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O americano Washington Irving escreveu a melhor biografia do senador piauiense Ciro Nogueira em 1819 e a publicou sob o título de “Rip Van Winkle”.

Trata-se, lógico, de uma brincadeira. Pois Ciro Nogueira é um homem dos séculos 20 e 21 e Washington Irving, autor do excelente conto, é um escritor dos séculos 18 e 19.

Rip Van Winkle dormiu durante 20 anos. Quando acordou, o mundo à sua volta era completamente outro e o homem não o entendia mais.

Por que associar Ciro Nogueira a Rip Van Winkle? Porque o presidente do pP, um político moderado — e, creio, nada golpista, apesar de se associar a golpistas —, parece que estava dormindo há sete anos, desde 2018, e, de repente, acordou.

Num piscar de olho, Ciro Nogueira despertou e voltou a adotar o bom senso como norma. A diferença entre Rip Van Winkle e o senador é que, este, voltou atento à sua volta — realista e pragmático. Mas por que demorou tanto a acordar?

Em sete anos, Ciro Nogueira, político atilado, não tinha percebido o radicalismo, o extremismo da direita bolsonarista?

Entretanto, antes tarde do que nunca; afinal, a Inês não está morta. Assim como a democracia, está viva.

Num acesso de bom senso e realismo — um site falou em “surto” (teria sido melhor “transe”?) —, Ciro Nogueira desabafou no X (e, vale sublinhar, corretamente): “Já está passando de todos os limites a falta de bom senso da direita, digo aqui a centro-direita, a própria direita e seu extremo. Ou nos unificamos ou vamos jogar fora uma eleição ganha outra vez”.

A falta de bom senso é notória e a extrema direita está levando eleitores a se afastarem da direita, até da centro-direita. Há, por assim dizer, um cerco à direita, que está se isolando. Mas por que Ciro Nogueira só percebeu isto agora ou pelo menos só se expressou agora? Talvez porque a direita e o centro, ante a forte pressão da extrema direita bolsonarista, receavam se isolar e perder o apoio do eleitorado anti-esquerda.

No momento, com a ascensão do presidente Lula da Silva, do PT, e com o relativo isolamento da direita, Rip Van Winkle acordou e, de maneira sensata, lavrou seu protesto numa rede social.

Rip van Winkle dormiu durante 20 anos e, quando acordou, não entendia o presente | Foto: Reprodução

Porém, vale insistir: por que Ciro Nogueira, como o personagem de Washington Irving, demorou tanto a acordar?

A rigor, o sono de Ciro Nogueira nem é tão pesado e longevo. Na verdade, o senador estava se preparando para ser vice de Tarcísio de Freitas, o candidato de Jair Bolsonaro a presidente da República.

Porém, o bolsonarismo radical, a extrema direita manipulada por Eduardo Bolsonaro, veta a candidatura do governador de São Paulo a presidente da República. Por sinal, contrariando o próprio Jair Bolsonaro, que, em prisão domiciliar, parece um fantasma que às vezes anda.

Com problemas no Piauí, onde terá dificuldade para disputar o Senado, Ciro Nogueira, se Tarcísio de Freitas não voltar ao palco, corre risco de sair de cena no Nordeste e no plano nacional. Daí acordar, como Rip Van Winkle, e esbravejar — insistamos, de maneira precisa.

A frase de Ciro Nogueira, registrada acima, contém um problema. Não se ganha eleição por antecipação. Então, pelos dados da circunstância, a disputa de 2026 tende a ser muito difícil. Nenhum pré-candidato, nem mesmo Lula da Silva, o favorito, pode garantir que está com a “eleição na mão”. Porque não está.

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Ronaldo Caiado: alternativa da direita civilizada e democrática | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Por isso, quando prega a união das direitas com o centro — ao qual pertence —, Ciro Nogueira não se equivoca. A eleição de 2026 pode ser tão “apertada” quanto a de 2022. Lula da Silva, na disputa passada, venceu por uma diferença de 2 milhões de votos.

Mesmo relativamente tardio, o “surto” de Ciro Nogueira — um surto positivo, digamos — ocorreu no momento certo. A direita e o centro, se quiserem ter uma chance contra Lula da Silva, precisam virar uma página chamada “família Bolsonaro” e buscar uma união ampla, o que não significa, porém, que não possa ter dois candidatos, como Tarcísio de Freitas (ou Ratinho Júnior, do PSD) e Ronaldo Caiado, do União Brasil.

Virar a página da família Bolsonaro — sobretudo do eterno Eduardo “Rip Van Winkle” Bolsonaro — não significa desprezar o eleitorado bolsonarista, que permanece grande. Significa propor ideias no campo democrático e reforçar que as instituições precisam ser protegidas e fortalecidas. A direita e o centro precisam se posicionar, de maneira firme, como pertencentes ao campo democrático. Afinal, a sociedade não quer e não aceita ditadura.