Odette Churchill foi a espiã mais condecorada da Segunda Guerra Mundial

07 julho 2019 às 00h00

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Torturada pela Gestapo, a francesa não entregou nenhum dos espiões. Nazistas não a mataram pensando que era parente de Winston Churchill
Há vários livros sobre espionagem na Segunda Guerra Mundial. “La Guerra Secreta — Espías, Códigos y Guerrillas: 1939-1945” (Crítica, 790 páginas, tradução de Cecilia Belza e David Léon), de Max Hastings, é, possivelmente, o mais amplo e atualizado. “Esta é a melhor história sobre a guerra de espionagem”, assinala Simon Sebag Montefiore. “Hastings escreveu o melhor livro sobre a espionagem durante a Segunda Guerra Mundial”, anota Lawrence Rees. É uma bíblia sobre o assunto. Kim Philby, o espião inglês a serviço da Moscou comunista, é exposto à luz das novas pesquisas. Garbo, que contribuiu para enganar os alemães sobre o ataque na Normandia — o Dia D —, tem seu papel ressaltado. Na página 591, há referência a um escritor e político patropi: “Durante uma visita a Portugal e Espanha, em julho de 1942, [Walter] Schellenberg presidiu uma série de negociações com certo exilado brasileiro, de nome Plínio Salgado, que, depois de prometer grandes coisas para a causa alemã, não ofereceu nada”. Plínio Salgado era líder do Partido Integralista Brasileiro — de matiz fascista —, proscrito pelo Estado Novo do presidente Getúlio Vargas. Trata-se da única referência ao direitista dos trópicos.
Estranhamente, não há referência no livro de Max Hastings ao espião Dusan Miladoroff Popov, Dusko — o homem no qual Ian Fleming baseou-se para criar a personagem James Bond. Assim como Juan Pujol García, o Garbo, Dusko contribuiu com os ingleses do MI5 para enganar a Alemanha de Hitler a respeito da invasão do Dia D. A história de Dusko Popov está devidamente contada, e muito bem, no livro “Na Toca do Lobo — História do James Bond da Vida Real” (Vogais, 414 páginas, tradução de Rita Garcia), de Larry Loftis. Trata-se de uma história fascinante.

Se a história de Dusko Popov é conhecida, a da francesa Odette Sansom Hallowes — Odette Churchill —, não é. Mas tende a se tornar com a publicação do livro “Nome de Código Lise — A Verdadeira História da Espia Mais Condecorada da Segunda Guerra Mundial” (Vogais, 368 páginas), de Larry Loftis. (Em Portugal, opta-se por “espia” e não “espiã”.)
No prefácio, Larry Loftis conta que, depois de ter escrito a biografia do grande Dusko Popov, ficou mais ou menos sem rumo. Chegou a pensar em Garbo, mas havia pesquisas sobre o espião. Segundo o livro “Garbo — O Espião Que Derrotou Hitler” (Relume Dumará, 339 páginas, tradução de Luciana Aché), de Javier Juárez, o catalão Juan Pujol García “se tornou o agente duplo mais importante da Segunda Guerra Mundial e o espião que mais contribuiu para o sucesso do desembarque na Normandia e para a vitória final aliada”. O livro de Max Hastings corrobora a importância de Garbo (o codinome é uma referência à atriz sueca Greta Garbo), que, por sinal, tentou morar no Brasil. Mas, ao descobrir Odette Churchill, Larry Loftis achou seu eldorado.
O “Diário de Notícias”, jornal de Portugal, publicou uma resenha do livro de Larry Loftis, “A história da dona de casa que foi a espia mais condecorada da II Guerra Mundial”, na edição de 27 de junho deste ano. Consultei um trecho da obra no site da Editora Vogais. No prefácio, o autor assinala: “Questionei-me como era possível que quase ninguém tivesse conhecimento daquela mulher. Afinal, foi feito um filme sobre ela em 1950, ‘Odette’, estreado com grande aclamação em Inglaterra e nos Estados Unidos. Ao prosseguir com a pesquisa, encontrei mais um facto extraordinário: Odette era não só a mulher mais condecorada da Segunda Guerra Mundial, mas também o espião mais condecorado, fosse homem ou mulher”.
Mãe de três filhas, Odette Sansom era uma dona de casa. “Não bebia, não fumava, nem praguejava.” Insuspeita, portanto. Na verdade, era uma espiã “e uma assassina treinada, uma heroína da Resistência Francesa, que foi presa, torturada e levada para um campo de concentração, sem ter” dedurado seus companheiros de jornada. A integrante do SOE (Executivo de Operações Especiais) tornou-se, vale insistir, “a mais condecorada de todos os espiões da Segunda Guerra Mundial”.
Larry Loftis diz que Dusko Popov, Juan “Garbo” Pujol e Roman Garby-Czerniawski, Brutus, “foram grandes espiões e determinantes para enganar os alemães quanto ao Dia D, todos eles foram condecorados, mas as suas condecorações empalidecem quando comparadas com as de uma espia chamada Odette Sansom (nome de código: Lise), distinguida com a Ordem do Império Britânico, a Ordem Nacional da Legião de Honra (a maior condecoração francesa), a Cruz de Jorge (a mais alta condecoração civil do Reino Unido), e mais outras cinco medalhas”.
A descoberta da história de Odette-Lise se deu com a leitura do livro “História do Coronel Henri”, memórias do sargento Hugo Bleicher, que, como agente secreto da Alemanha, atuava contra a Resistência Francesa na França controlada pelos nazistas.
Hugo Bleicher, ao investigar a rede de espiões na França, encontrou Odette-Lise — que, apesar da existência de documentação, não aparece nem em nota de rodapé nos livros de história (como a obra crucial de Max Hastings).

