A poeta americana do Sul Adélia Prado acaba de lançar um livro estupendo, com o título de “O Jardim das Oliveiras” (Record, 144 páginas). Há uma concentração de bom gosto estético — aquele refinamento “natural” dos mestres-inventores — que é raro, não só no Brasil dos Machados, dos Ramos, dos Cabrais e dos três Andrades, e sim em todo o mundo.

Adélia Prado é a maior poeta brasileira viva (é inovadora mesmo usando formas às vezes conservadoras). Espécie de Carlos Drummond de Andrade de saia. Fará 90 anos em dezembro. O Brasil deveria comemorar seu aniversário de joelhos, não como símbolo de dor, e sim de júbilo, alegria.

Adélia Prado capa de O jardim das Oliveiras

Há pouco tempo, ao ser entrevistado por uma rádio de Minas, o governador Romeu Zema — mineiro de Araxá —, quando citaram o nome de Adélia Prado, mineira de Divinópolis, perguntou se trabalhava na emissora. A rádio quase saiu do ar por conta (perdoe, leitor, o cacófato) própria— ruborizada.

Se fosse americana do Norte, ou europeia, é muito provável que Adélia Prado já tivesse faturado o Nobel de Literatura. Este ano ganhou um húngaro cujas “invenções” — parágrafos longuíssimos e jorros mentais — já eram “velhas” quando apareceram nas obras de Proust, Joyce (filho de Édouard Dujardin), Beckett e da turma do nouveau roman francês. Sem dúvida, o europeu do Leste não é um escritor do primeiro time. Entretanto, apresentado como tal, se tornou craque da noite para o dia. Sempre aparece um especialista para dizer aquilo que o homem comum costuma repetir: trata-se de um “gênio literário”.

Milton Hatoum capa de Dança de Enganos

O notável Milton Hatoum, de 73 anos, acaba de lançar o romance “Dança de Enganos” (Companhia das Letras, 269 páginas). O escritor amazonense escreveu um romance mais preciso — se é possível dizer assim — do que os anteriores. No sentido de uma precisão milimétrica ao contar a história. Ao mesmo tempo, a prosa me pareceu mais livre.

Dada sua obra consistente, publicada no exterior, Milton Hatoum apareceu nas bolsas de aposta para o Nobel de Literatura. Merece? Mais do que o húngaro de nome impronunciável. Mas carece do apoio dos lobbies globais.

Citei apenas dois autores vivos (cito outros vivos adiante). Mas poderia ter mencionado dois mortos magníficos — Clarice Lispector e João Gilberto Noll (sua literatura inquietante precisa ser lida com mais atenção).

Clarice Lispector capa de Perto do Coração Selvagem

Clarice Lispector, que viveu apenas 56 anos, é uma escritora mais poderosa do que o português José Saramago (que não é ruim — só não é bom, claro). Há pouca coisa tão boa na literatura patropi quanto “Perto do Coração Selvagem” (1943), “Laços de Família” (1960), “A Paixão Segundo G. H.” (1964), “A Hora da Estrela” (1977) e “A Descoberta do Mundo” (1984). Qualquer um desses livros de ficção vale o Nobel de Literatura. Em conjunto, valem cinco.

O que estou querendo dizer é que temos assunto para discutir, como escritores mortos e escritores vivos, como os citados.

Mas o que está na ordem dia? Virginia Pimenta da Fonseca Serrão, de 32 anos. Quem mesmo? Bem, eu não a “conhecia” até uns dois meses.

Virginia Fonseca e Vini Júnior
Virginia Fonseca e Vini Jr.: a hora da paixão | Fotos: Instagram

Virginia Fonseca (sem acento) é apresentadora (do que, não sei), empresária e influenciadora (de quem, não sei). Nascida nos Estados Unidos, viveu um bom tempo em Governador Valadares, Minas, e depois abancou-se em Goiânia. Casou-se com o cantor, compositor e empresário Zé Felipe — de quem ouvi falar há pouco. A separação foi rumorosa.

Agora, quando dou uma olhada em sites da internet, leio, até sem querer, que Virginia Fonseca está namorando o jogador Vini Júnior, do Real Madri, da Espanha. A jovem branca e o jovem negro formam um belo casal. Há uma sensualidade à flor da pele. Uma “química” que seria admirada pelos presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Lula da Silva, do Brasil.

