Editora lança clássicos da crítica literária do autor do romance Lolita

Vladimir Nabokov capa do livro sobre lições de literatura

O escritor russo Vladimir Nabokov é consagrado pelo romance “Lolita”, mas escreveu outros livros de uma prosa extraordinária, como “Ada”, “A Verdadeira Vida de Sebastian Knight” e “Fogo Pálido”. Os “Contos Reunidos”, publicados recentemente pela Alfaguara, mostram-no como excelente autor de histórias (mais) curtas. Mas só recentemente sua crítica literária foi publicada no Brasil (cópias das edições portuguesas circulavam nas mãos de leitores atentos).

“Lições de Literatura Russa” (Três Estrelas, 400 páginas, tradução de Jorio Dauster) contém ensaios seminais sobre Dostoiévski (de quem o crítico não gostava; “aquele que prefere Dostoiévski ou Górki a Tchekhov nunca será capaz de apreender a essência da literatura e da vida russas”, escreveu), Gógol (de tão apaixonado, escreveu uma pequena biografia), Górki, Tchekhov, Tolstói (uma de suas paixões literárias, ao lado do poeta Púchkin) e Turguêniev. Os textos foram usados em suas aulas de literatura em universidades americanas, como Cornell.

Vladimir Nabokov capa do livro sobre literatura russa

Noutro livro excepcional, “Lições de Literatura” (Três Estrelas, 464 páginas, tradução de Jorio Nabokov), Nabokov examina a prosa de Jane Austen, Dickens, Flaubert, Kafka, James Joyce, Proust e Robert Louis Stevensen. Poderia muito bem ter incluído Thomas Mann e ter retirado Stevensen (um dos ídolos literários de Jorge Luis Borges). As análises de Flaubert, Kafka, Joyce e Proust são excepcionais, revelando um leitor atentíssimo da literatura alheia.

A editora portuguesa Assírio & Alvim publicou um livro interessantíssimo de Vladimir Nabokov, “Opiniões Fortes” (377 páginas, tradução de Carlos Leite). Contém entrevista, textos críticos e comentários curtos e corrosivos sobre seus críticos.

Perguntam para o escritor: “Que opinião tem do chamado ‘novo romance’ em França?” Sua resposta: “Os grupos, os movimentos, as escolas de escrita e assim por diante não me interessam. Interessa-me apenas o artista individual. Esse ‘novo romance’ não existe realmente; mas existe um grande escritor francês, Robbe-Grillet; o seu trabalho é imitado grotescamente por uma quantidade de escribas banais a quem um falso rótulo serve comercialmente”.

Vladimir Nabokov 23

Comentário de Vladimir Nabokov sobre George Steiner: “O artigo do senhor Steiner (‘Extraterritorial’) assenta em sólidas abstracções e opacas generalizações. Alguns pontos podem ser destacados e devem ser corrigidos. Ele sobrestima absurdamente o domínio do francês de Oscar Wilde. É humano mas um pouco vulgar da sua parte repreender o meu Van Veen por escarnecer do meu ‘Lolita’ (o qual, numa forma transfigurada, magnanimamente transpus para um colega autor); seria mais sensato da sua parte ler ‘Ada’ com mais cuidado do que os atrasados mentais que justamente condena por rejeitarem como hermética a prosa límpida dum escritor. A uma informação errada devo fortemente opor-me: nunca pertenci à ‘haute bourgeoisie’ em que ele severamente me inclui (mais ou menos como aquele crítico marxista do meu ‘Na Outra Margem da Memória’ que classificou o meu pai como ‘plutocrata’ e ‘homem de negócio’!). Os Nabokov foram soldados e nobres rurais desde (pelo menos) o século XV”.

Numa entrevista, de 1972, fala de Boris Pasternak, poeta que ficou famoso pelo romance “Doutor Jivago”: “Qualquer russo inteligente veria imediatamente que o livro é pró-bolchevique e historicamente falso, quanto mais não seja por ignorar a Revolução Liberal da Primavera de 1917, ao mesmo tempo que põe o santo doutor a aceitar com alegria o ‘coup d’etat’ bolchevique sete meses mais tarde… tudo isto segue a linha do partido. Deixando de lado a política, considero o livro uma coisa triste, mal feita, trivial e melodramática, com situações de catálogo, advogados voluptuosos, raparigas incríveis e coincidências mais do que estafadas”.

O entrevistador (anônimo) pergunta: “Contudo tem uma opinião elevada de Pasternak como poeta lírico?” Sua réplica: “Sim, aplaudi ter ganho o Prêmio Nobel pela força do seu verso. No entanto, no ‘D. Jivago’, a prosa não está à altura da sua poesia. Aqui e ali, numa paisagem ou num sorriso, podem-se distinguir, talvez, leves ecos da sua voz poética, mas essas ‘fioriture’ ocasionais são insuficientes para salvar o seu romance da banalidade provinciana tão típica da literatura soviética dos últimos cinquenta anos. Essa ligação com a tradição soviética precisamente tornou caro o livro aos nossos leitores progressistas. Simpatizei profundamente com o calvário de Pasternak num Estado policial; contudo, nem as vulgaridades do estilo de ‘Jivago’ nem uma filosofia que procura refúgio num tipo doentiamente açucarado de cristianismo poderia alguma vez transformar essa simpatia em entusiasmo dum colega escritor”.