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Formado em História pela Unicamp, José Moraes dos Santos Neto apresenta, no livro “Visão do Jogo — Primórdios do Futebol no Brasil” (Cosac & Naify, 117 páginas), a tese de que o futebol foi introduzido no Brasil não por Charles Miller, em 1894, e sim pelos jesuítas, no Colégio São Luís, na década de 1880. Era uma “prática curricular nas aulas de Educação Física” (leia mais adiante).

Na quarta-feira, 19, o repórter Fernando Granato, da “Folha de S. Paulo”, publicou a reportagem “Ponte Preta teve primeiro jogador negro do futebol brasileiro, diz pesquisador”.

O autor da pesquisa é José Moraes, o entrevistado pela “Folha”. De acordo com seu estudo, o ferroviário Miguel do Carmo “foi o primeiro afrodescendente a pisar num campo” de futebol “no país, na então recém-fundada Ponte Preta, em 1900”.

José Moraes dos Santos Neto capa de Visão do Jogo

A pesquisa de José Moraes foi feita no Centro de Memória da Unicamp e o historiador consultou vários documentos — alguns deles da Câmara Municipal de Campinas.

Antes da pesquisa de José Moraes, dava-se como certo que o primeiro negro a jogar futebol no Brasil havia sido Francisco Carregal, que defendeu o Bangu, contra o Fluminense, em 14 de maio de 1905. Sua história está registrada no livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, do jornalista Mário Filho, irmão do escritor, cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues.

Jogador era filhos de escravizados

Filho de escravizados, Miguel do Carmo era funcionário da Companhia Paulista de Estrada de Ferro e participou, como amador, de jogos da Ponte Preta. “Quando tinha 15 anos, em 1900, Miguel participou de maneira amadora, coisa de menino mesmo, da fundação do primeiro time da Ponte Preta”, conta José Moraes.

O historiador relata à “Folha” que “a primeira equipe da Ponte Preta nasceu na Vila Operária da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, fundada em 1868 para ligar Jundiaí a Rio Claro, diante da expansão cafeeira daquela região”.

“Importante destacar que em 1900, quando se constitui essa equipe de futebol, respirava-se no proletariado os ideais de igualdade do anarquismo, trazido pelos imigrantes, por isso foi aceito um jogador negro, na contramão do que acontecia no resto do país, onde o esporte era altamente elitizado”, sublinha José Moraes.

José Moraes dos Santos Neto Foto de Amanda Perobelli e Estadão
José Moraes: um dos mais importantes pesquisadores da história do futebol no Brasil | Foto: Reprodução

A história do nome Ponte Preta é desvendada pelo jornalista e pesquisador Edu Cerioni, entrevistado pela “Folha”.

“A ferrovia, com seus trilhos, isolou um bairro de Campinas, onde havia cerca de 200 casinhas — uma delas habitada por Miguel do Carmo. Houve protestos de moradores — em função do isolamento — e uma ponte foi instalada pela Companhia Paulista, sendo pintada com piche para maior conservação”, frisa a “Folha”. “Foi ela que inspirou o nome do bairro para Ponte Preta e também batizou a nova associação atlética que surgia”, afirma Edu Cerioni.

A pesquisa de José Moraes revela que Miguel do Carmo jogou na Ponte Preta até 1904. Ele continuou como ferroviário, para garantir a sobrevivência, até 1925. O jogador morreu, aos 47 anos, em 1932.

A história de José Moraes ganhou registro na Fifa. Seu chefe de Relações Públicas, Frederico Addiechi, ao receber uma cara do pesquisador, escreveu: “Histórias como essa e esforços a favor da integração e contra qualquer forma de discriminação são um positivo legado para o futebol mundial e um exemplo que deveria ser imitado em todo o mundo”.

Rui Barbosa jurista e político
Rui Barbosa: o político e jurista ajudou no desenvolvimento do esporte no país | Foto: Reprodução

Rui Barbosa, jesuítas e o futebol no Brasil

Manuel Alves Filho, no “Jornal da Unicamp”, escreveu um texto, “Livro de ex-aluno da Unicamp mostra que esporte chegou antes de Charles Miller, tido como pioneiro pela historiografia”, a respeito de “Visões do Jogo”, de José Moraes.

De acordo com a pesquisa de José Moraes, jogava-se futebol no Brasil antes de Charles Miller voltar da Inglaterra para o Brasil e, supostamente, introduzir o esporte bretão em terras tropicais.

Documentos encontrados no Colégio São Luís, no Mosteiro de Itaici e no Arquivo do Estado de São Paulo indicam que o futebol era praticado no Brasil “desde a primeira metade da década de 1880. Charles Miller”, nascido em São Paulo e criado na Inglaterra, “só retornou ao país em 1894”.

Charles Miller trouxe da Inglaterra um livro com regras do futebol, duas bolas e um par de chuteiras.

Em 1882, a pedido do imperador D. Pedro II, o deputado (e jurista) baiano Rui Barbosa, do Partido Liberal, apresentou à Câmara “um parecer sobre a Reforma do Ensino Primário e das Instituições Complementares de Instrução Pública”.

Charles Miller e o futebol
Charles Miller: pioneiro do futebol ma non troppo | Foto: Reprodução

José Moraes informa que, “no capítulo referente à educação física nas escolas, Rui Barbosa defendeu a introdução de exercícios ao ar livre, racionalmente variados, de maneira que os músculos funcionassem harmoniosamente”.

Colégios europeus foram visitados por brasileiros em busca de informações e métodos. “Lá, pela primeira vez, o futebol virou uma opção para o Brasil”, postula José Moraes.

O Colégio São Luís, de Itu — frequentado pela elite paulista —, se tornou pioneiro em adaptar as práticas físicas europeias aos trópicos. “Os padres jesuítas trouxeram novidades” da Inglaterra. “Entre elas estava o posteriormente chamado esporte bretão, modalidade que passou a integrar, entre 1880 e 1890, as práticas esportivas dos estudantes” da escola.

“Um dos primeiros chutes numa bola de futebol no Brasil teria sido dado numa cidade localizada a menos de 70 quilômetros de Campinas”, relata o “Jornal da Unicamp”.

O padre José Montero, do Colégio São Luís, trouxe da Europa duas bolas. Eram “câmaras de ar sob um envoltório de couro, chamado de capotão”.

“Porém”, destaca José Moraes, “à medida que as câmaras importadas foram se desgastando, os jesuítas as substituíram, com resultados satisfatórios, por bexigas de boi”.

A pesquisa do historiador relata que padres e alunos jogavam juntos. “Mas não praticavam o chamado association football, que pressupõe a formação de dois times e a existência de um conjunto de regras. Em vez disso, promoviam um bate-bola na parede.” José Moraes diz que “isso fazia parte de uma estratégia gradual de apresentação do esporte aos alunos”.

Adiante, conta José Moraes, “os padres introduziram duas pequenas marcas em paredes opostas do pátio e dividiram a turma em dois times, camisas verdes de um lado e camisas vermelhas de outro”. Havia chegado a hora de se fazer gols. “As equipes formadas por 11 jogadores e as traves vieram na sequência.” O futebol estava consolidado.

A primeira disputa internacional da Seleção Brasileira de Futebol se deu na Copa Roca, em 1914. Brasil e Argentina jogaram, na Argentina, e os verde-amarelos venceram por 1 a 0 — com gol de Rubens Salles.

A Argentina fez um gol, que acabou anulado. O jogador Leonardi admitiu ao árbitro que havia feito o gol com a mão — antecipando-se a Maradona, na Copa de 1986 — e foi aplaudido por todos.