Professor de Harvard recomenda que o Brasil não arranje confusão com a China

28 fevereiro 2021 às 00h01

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Niall Ferguson sugere que o país deve adotar uma política exterior não-alinhada e terá mais ganhos nas relações com China e Estados Unidos
O presidente Jair Bolsonaro, que certamente sabe muito pouco sobre política internacional — sobretudo sobre negócios —, e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, produziram uma espécie de “Diplomacia de Guerra” ou “Diplomacia da Bazófia”, que, como dizem experts, não funciona mais. As lutas verbais com a China têm reflexos em vários campos — inclusive na obtenção de máscaras, equipamentos e vacinas. País milenar, acostumado às negociações, a China sabe que o Brasil, para crescer, precisa como nunca de suas importações. Notadamente, sabe que Bolsonaro e sua trupe só ficarão no poder quatro ou, no máximo, oito anos. Portanto, poderá esperar o fim do caos e a reinstalação da racionalidade.
O historiador escocês Niall Ferguson, professor nos Estados Unidos, em Harvard, e na China, sugere que, em vez de “guerrear” com a China, o Brasil deveria “retomar a tradição dos ‘países não-alinhados’, que prosperou na Guerra Fria”. Para o doutor em história, o país governado por Bolsonaro terá maiores ganhos se “apostar na neutralidade”. “O Brasil não ganha nada sendo hostil à China e, diferentemente da Coreia do Sul, não depende dos EUA para sua segurança nacional. Não é difícil para o Brasil ser um país não-alinhado nesta nova guerra fria, porque não precisa ser tão próximo dos EUA para garantir sucesso econômico”, sublinha o pesquisador.
No segundo semestre deste ano, sai no Brasil o livro “Catástrofe”, de Niall Ferguson. O scholar explica por que alguns países escapam da crise — ou desastre — antes dos outros. O governo de Bolsonaro é uma máquina azeitada de produzir crises. É seu próprio inimigo.

Entrevistado pelo jornal “O Globo”, em fevereiro deste ano, Niall Ferguson postula que, “em relação à China, o governo [de Joe] Biden será marcado por continuidade em relação a Trump, ainda que haja algumas mudanças”. Depois que a entrevista havia sido publicada, saiu a notícia de que a China se tornou a maior parceira comercial da União Europeia — e já era a maior parceira comercial do Brasil —, superando as relações com os EUA. Biden terá de enfrentar a China, até duramente, embora com uma retórica mais amena, porque os Estados Unidos não querem perder a hegemonia econômica transnacional.
Em 2017, Niall Ferguson escreveu que “a meia-vida do populismo” seria “curta”. “Porque é muito difícil para os populistas entregarem o que prometem. As consequências da pandemia [do novo coronavírus] são complexas. Ela reforça o argumento do populismo de direita sobre a importância das fronteiras e os riscos da migração em larga escala. No entanto, os populistas já estavam se saindo mal antes da pandemia, e os governos tecnocratas, como o de Angela Merkel, na Alemanha, lidaram melhor com a crise. O eleitor vai premiar a competência. E os populistas não são muito competentes. As habilidades necessárias para inflamar uma multidão são diferentes das necessárias para lidar com o coronavírus. Populistas perderam o debate da saúde pública. Ficaram com cara de bobos falando de hidroxicloroquina.” Os populistas, como Bolsonaro, duvidam da ciência, portanto dos especialistas, e agora, com mais de 244 mil mortos e milhares de pessoas internadas, de que mais se precisa? Da ciência, dos especialistas. A vacina é produto do trabalho meticuloso de cientistas. O tratamento dos pacientes é feito por especialistas — médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, entre outros.

Niall Ferguson não é nenhum Cândido ou Pangloss, mas está otimista. “As vacinas vão derrubar o número de hospitalizados e mortos até o meio do ano. No final de 2021, a pandemia será coisa do passado, e a economia vai se recuperar rapidamente”, sustenta. O ministro da Economia, Paulo Guedes — o Posto Tabajara, ex-Posto Ipiranga —, disse a Bolsonaro que a recuperação da economia, e inclusive a redução e até o fim do auxílio emergencial, depende da vacinação em massa. Mas o presidente, um populista de caráter nacionalista e nada liberal, não ouve seu ministro e tampouco os especialistas. Até agora, o governo federal fez muito pouco para vacinar os brasileiros — tanto que o número de mortos, em vez de cair, está aumentando.
Estado e desigualdade social
O debate sobre as desigualdades sociais ganha uma interpretação não ortodoxa de Niall Ferguson. “Nas democracias, o combate à desigualdade é uma decisão política, depende da vontade do eleitor. Se os americanos quiserem um país mais parecido com a Dinamarca e menos com o Chile, vão apoiar as propostas fiscais de Biden e penalizar os republicanos. Mas não parece que a representação democrata no Congresso vai aumentar na próxima eleição. Se houvesse realmente tanto apetite por mais igualdade, os partidos de esquerda estariam melhor. Só se fala em desigualdade, mas a esquerda vai mal. Não consigo ver lógica aí.”
A sociedade brasileira, sobretudo os ricos e as classes médias, quer pagar mais impostos para criar igualdade social no Brasil? Tudo indica que não, sobretudo porque o Estado aplica mal aquilo que arrecada dos contribuintes. Gasta demasiado com o custeio da máquina pública — incluindo salários do funcionalismo — e com investimentos equivocados e dispendiosos. Na Dinamarca e na Noruega os impostos são altos, mas o Estado eficiente garante saúde, educação e segurança pública de qualidade.
Como não há mágica em economia, não dá para reduzir a desigualdade com um Estado, digamos, menos afeito ao social. Mas o que desagrada mesmo os brasileiros é que o governo federal, quanto mais arrecada, menos melhora a vida de todas as pessoas. Todos querem a redução das desigualdades, mas não acreditam que o Estado seja eficiente para executar programas que mudem a sociedade globalmente, mas sem radicalismo político. O que se diz, nas classes alta e média, é que o governo quer arrecadar mais para se sustentar, e não para investir na construção de uma sociedade menos desigual. E há, claro, os ralos da corrupção, que, por certo, podem até ter diminuído, mas possivelmente não acabaram.