Poeta sugere que brasileiros leiam Ungulani Ba ka Khosa, Fátima Langa e Angelina Neves

03 outubro 2021 às 00h01

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Luís Nhazilo diz que são lidos em Moçambique: Drummond, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Gullar, Cecília Meireles, Carolina de Jesus, Clarice Lispector e Ana Miranda
Luís Nhazilo, de 24 anos, é um poeta de Moçambique, país africano que se tornou independente de Portugal em 1975 e conta com quase 28 milhões de habitantes (e é pouco maior do que o Chile). É um notável declamador de poesia — com forte presença nas redes sociais, notadamente no Facebook. Ele nasceu em Machava-bedene, Matola, província de Maputo. É ator de cinema e ativista social. Liderou várias campanhas em apoio aos pobres. Cursa Psicologia Escolar na Universidade Eduardo Mondlane.

O bardo representou Moçambique Brave world Magazine — organizada pela editora Indiana. Ficou em 10º lugar no concurso “Projecto Trechos de Poesias”, organizado pelos escritores brasileiros Paulo Vasconcelos e Conceição Maciel.
Nhazilo mantém contato com o editor-chefe do Jornal Opção há algum tempo. Na semana passada, respondeu algumas perguntas do jornal. No final da conversa, ele disse: “Uma vontade de ir a Brasil algum dia renova-se a cada momento”. Sabe que a Língua Portuguesa (falada nos dois países) e a história da escravidão unem os dois países. A rigor, brasileiros e moçambicanos são povos-irmãos.
A redação optou por manter a grafia “de” Moçambique nas respostas (“óptimo”, e não “ótimo”). Nhazilo mandou as respostas por escrito.
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Mia Couto (autor de “O Mapeador de Ausências”, Editora Companhia das Letras), escritor moçambicano, é muito lido no Brasil. É muito lido em Moçambique? Como é visto pela crítica e pelos leitores?
Claro, é sim muito lido e amado. Mia Couto é, sem dúvida, um grande escritor do planeta. Quem o lê mais se interessa pela vastidão de sua obra. Algumas das suas obras literárias são usadas nas nossas escolas como livros de leitura obrigatória, e isso é muito óptimo. É óbvio que, sempre, em livros, haverá preferências; entretanto, cá não foge à regra. Mas, nós, como leitores, acolhemos suas ideias e sábias loucuras.
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Quais autores de Moçambique que você recomenda aos leitores brasileiros?
São tantos e com nível de produção literária muito raro, maduro e incrível. Eis que vos apresento alguns: Ungulani Ba ka Khosa, Paulina Chiziane, Suleiman Cassamo, Aníbal Aleluia, João Borges Coelho, Marcelo Panguana, Aldino Muianga, Adelino Timóteo, Juvenal Bucuane, Fátima Langa, Angelina Neves, Lília Momplé.
Mulher
Fátima Langa
Procurei bonitas palavras
Palavras caras e raras
Palavras de dicionário
Palavras que só os doutores sabem dizer
Para falar de ti, mulher
E não encontrei
Perguntei ao vento ao fogo e ao mar
À terra, ao tempo e espreitei no ar
Buscando alguém,
alguma coisa
Que me dissesse o teu nome
Para eu falar de ti, mulher
E ninguém me respondeu
Então, vasculhei sentimentos e atitudes
E no fundo de cada um
Descobri as tuas pegadas
Por vezes longínquas,
Outras vezes ténues
Mas sempre presentes
numa caminhada perene, penosa
por fim encontrei-te.
Encontrei-te no rosto das crianças
que geraste e criaste
No amor que criaste com grãos de dor
Na esperança que semeaste
em pedaços de desespero
Em feridas que curaste
com lágrimas escondidas
Para não mostrar a face
Encontrei-te
nas bocas saciadas da família
Em pedaços de percurso
entre caminhões e fronteiras
Encontrei-te
também no sono reparador do teu lar
Que semeaste em cada viagem arriscada
A pé, de chapa ou de boleia
Entre insultos, violência e abusos
responde com um sorriso
Encontrei-te nesse amor que só tu sabes cultivar
Nos ombros que emprestas a quem precisa de chorar
Encontrei-te nesse amálgama de emoções
Que vives em cada dia
E que transformas num olhar
Mas vi também pegadas recentes
Nas salas de trabalho de cientistas e cientistas
Reconheci-te com microfones falando para multidões
Descobri que já vem a consolidar espaços novos
nas tecnologias, nas decisões e nos espaços nobres
Nas empresas que algumas já te pertencem
Até condenas criminosos em salas de audiência.
Num momento de pausa
Encontrei-te sozinha com o olhar iluminado
E perguntei-te o teu nome
Respondeste: Sou mulher
(Fátima Langa, 1953-2017, é uma poeta moçambicana)
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Na sua opinião, quais são os grandes poetas de Moçambique e, também, de outros países de Língua Portuguesa?
Com uma sinceridade absoluta, digo, é-me difícil seguir qualquer linha de lógica a definir grandes poetas do meu país, por conta de tanto talento e qualidade, eles são enormíssimos. Rui de Noronha, Luís Patraquim, José Craveirinha, Rui Knofli, Eduardo White, Álvaro Fausto Taruma, Sónia Soltuane, Noémia de Sousa, Macvildo Bonde, Hirondina Joshua, Pedro Pereira Lopes, Lino Mukuruza, Nelson Lineu… fora de portas, podemos encontrar o Fernando Pessoa, Herberto Helder, Hélder Simbad e tantos outros… Ia me esquecendo da Ana Marques também.
