O jornalista e escritor Klester Cavalcanti conta a história de Júlio Santana, que matou quase 500 pessoas, entre elas a guerrilheira Maria Lúcia Petit, crianças, mulheres e o sindicalista goiano Nativo da Natividade (no mandato de Iris Rezende e Onofre Quinan). Ele feriu José Genoino, na Guerrilha do Araguaia

“Só mato quando me pagam para matar.” Júlio Santana

“O Nome da Morte” mostra que a realidade pode ser tão ou mais virulenta do que obras literárias. Fiódor Dostoiévski possivelmente ficaria interessado na história do assassino brasileiro Júlio Santana
“O Nome da Morte” mostra que a realidade pode ser tão ou mais virulenta do que obras literárias. Fiódor Dostoiévski possivelmente ficaria interessado na história do assassino brasileiro Júlio Santana

O livro “O Nome da Mor­te — A História Real de Júlio Santana, O Homem que Já Ma­tou 492 Pessoas” (Editora Planeta, 245 páginas), do jornalista Klester Cavalcanti, ex-repórter da “Veja”, contém histórias impressionantes e muito bem-contadas. Persistente, Klester demorou sete anos para convencer Júlio Santana, o Julão, hoje com 60 anos, a relatar sua história. O assassino serial começou a matar aos 17 anos, ajudou a prender José Genoino Neto e matou Maria Lúcia Petit, na Guerrilha do Araguaia, em 1972. Mais tarde, matou, em Goiás, o sindicalista Nativo da Natividade e um homem não identificado no livro em Porangatu, Norte do Estado.

Leitores menos atentos podem alegar que o repórter trata um “monstro” como se fosse um ser humano “normal”. É um engano. Se tivesse tentado mostrar Júlio Santana como “monstro”, primeiro, a história não teria sido contada; depois, a tentativa de demonização não seria útil para compreender a personagem que, apesar de tudo, é muito rica. Ao mostrar, mais do que demonstrar, Klester julga o assassino, ou melhor, o julgamento é a narrativa de sua história.
O romance “Crime e Castigo”, do escritor russo Fiódor Dostoié­vski, conta a história de Raskól­ni­kov, o jovem que mata duas mulheres e tenta justificar os crimes filosoficamente. Mesmo sendo ficção, a história é espantosa. O livro de Klester prova que a realidade pode superar a ficção. Nem mesmo Dostoiévski, um escritor que tinha um instinto especial para descrever as misérias humanas, seria capaz de imaginar Júlio Santana. Raskólnikov é frango de granja perto de Júlio Santana.

Aos 17 anos, Júlio Santana tinha 1,76m e era excelente atirador (“aos 11 anos, o garoto já conseguia acertar um animal ‘do outro lado do rio’”, o Tocantins, “a uma distância de cerca de 100 metros”). A família vivia do que pescava e caçava em Porto Franco, à beira do Rio Tocantins, no Estado do Maranhão. Em agosto de 1971, o jovem recebe a visita do tio Cícero Santana, de 31 anos, que dizia ser policial militar. Pistoleiro, Cícero havia sido contratado para matar Antônio Martins, o Amarelo. Marcos Lima, pai de uma garota de 13 anos que havia sido estuprada por Amarelo, pagou para Cícero liquidá-lo.

Com malária, Cícero não tinha condições físicas de matar Ama­relo, mas, como já havia recebido parte da recompensa, decidiu convencer Júlio a substituí-lo. “Tio, eu não quero saber de nada disso. Eu não vou matar ninguém. Até agora, não consigo acreditar que o senhor está me pedindo um negócio desse. Quer que eu vire um assassino como o senhor? Deus me livre”, disse Júlio.

Pressionado por Cícero, a quem admirava, Júlio aceitou matar Amarelo: “Está bem, tio. Eu vou fazer esse serviço para o senhor. Mas nunca mais me peça uma coisa dessas”. Mesmo assim, o garoto relutou. O tio insistiu: “Depois de matar Amarelo, é só você pedir perdão a Deus e Ele vai perdoar”. Aproveitando que o adolescente ficou confuso, Cícero continuou: “Deus perdoa tudo, Julão. (…) Amanhã, depois de matar Amarelo, você volta para casa e reza dez ave-marias e 20 pai-nossos. Assim, eu garanto que você estará perdoado”.

Depois da conversa, Júlio seguiu para a mata e, após relutar muito, atirou em Amarelo, matando-o. Ao se encontrar com o tio, disse, profundamente abalado: “Só quero esquecer essa desgraça toda. E nunca mais venha conversar comigo sobre esse negócio de matar gente para ganhar dinheiro. Não quero nem ouvir falar nesse tipo de coisa”. Deitado numa rede, prometeu a Deus: “Nunca mais vou matar ninguém na minha vida, Senhor. Nunca mais”.

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