Relicário lança Compaixão, antologia da poesia de Anne Sexton, que se matou aos 45 anos

02 dezembro 2023 às 21h35

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Autora de uma poesia confessional, a poeta americana Anne Sexton foi internada em clínicas psiquiátricas e transformou seus problemas de saúde em arte. Era amiga de Sylvia Plath e Robert Lowell
Conhecida como poeta confessional, embora isto não explique toda a qualidade (e variedade) de sua poesia, a americana Anne Sexton é pouco conhecida no Brasil. Denunciando nosso surrealismo típico, sua biografia chegou antes de sua obra (“Compaixão”, uma antologia, com 376 páginas, chega agora, em edição da Relicário), publicada pela Editora Siciliano, em 1994.

Portanto, é graças ao livro “Anne Sexton — Uma Biografia” (optei por não acoplar o subtítulo patropi, “A Morte Não É a Vida”), de Diane Wood Middlebrook (1939-2007), doutora por Yale e professora de Stanford, que se tem notícia de sua poesia em português.
Internada várias vezes em clínicas psiquiátricas, Anne Sexton matou-se em 1974, aos 45 anos. Era então uma poeta respeitada tanto pelos leitores quanto pelos críticos.
Na introdução da biografia, seu perceptivo psicanalista, Martin T. Orne, sugere que escrever poesia — vocação despertada em larga medida nas sessões de análise — pode ter retardado sua morte. Aos poucos, de tão apaixonada pelo labor poético, as crises depressivas, que levavam à vontade de se matar, foram transformadas em arte.

Daí sua poesia tratar a morte e a dor com tanta intimidade. Era amiga de jornada dos poetas Sylvia Plath (as duas conversavam muito sobre poesia e morte), Robert Lowell (seu professor de poesia), George Starbuck, Maxine Kumin e Adrienne Rich.
O tradutor do ótimo livro de Diane Middlebrook, Raul de Sá Barbosa, presta um enorme serviço aos leitores: verte vários poemas para o português, como um de seus mais famosos, “A imagem dupla” (parece incompleto), que transcrevo a seguir: “Não posso perdoar seu suicídio, disse minha mãe./E jamais perdoou. Mandou pintar meu retrato/ao invés.//Eu vivi como uma hóspede irada,/como uma coisa remendada, uma criança que cresceu demais./Lembro-me de que minha mãe fez o que pôde./Ela me levou a Boston para mudar de penteado./Seu sorriso é tal qual o de sua mãe, disse o artista.//Com luz do norte, meu sorriso fica no lugar,/a sombra ressalta meu osso./O que eu poderia estar pensando, sentada lá, posando,/tudo o que era eu à espera, nos olhos, na área/do sorriso, o rosto j ovem,/a sedução da raposa./Com luz do sul, o sorriso dela fica no lugar,/suas faces murchando como uma orquídea seca/Meu espelho zombeteiro, meu amor arruinado/minha primeira imagem. Ela me olha daquele rosto,/daquela cabeça pétrea da morte/que eu já deixara para trás./(…)/E essa era a caverna do espelho,/aquela mulher dupla que olha fixamente/para si mesma como se estivesse petrificada./Lembro-me de que lhe demos o nome de Joyce/para podermos chamá-la Joy. (…)/Eu precisava de você. Eu não queria um menino,/só uma menina, uma ratinha branca como o leite/já amada (…)/Eu, que nunca estive inteiramente segura/de ser uma menina, precisava de outra/vida, outra imagem, para me certificar./E essa é a minha culpa maior; você não podia curar/nem aliviar. Eu a fiz para me encontrar.”

O poema faz referência à mãe de Anne Sexton, Mary Gray, e à filha caçula da poeta, Joyce-Joy. Diane Middlebrook escreve: “O insight profundo do poema é que dentro de tal mãe existe sepultada uma criança que também foi feita como espelho para a necessidade materna de admiração”.
A Editora Relicário lança finalmente uma antologia da poesia de Anne Sexton, “Compaixão”, com tradução de Bruna Beber. Será a primeira no país. Espera-se que não seja a única. A obra contempla oito livros de poesia de Anne Sexton (são quase 90 poemas), além de material póstumo.