Puritanismo americano pode ter levado nadador a inventar história para esconder escapada sexual

20 agosto 2016 às 10h11

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Saul Bellow (“Herzog”) e Philip Roth (“A Marca Humana”, um registro, ficcionalizado, dos tempos sombrios de Bill Clinton e Monica Lewinsky, duas pessoas vilipendiadas pela mídia americana) exploraram em alguns de seus livros a tradição puritana dos norte-americanos. Tecnologicamente, os Estados Unidos são o país mais moderno do mundo, mas, em termos comportamentais, são de um conservadorismo que pouco tem a ver com as profundas mudanças do século 20. Óbvio que, por debaixo dos panos, a sociedade conservantista esconde outra sociedade, licenciosa. Repressão sexual gera liberação sexual escondida — às vezes perversa.
O nadador Ryan Lochte talvez seja até um garoto decente. Mas, para esconder a baderna que fez num posto de gasolina e as possíveis aventuras sexuais (olimpíadas, maratonas, coisas de jovens, e não só) com moçoilas guapas — o jovem é bonito, famoso, atlético e, por certo, com os hormônios à flor da pele (ainda não precisa de Viagra, ao contrário de Anderson Silva e Jon Jones) —, inventou a história, mais indecente do que qualquer escapada sexual fora do leito oficial, de que havia sido assaltado com outros colegas. Sua namorada não poderia ficar sabendo que o galã das águas andava saracoteando pelas belas ruas, boates e, até, postos de gasolina do Rio de Janeiro.
Ryan Lochte certamente é um dos puritanos à George W. Bush — gostaria de saber o que pensa disto. Mas, à escondida, faz aquilo que se deseja, mas não se comenta. Por isso, a necessidade de inventar uma história — lógica (assaltos ocorrem todos os dias na Cidade Maravilhosa) e, ao mesmo tempo, estapafúrdia (as câmeras destruíram a privacidade, em nome exatamente da segurança) — para encobrir outra história. Fica comprovado, mais uma vez, que não se vive como se prega, o que se prega quase nunca se faz e o que se faz não se divulga.
A moral “cerca” o comportamento humano, mas não impede inteiramente as escapadas. Ryan Lochte é tão vítima — da tradição puritana (Nietzsche criticaria os valores que, embora não sejam nossos, passamos a defendê-los como se fossem e, por isso, acabam sendo nossos e, como tais, passamos adiante como verdade revelada) quanto sujeito de suas ações (o indivíduo tem condições de fazer uma coisa ou outra, mas o prazer, aquilo que se quer mas às vezes não se tem coragem de expor em palavras, para não chocar, é, muitas vezes, incontrolável e inigualável).
A moral puritana é necessariamente castigadora, produtora de culpas pesadas para questões ínfimas, como traições sexuais.