Projeto que regula plataformas digitais aumenta e não engessa a democracia

07 maio 2023 às 00h00

COMPARTILHAR
As bigs techs — Google, Facebook, Twitter, entre outras — têm vocação para ditadoras. Mas de uma espécie nova — a que não parece ditadora e até ganha o aplauso de parte da sociedade (os servos voluntários), dado seu caráter inovador.
Dada a vocação ditatorial, que cria servos voluntários — inclusive entre liberais, espantosamente —, as big techs operam para não cumprir as leis dos Estados nacionais. Em nome de uma liberdade fictícia, porque unilateral — que beneficiam apenas seus negócios —, quando fiscalizadas e penalizadas, clamam por liberdade de expressão e sustentam que os países querem censurá-las.
Habilmente, as big techs, que jogam só para si, conquistaram o apoio de parte da direita — do bolsonarismo, por exemplo — e dos incautos de sempre, que receiam que qualquer controle público, em defesa da sociedade, tem a ver com censura e, portanto, ditadura.

No momento, se há “ditadura”, não é dos que sugerem algum controle do liberticídio das bigs techs — com suas redes sociais, que se tornaram hipermercados globais, nos quais se vendem não apenas produtos, mas as próprias pessoas, suas consciências, desejos e comportamentos etc —, e sim das grandes empresas de tecnologia. São elas que não querem cumprir as leis, e não os governos nacionais. As big techs “criam” suas próprias leis… que se tornam “mundiais”. Então, por serem “províncias”, os países “têm” de cumpri-las, e, se o fizerem, serão considerados “cosmopolitas”, “modernos”.
Regulação das plataformas digitais
O jornalista Pedro Doria, do “Estadão”, é uma das vozes moderadas e responsáveis a respeito da discussão. O jornalista tem razão quando diz que o projeto de lei que está nas Câmara dos Deputados não deveria ser chamado, coloquialmente, de PL das Fakes News, e sim de PL da regulação das plataformas digitais.

Empresas globais, como se fossem de todos os lugares e, ao mesmo tempo, de nenhum deles, as big techs não querem se responsabilizar por aquilo que acolhem, reverberam e, crucial, lucram. “Elas não apenas recebem passivamente conteúdo de terceiros. Elas literalmente escolhem que informação será vista e qual não terá qualquer audiência”, pontua Pedro Doria.
Na semana passada, o Google promoveu uma campanha feroz e intensa contra o projeto de lei das plataformas digitais — tanto que sua votação acabou sendo adiada. O governo federal e a Justiça (que está atenta) têm o direito — e o dever — de averiguar a operação deletéria da big tech. Sua ação feriu a democracia brasileira, ao interferir no Congresso Nacional, como se fosse um poder institucional, como o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Tornou-se uma espécie de quarto poder — com alto poder de pressão.
Proteção dos cidadãos e da democracia
O projeto de lei não visa censurar, ao contrário do que sugerem seus adversários.
Pedro Doria assinala que, para corrigir o excesso de poder das big techs, o projeto lista três pontos.
Primeiro, “as empresas serão responsáveis por impulsionar conteúdos que promovam crimes em geral e, em particular, violência contra a mulher, crianças e adolescentes, racismo e ameaça à democracia. Se elas permitirem ou contribuírem para a disseminação deste tipo de conteúdo, serão corresponsáveis junto aos autores”, sublinha Pedro Doria.

O que há de censura nisto? Nada. O que há, de fato, é o interesse da representação pública em proteger os cidadãos e, portanto, de salvaguardar a democracia.
Segundo, o projeto estabelece um protocolo de segurança. “Em momentos muito particulares, como o foi o caso do período de medo com massacres escolares, autoridades poderão pedir às plataformas atenção particular a um tema”, anota Pedro Doria.
Terceiro, as big techs, com suas redes sociais, “terão de publicar com regularidade relatórios de riscos sistêmicos. São empresas movidas a inovação. Toda inovação pode gerar efeitos colaterais não previstos. Elas devem informar à sociedade sobre os riscos. A Meta [dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp] tinha conhecimento de que suas redes incentivavam depressão em adolescentes, automutilação, e jamais tornaram isso público”, escreve Pedro Doria.
O projeto de lei da Câmara dos Deputados não é, em nada, diferente de projetos semelhantes de países europeus, todos democratas. São similares. É uma defesa da sociedade contra um poder quase incontrolável. Recentemente, o Twitter decidiu manter no ar contas que incentivam a violência. O Telegam rejeitou cumprir uma decisão da Justiça brasileira.

Twitter e Telegram: à margem das leis
Twitter e Telegram estão agindo em nome da democracia e, portanto, dos cidadãos? Nada disso. Estão operando, ao contrariar as leis dos países, em nome de seus negócios. Se não quer fornecer informações cruciais para debelar carteis da cocaína, o Telegram está, de maneira indireta, e quem sabe direta, contribuindo para o crime, e não para a defesa da liberdade de expressão. Só os néscios acreditam que as big techs estão interessadas na defesa da democracia e da liberdade de expressão. Estão interessadíssimas, isto sim, em lucrar cada vez mais, atropelando todo aquele que tentar conter seu apetite por dólares e euros.
Pedro Doria tem razão quando diz que “decisões isoladas” das big techs “atingem toda a sociedade”. Elas “não foram” eleitas. “Nunca, na história das democracias, tão pouca gente não eleita teve uma quantidade tão absurda de poder sobre tantos. Sobre as democracias. No caso de [Elon] Musk e [Mark] Zuckerberg, eles têm poder de decisão sobre que ideias circularão e quais não.”
Portanto, o projeto de lei brasileiro (moderadíssimo) contribui para aumentar (e reforçar) e não para diminuir ou engessar a democracia. É tolerante e responsável. Quem quer ficar ao lado das big techs, que faturam bilhões de dólares, deve se candidatar ao papel de bobo da corte ou das províncias. Não se está falando, claro, dos mal-intencionados… ideologicamente. No momento, o debate, que não é debate, está contaminado muito mais pela ideologia, a da direita, do que pelo interesse real da sociedade, dos cidadãos.