Novo manual de redação vai desengessar jornalismo da Folha de S. Paulo?

24 fevereiro 2018 às 13h27

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Se disciplinou e uniformizou o texto, dando-lhe mais objetividade, o primeiro manual empobreceu a qualidade do jornal

Manuais de redação nem sempre ajudam a escrever e, por vezes, engessam o talento dos melhores jornalistas. O primeiro manual da “Folha de S. Paulo” era praticamente uma camisa-de-força e recebeu críticas de vários profissionais. Parecia um manual de redação escrito por não-jornalistas e contribuiu para o empobrecimento geral dos textos do jornal. Aos poucos, as normas foram flexibilizadas.
As redações precisam de normas, porém, se muito rígidas, contribuem para reduzir a criatividade. O texto de Ruy Castro, um jornalista notável, deve ser enquadrado pelo manual ou o manual deve se enquadrar à sua escrita? Normas básicas são necessárias, senão prevalece a anarquia. Mas a liberdade ao jornalista de mais qualidade cria uma diversidade que é positiva para o jornal e seus leitores.
Os melhores textos da imprensa brasileira não estão nos jornais, e sim nas revistas, como “Piauí”, “Veja” e “Época” (a nova diretora de redação, Daniela Pinheiro, valoriza a reportagem qualitativa, mais densa; o nome de quem escreveu a reportagem chega a ser mencionado na capa), e em alguns sites. Mesmo não tenho aderido ao jornalismo autoral ou literário, o “Estadão” e “O Globo” têm, paulatinamente, melhorado a qualidade de suas reportagens. A “Folha” ficou para trás, mas está tentando recuperar o tempo perdido. Sua aposta (correta) na objetividade, sinônimo de busca de precisão (e não apenas em tempo de fakes news), às vezes sacrificou a beleza da linguagem, tornando a Língua Portuguesa menos rica e flexível. Há textos que parecem escritos por autômatos. Os Frias “esfriaram” o jornal. A inspiração parecia ser o “USA Today”, jornal mediano. O mau humor do jornal, excetuando o excepcional José Simão, também é proverbial — assim como a busca incisiva pela exposição do fato puramente negativo (o “deslize”, na linguagem de Otavio Frias Filho, o diretor de redação e verdadeira alma da “Folha”).
A “Folha” lança agora uma edição, aparentemente revigorada: “Manual da Redação — As Normas de Escrita e Conduta do Principal Jornal do País” (448 páginas). Precisava mesmo do “principal jornal do país”? Só como marketing. Porque um jornal não pode ser avaliado tão-somente pelos números de sua circulação (a circulação do “Daqui” é maior do que a de “O Popular”, mas não tem a qualidade editorial do segundo). Os leitores de “O Estado de S. Paulo” podem avaliar que se trata do “principal jornal do país”. Assim como os leitores de “O Globo”. Para meu gosto, o melhor jornal do país é o “Valor Econômico” e a revista, a “Piauí”. A “Veja”, com seus defeitos — nada é perfeito no mundo e a beleza deste talvez resida na sua imperfeição (se o mundo fosse perfeito não existiriam Dostoiévski e sua excelente literatura) —, persiste a mais qualificada revista semanal do país, embora a “Época” esteja produzindo reportagens de alta qualidade, menos circunscritas à política.
Detalhe: a briga com o Facebook demonstra que, como empresa — negócio —, a “Folha” está perdendo terreno. A rede social é o motivo direto da ira dos Frias (Luiz e Otavio). Mas o pano de fundo é o fato de que o Facebook e o Google, para citar apenas dois drummonds no meio do caminho, estão engolindo verbas publicitárias que antes eram dirigidas aos jornais e redes e emissoras de televisão. Os jornais são muito bem-sucedidos na internet — em termos de acesso —, mas, como negócio, não se equiparam ao Facebook e ao Google. O jornal, para além de sua guerra particular, acabará tendo de copiar o modelo comercial — e inclusive a interação com os leitores — daqueles que avalia como adversários.