (onde morava o casal presidencial).
Mesmo dizendo que não sabia de nada sério, por não se envolver nos negócios do ex-marido, Rosane Malta sublinha que, “em algum momento”, ouviu “falar” na quantia de “60 milhões de dólares como sendo o que restou da campanha. (…) Depois do impeachment, eu ouvi algumas conversas de que essa bolada realmente existia, e que estava em uma conta no exterior”. Em seguida, ressalva que Fernando Collor, numa entrevista ao Globo News, disse que “o valor era de pouco mais de 50 milhões de dólares”. O ex-presidente “esclareceu” que não sabia onde estava o dinheiro. PC Farias era o “único” controlador da conta ou das contas.
Fernando Collor “movimentada” a conta? A versão de Rosane Malta: “Não sei se Fernando tinha acesso a essa conta bancária enquanto PC estava vivo. Após a morte de PC, surgiram boatos de que o seu irmão Augusto tinha procuração para movimentar as contas externas. Tenho bons motivos para acreditar que esses rumores têm algo de verdade. (…) Na segunda metade da década de 1990, após a morte de PC, Fernando me disse que estava tendo dificuldade para acessar essa conta, e que Augusto estava sendo um empecilho”.
A ex-primeira-dama perguntou para Fernando Collor: “A conta, né? O dinheiro que vocês têm em conjunto?” O ex-presidente respondeu, segundo Rosane Malta: “É. Ele [Augusto Farias] quer me prejudicar”.
“Pelo fato de Fernando ter falado que dependia do Augusto”, anota Rosane Malta, “comecei a achar que eram as sobras de campanha”.
Com sutileza, Rosane Malta apresenta um personagem misterioso, o suíço Gerard. “Desde que era governador de Alagoas, Fernando tinha contas na Suíça. Elas aumentaram na Presidência. Tanto que eu o acompanhava com frequência a Genebra. Ele ia para se encontrar com um suíço que se apresentava como Gerard.” A ex-primeira-dama acredita que se trata de “um gerente de banco”. Talvez um diretor.
No livro “Morcegos Negros — PC Farias, Collor, Máfias e a História Que o Brasil Não Conheceu” (Record, 420 páginas. Vale ler a versão revista e ampliada), o jornalista Lucas Figueiredo traça excelente perfil do esquema “profissional” montado por um grupo de alagoanos. “Eu acho que esse livro chegou muito próximo da verdade. Eu quase caí da cadeira quando encontrei, naquelas páginas, a história de um suíço que teria ajudado a movimentar as contas de PC Farias e a apagar os seus rastros mundo afora”, escreve Rosane Malta. Lucas Figueiredo anota: “Um tipo mignon, de pouco mais de um metro e sessenta, magro e de olhos lânguidos”. Segundo a ex-primeira-dama, “bate com a aparência do suíço que eu conheci. Gerard também era baixo e magro. Usava óculos, e tinha um cabelo preto com falhas. Suponho que estivesse na casa dos 45 anos. O do livro ‘Morcegos Negros’, porém, se chama Angelo Zanetti. Será que ele usava um nome falso para despistar? Realmente, seria muita coincidência se se tratasse da mesma pessoa”. O que Rosane Malta está confirmando é que o esquema da Suíça existia de fato e que o personagem que “negociou” com PC Farias, segundo relato de Lucas Figueiredo, deve ser o mesmo que articulou as contas de Fernando Collor. Noutras palavras, o esquema poderia ser muito bem o mesmo, embora Rosane Malta não explicite isto.
No seu estilo de informar por meio de uma insinuação ligeira, Rosane Malta garante que, “desde que reatou com Augusto [Farias], o patrimônio de Fernando aumentou muito, e a única explicação plausível para isso é que ele passou a ter acesso à tal conta no exterior que o irmão de PC estava barrando”.
No fecho do capítulo, Rosane Malta, quem sabe num recuo tático, alivia um pouco o peso na crítica a Fernando Collor: “Sempre acreditei que Fernando não tinha nada a ver com as negociatas de PC Farias. Eu ainda acho que essa é a verdade. Com exceção das sobras de campanha, não tenho indícios de que ele se beneficiou com qualquer outro recurso vindo de PC. Em apenas duas ocasiões eu tive motivos para desconfiar dessa versão. A primeira foi a mentira no pronunciamento feito em junho de 1992, quando Fernando foi à TV rebater as acusações que estavam sendo feitas na imprensa. Eu achei suspeito ele dizer que não via mais PC, quando a verdade é que ele se encontrava regularmente com o ex-tesoureiro na Casa da Dinda, muitas vezes na minha presença. Se Fernando não tinha nada a esconder, por que mentiu? A segunda pulga atrás da orelha apareceu quando Elma, esposa de PC Farias, disse numa entrevista que 70% do dinheiro era para o chefe — e neste caso só poderia estar se referindo ao presidente. Como ela poderia ter coragem de dizer aquilo se não fosse verdade?”
No caso, pois Elma Farias talvez estivesse protegendo o marido, Rosane Malta estaria sendo ingênua ou, ao contrário, maldosa? A impressão que se tem é que a ex-primeira-dama sabe mais, muito mais, porém, orientada por jornalistas (um deles, talvez, o ghost writer) e, sobretudo, advogados, contou apenas aquilo que é possível.