Poema de Hélder Simbad
Vagueias-me entre avenidas
arteriais e cidades poemáticas
ou me desces pelos contornos de ti
arranhando corrimões de desejos
em teus satânicos divinolhos
brotam rosados e espinhosos mistérios
bem se pode dizer não és daqui
Em tuas retinas repousam dois reluzentes diamantes
subtraem-se jasmins e malmequeres
nas somas dos teus aromas
multiplicam-se restos de naufrágios
de orquídeas e de rosas
Em teus beijos descansam forças sobrenaturais
todo o herói é cobarde
ante o fogo que trazes entre as pernas
todo o homem é criança a embalar em teus braços
bem se pode dizer não és daqui
Descendes de uma terra sombria
ou de um paraíso desconhecido?
Solitária caminhas em terras desoladas de Eliot
plantando deuses e diabos na minha alma
(De “Não és Daqui”. O poeta angolano Hélder Simbad tem 34 anos)
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Quais autores de prosa (romance e conto), você recomenda para os leitores brasileiros?
Uma variedade deles, são tão bons, uns verdadeiros génios da literatura moçambicana: Ungulani Ba ka Khosa, Luís Bernardo Honwana, Aníbal Aleluia, Adelino Muianga.
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Que escritores jovens você recomenda?
Sérgio Raimundo, Mélio Tinga, Agnaldo Bata, Dany Wambire, Fernando Chaúque, Eusébio Sanjane, Meque Samboco, Jaime Munguambe, Armindo Noma’s.
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Qual a repercussão do livro “Caderno de Memórias Coloniais”, de Isabela Figueiredo, em Moçambique? (A autora relata a crueldade do pai branco com os negros do país, e, ao mesmo tempo, era um bom pai). A imprensa do país publicou críticas a respeito?
Por acaso, no país, a repercussão foi tanto que relativa, pois cada um reagia em conformidade com que percebia do livro. Sem qualquer certeza a respeito da publicação de críticas por parte da imprensa moçambicana.
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Lobo Antunes e José Saramago são duas estrelas literárias de Portugal? E em Moçambique: são lidos?
São lidos. Bem lidos. Na verdade, eu também os leio, mormente o António Lobo Antunes, tem me influenciado muito na produção dos meus micro-contos. No início do mês de agosto, José Saramago foi homenageado por um jovem escritor moçambicano. O evento ocorreu na Fundação Fernando Leite Couto.
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Quais autores brasileiros (poetas e prosadores) são lidos e comentados em Moçambique?
Diversos, mas deixe-me mencionar estes: Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Manuel Bandeira, Ferreira Gullar, Vinícius de Moraes.
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Nenhuma escritora brasileira é muito lida em Moçambique?
São várias que são muito lidas por cá, desde Cecília Meireles a Carolina de Jesus. Clarice Lispector é muito lida e comentada por cá, sabe-se que ela é nascida na Ucrânia e naturalizada no Brasil, é muito ela com talento transcontinental. Temos, ainda, a Adélia Prado, a Ana Miranda que tem sido quase que uma leitura obrigatória.
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O que dizem de Carolina de Jesus em Moçambique?
Um espelho interessante para muita gente. Cá em Moçambique, a maioria da pessoas que mora no Guetto ama muito ela. Em algumas palestras sociais e motivacionais a usam como inspiração. Os que escrevem poesia do combate se inspiram nela.
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Qual é seu escritor brasileiro preferido?
Cresci a gostar tanto do Carlos Drummond de Andrade, mas quando comecei a apreciar outras esferas da literatura, fiquei encantado pelo João Guimarães Rosa.
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Você escreve poesia e declama no Facebook. Tem livros publicados?
Ainda não possuo livros publicados fora as participações em antologias nacionais e internacionais.
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Você declama muito bem. Qual é sua inspiração?
Muitíssimo obrigado. Futebol, em parte. Amo o relato dos jogos. Isso ajuda-me muito a treinar a musicalidade dos meus textos. Mas também, inspiro-me no que vivo, sobretudo a depressão. Explico-me, já estive quase morto, tantas vezes, no fundo do poço, mas a poesia me salvou. Sou sobrevivente de corpo à alma.
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José Eduardo Agualusa, de Angola, é um escritor muito lido em Moçambique?
É, sim, lido… Talvez, nos tempos que vêm o mundo moçambicano descubra a grande qualidade que há nos livros do Agualusa e leia muito mais ainda.
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O que os moçambicanos em geral conhecem do Brasil? Falam da questão da escravidão?
Sobre a triste perseguição das pessoas negras, contudo, não se deixe de lado esse combate de há anos de negritude entre brasileiros e moçambicanos que, na maioria das vezes, tem sido através da literatura. Pouco fala-se.
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