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Andy Warhol: os quinze minutos de fama estão na ordem do dia | Foto: Reprodução

Mas por que Virginia Fonseca “brilha” mais do que os livros de Adélia Prado, Clarice Lispector e Milton Hatoum? A rigor, não sei. Mas, ao menos nos portais da internet, os livros recém-lançados da poeta mineira e do prosador amazônida quase não são comentados.

Porque é mais fácil ler fofoca — às vezes fabricada pela nova mídia (que mistura informação com entretenimento — não se sabe com qual prevalecendo, talvez o segundo) — do que obras densas e relevantes. Terminei de ler “¿Cómo Fue Que Todo Salió Bien?” (Entropía, 411 páginas, tradução de Juan Nadalini), de Al Alvarez.

Al Alvarez: quem? Sim, o escritor britânico (escreve belamente sobre a poeta Sylvia Plath — foram amigos) que ninguém conhece como Alfred Alvarez, e sim como Al Alvarez. Suas memórias são informativas e divertidas. Merece edição brasileira.

Dau Bastos capa de Difícil É Dormir

Agora, preparo-me para ler “Difícil É Dormir” (Kotter Editorial, 139 páginas), de Dau Bastos. Já li um conto.

Dau Bastos é acadêmico, mas sua literatura não tem o mínimo ranço acadêmico — nem mesmo quando trata da obsessão por celulares. Trata-se de um escritor “vivo”, quer dizer, atento à linguagem e às coisas do cotidiano, que, transfiguradas pela literatura, se tornam mais compreensíveis e, por vezes, mais palatáveis (ou não).

Cadê as resenhas sobre os livros de Dau Bastos — por sinal, autor de obras excelentes sobre Céline (o fabuloso escritor francês que, como indivíduo, era crapuloso) e Machado de Assis (uma biografia curta e precisa)? Ah, não tem. Os críticos estão “preocupados” (espera-se que estejam lendo de verdade, e não copiando resenhas de outras plagas, ou usando inteligência artificial para publicar mais rapidamente) com o húngaro que tenta saltar (com a ajuda da mídia e das editoras globais) do segundo para o primeiro time e, como dito, tem nome impronunciável.

Cristóvão Tezza Visita ao Pai 1

As livrarias receberam o novo livro de Cristóvão Tezza, “Visita ao Pai” (Companhia das Letras, 448 páginas). Outro acontecimento literário (o livro mescla o contar literário a partir de fatos reais — a história do pai e do país. Afinal, a história de um indivíduo é sempre a história de seu rincão. E a história da nação (perdoe o cacófato; adoro cacófato pelo incômodo que provoca nos puristas) é sempre a história do indivíduo que a faz, com outros e um pouquinho sozinho.

Meu notebook não permite que eu ouça o disco “Mil Voltas” (lembrei-me de Vico, o grande filósofo italiano), de João Caetano. Então, peguei meu velho “som”, como se dizia, e coloquei o CD. É de uma beleza (e delicadeza) rara. Um acontecimento. Cadê as críticas e, sim, os aplausos? Não as vi, não escutei os aplausos.

João Gilberto Noll capa de Harmada

No CD, Miguel Pinto Guimarães, que entende do riscado (é belamente poético), escreve: “João Caetano é um esteta. Amante da beleza. Senhor de múltiplas facetas. (…) Sua música tem cheiro de chuva em capim roçado, tem gosto de café com broa de milho, tem cor de arrebol. Sua música tem, ao mesmo tempo, o vigor do tamborilar de um galope e a fugacidade do orvalho aos primeiros raios da aurora”.

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Convido os leitores e ouvintes a escutarem a música de João Caetano (canta bem e o repertório é de primeira linha) e a lerem a obra de Adélia Prado, Milton Hatoum, Clarice Lispector, João Gilberto Noll (acabei de ler o excelente livro “João Aos Pedaços — Biografia de João Gilberto Noll”, de Flávio Ilha), Dau Bastos e Cristóvão Tezza.

Esqueçamos, ao menos por alguns momentos, os escândalos dos ditos famosos, que, como sabia Andy Warhol, são famosos provisórios. Fiquemos com os que agora menos famosos serão eternos, quem sabe.