Papel de editor é abrir espaço para correntes divergentes e não patrocinar espírito de seita

23 junho 2019 às 00h00

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Direita e esquerda não apreciaram análises do caso Sergio Moro-Deltan Dallagnol versus Intercept Brasil

Períodos políticos altamente conflagrados costumam produzir leitores que exigem jornais “exclusivos”, “seus”, não de todos. O papel de um editor moderado e moderador é, portanto, essencial. Na semana passada, dois tipos de leitores — alguns inclusive intelectualizados — patrulharam ideologicamente o Jornal Opção de modo ostensivo. Uns queriam puxá-lo para a direita e outros para a esquerda. Os mais ativos eram os de direita.
Um dos leitores escreveu que o editor do jornal já havia sido “mais esperto”. Outro se disse “decepcionado”. Ambos são de direita. Um avalia que Gustavo Corção é um gênio do quilate de Machado de Assis e James Joyce. Fez o curso de Olavo de Carvalho e o que diz o filósofo é dogma.
Um leitor de esquerda, comentando o artigo de um colaborador — portanto não era uma opinião da redação —, sugeriu que o jornal estava do lado “errado” da história, quer dizer, supostamente contra a esquerda e a favor da direita. Curiosamente, como o jornal publicou um texto sugerindo que quaisquer jornais divulgariam as conversas entre Sergio Moro, quando era juiz, e Deltan Dallagnol, procurador da República, a direita tachou-o de esquerdista.

Parece que é assim que alguns leitores veem os jornais. Se um texto é de alguém que defende Bolsonaro, o jornal se torna direitista. Se o texto é de alguém que critica Bolsonaro, o jornal é tido como esquerdista.
Não há nuances. Não passa pela cabeça de tais leitores que jornais devem publicar pensamentos divergentes e deixar as conclusões para os leitores. O Jornal Opção quer informar e contribuir para a formação de seus leitores, mas não se interessa por “fazer cabeças”. Por isso, vai continuar publicando textos, internos, de seus repórteres, e externos, de colaboradores, divergentes — de centro, de direita, de esquerda. Seja o que for.
Há algum tempo, um colaborador deixou o jornal, apresentando a explicação de que o jornal era “de direita”. Curiosamente, escreveu no jornal durante 15 anos — !, sim a exclamação, entre travessões, é necessária — e saiu com um argumento que pode convencer uma criança de 2 mas não uma de 5 anos. Na verdade, ele queria escrever em “O Popular” e arranjou uma desculpa — esfarrapada, por certo. Lá, em pouco tempo, estava “esvaziado”. No Jornal Opção, escrevendo textos de esquerda — ou não —, era livre e nenhum de seus textos sofreu quaisquer alterações, exceto gramaticais.
Na semana passada, um colaborador, que se apresenta como “conservador” — de direita, anticomunista, católico —, desligou-se do jornal. Ele ficou chocado com a possível leitura de opiniões diferentes das suas — o que em geral não ocorre com indivíduos democráticos. Ele queria que o jornal se posicionasse a favor de Sergio Moro e Deltan Dallagnol e contra seus críticos. Mas o jornal assumiu outra posição: publicou textos divergentes — contrastando opiniões e análises. Pelo visto, não agradou todos os leitores, notadamente os engajados. Mas cumpriu o seu papel de se manter como um veículo de comunicação democrático.
O autor das linhas acima não é de esquerda (e foi o primeiro a abrir espaço para Olavo de Carvalho em Goiás), mas avalia que a esquerda (como Aldo Arantes e Adriana Accorsi) merece espaço no jornal que dirige, ao lado da editora-proprietária, Patrícia Moraes, igualmente jornalista. Radicais nunca ficam satisfeitos com jornais “abertos”, não há como contentá-los. Mas, quando contribui para ampliar o debate (há jornais que se limitam a publicar material das agências de notícias, tendo sua identidade construída não por si, mas por outros), quando não aceita o espírito de seita, um jornal cresce. Nós pensamos assim.