Paulo Caruso, um dos maiores cartunistas do Brasil, morre aos 73. Era gêmeo de Chico Caruso

04 março 2023 às 10h24

COMPARTILHAR
Pode-se sugerir que Paulo Caruso — ao lado do irmão gêmeo Chico Caruso — reinventou o Brasil por intermédio do riso e do desenho. Ele sabia tirar a roupa do autoritarismo e do formalismo do país e mostrá-lo como realmente é (matreiro, ardiloso e terrível). Seu traço preciso lembrava a arte renascentista, mas influenciado pelos artistas que vieram depois, como cubistas e surrealistas.
Paulo Caruso morreu no sábado, 4, aos 73 anos, em São Paulo. Conhecido também por suas charges no programa Roda Viva, da TV Cultura, ele estava internado no Hospital 9 de julho. Tinha câncer. Neste fim de semana, a imprensa brasileira também perdeu o comentarista esportivo Márcio Guedes.
Nascido em 1949, em São Paulo, Paulo José Hespanba Caruso era, digamos, um artista (criador) múltiplo. Era caricaturista, ilustrador, chargista e músico. Apesar de ter estudado arquitetura, não seguiu a carreira de arquiteto. Mas seu traço preciso — o que não quer dizer burocrático e acadêmico — deve muito à sua formação acadêmica (e, claro, ao seu imenso talento). Ele chegou a montar uma banda de música com cartunistas. Um divertimento, porque sua grande arte — sua praia — era mesmo o cartum.
“Desde os 4, 5 nos de idade a gente desenhava sem parar, incentivado pelo nosso avô materno, que era pintor amador, pegava na mão da gente e ensinava a desenhar. Foi quem me ensinou a tocar violão também”, contou Paulo Caruso no programa Conversa com Bial.
Já o interesse por política começou um pouco mais tarde. “A gente pegou com 14 anos, em 64 veio o golpe.” E, logo depois, a censura.
Em 1969, anos duros para o país, porque a “dita” havia ficado mais “dura” — o AI-5 (de 1968) é visto como um golpe dentro do golpe —, os irmãos começaram a trabalhar em jornal. “Aí a politização foi quase uma obrigação”, disse Paulo Caruso.
O “Diário Popular” foi o primeiro jornal onde trabalhou Paulo Caruso, na década de 1960. Depois, trabalhou na “Folha de S. Paulo” e no jornal alternativo “Movimento” (era de esquerda).
Ao lado de Tarso de Castro, Sérgio Augusto, Paulo Francis, Millôr Fernandes, Jaguar e Ziraldo, Paulo Caruso trabalhou no “Pasquim”. A famosa coluna “Avenida Brasil começou a ser publicada na revista “IstoÉ” em 1988. Ele transformou, por assim dizer, a política patropi numa espécie de Divina Comédia, às vezes mais comédia do que divina. Como tantos outros, eu tinha o hábito de começar a leitura da “IstoÉ” pela última página — a de Paulo Caruso, mais do que “da” revista.
Paulo Caruso reuniu suas charges políticas e publicou-as no livro “Avenida Brasil”, em 1992. Ele publicou outros livros, como “As Origens do Capitão Bandeira”, “Ecos do Ipiranga” e “Bar Brasil na Nova República”. De alguma maneira, ele iluminou, interpretou e criticou a história do Brasil por meio de suas charges divertidas, inteligentes e muito bem-feitas. Seu traço era inconfundível.
Irônico, o cartunista dizia que “a matéria-prima é toda fornecida pelo governo. Eu acho que nós, cartunistas, deveríamos virar ‘estatal’ porque nós dependemos tanto do governo para nossa produção”. Os políticos até podiam não “apanhar” dos eleitores, mas, sem dúvida, “apanhavam” de Paulo Caruso, uma espécie de anjo vingador do povão.
Em 1994, Paulo Caruso recebeu o prêmio de melhor desenhista da Associação Paulistas dos Críticos de Arte (APCA).
Nos últimos anos, Paulo Caruso era o cartunista do programa “Roda Vida”, da TV Cultura. Consta que os entrevistados e os entrevistadores disputavam quase a tapa os originais dos cartuns-charges feitos durante o programa.
Grande herói do quadrinho brasileiro
A cartunista Laerte afirmou, numa rede social: Paulo Caruso, querido, morreu. Grande herói do quadrinho. Beijo, Paulo”.
O chargista Aroeira disse: “Soube agora que meu querido irmão, amigo, colega de palco não está mais aqui. Esse artista monumental não está mais aqui. Mas como diz Eliana Caruso, de tão vivo, ele continua vivo, pelo trabalho, pela obra, por tudo que ele deixa. Eu não sei como lidar com tudo isso. Tchau, Paulo. Um beijo para você”.