Odette Hansom, casada com o inglês, voltou à França para trabalhar como “mensageira” da Resistência, em 1942, para o SOE. No país de André Gide, conhece o capitão Peter Churchill, chefe dos espiões. Os dois se apaixonam. Traídos por um agente, foram presos por Hugo Bleicher. Em Paris, Peter Churchill, fingindo-se de “tonto”, admitiu que era inglês, e nada mais. Talvez para preservá-lo, e aos demais espiões, a francesa admitiu, corajosamente, que era a líder da rede. Não dedurou nenhum de seus companheiros. Irritava os nazistas ao repetir: “Não tenho nada a dizer”.
Torturada pela Gestapo
A Gestapo interrogou Odette Hansom 14 vezes. Torturou-a e deixou-a faminta. Como a espiã mantinha-se silenciosa, a Gestapo a enviou para o campo de concentração de Ravensbrück, com o objetivo de matá-la. Colocada numa cela minúscula — com a temperatura variando de gelada a quente —, definhou, por três meses e oito dias. Quase não era alimentada. A luz ficava acesa apenas por cinco minutos diários. “O corpo não tardou a ficar coberto de chagas, sofreu de desinteria e escorbuto, perdeu o cabelo e dentes, e acabou por sucumbir a um estado de semi-coma, mas o médico da enfermaria reanimou com uma injeção e ela voltou para a cela. Aguentou até ao fim sem nunca entregar o nome de nenhum agente.”
Sua coragem, embora enaltecida pelos superiores, somente agora é ampla e publicamaente reconhecida, por causa do livro de Larry Loftis. Por que sobreviveu? Não se sabe exatamente. Ela acreditava que pode ter escapado por causa do sobrenome Churchill. Peter Churchill e Winston Churchill compartilhavam o sobrenome, mas não eram parentes. Mas os alemães pareciam acreditar no parentesco e, talvez por isso, decidiram não matá-la, apesar de submetê-la a condições de existência desumanas. É possível que a resistência de Odette Hansom, que não quis entregar os demais espiões, tenha convencido os nazistas de que se tratava de uma mulher altamente preparada, psiquicamente, e ligada ao primeiro-ministro da Inglaterra. Quando a Europa estava “deitada”, praticamente aceitando o nazismo como vitorioso, portanto incontornável, Winston levantou-a, com palavras, mais, e atos, menos. Aquele homem durão, apesar da pança e do uísque, era respeitado por Adolf Hitler e outros nazistas. A determinação e a coragem de Odette Hansom Churchill eram equivalentes ao caráter intimorato do líder dos britânicos. Detalhe: a espiã não desmentia o “parentesco”.
O mais provável é que Odette Hansom não morreu porque era durona e sua mente e seu corpo conseguiram reagir às durezas do campo de concentração. A própria Lise era, digamos, o “medicamento” e o “alimento” que salvaram sua vida.
Depois da guerra, em 1956, Odette Hansom Churchill separou-se de Peter Churchill e se casou com Geoffrey Hallowes. A espiã destemida morreu aos 82 anos, em 1995.