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Há uma guerra comercial entre os Estados Unidos do capitalista Donald Trump e a China do comunista Xi Jinping.

O establishment americano — o dito Império — escolheu Donald Trump para falar grosso contra a China.

A batalha, por enquanto “fria”, não tem a ver com o fato de os Estados Unidos serem capitalistas e a China comunista.

Porque a China se comporta, comercial e globalmente, como um país capitalista. Não há, ao menos no momento, nenhuma intenção de o país de Xi Jinping operar de modo ideológico. Os chineses não planejam implantar o comunismo no Brasil, na Ásia, na África e na Europa.

A China busca, cada vez mais, consumidores para seus produtos e, claro, é uma grande consumidora dos produtos de outros países, como os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina.

Quem vencerá a guerra de gigantes e tornará a potência dominante? Por enquanto, não se sabe.

Os Estados Unidos mantêm a hegemonia comercial — e geopolítica — desde o século 20 e persistem sólidos no século 21.

Mais do que as armas, seus mísseis e bombas, é a tecnologia que torna os Estados Unidos dominantes. O país conta com as melhores universidades globais — a China avança no campo universitário, portanto tecnológico — e o avanço tecnológico, na circunstância ainda insuperável, decorre disto.

A China, no tempo de Deng Xiaoping, começou imitando a pequena Cingapura. Mas hoje o modelo dos reds são os Estados Unidos. Os chineses “imitam” os Estados Unidos com o objetivo de superá-los.

A China vai superar os Estados Unidos, em algum momento da história? É provável. Há experts em economia que sugerem que em dez anos os chineses devem superar os americanos. Ou seja, em 2035.

O fato é que não se sabe exatamente quando os Estados Unidos serão — ou se serão — superados pelos chineses. Porque a capacidade de reinvenção tecnológica dos americanos é extraordinária. O historiador Niall Ferguson disse, há pouco tempo, que os EUA podem continuar no primeiro posto global porque são um país que se renova permanentemente (https://tinyurl.com/4mzewzfn).

A ressalva é que, em termos tecnológicos, a China está seguindo de perto os Estados Unidos. Por exemplo, na inteligência artificial. Os dois países chegaram praticamente juntos. A China tem uma das melhores faculdades de engenharia do mundo. É tão boa quanto o MIT, de acordo com Graham Allison, professor da Harvard.

Mundo nota fragilidade dos Estados Unidos

No dia 14 deste mês, a repórter Tamires Vitorio, da revista “Exame”, publicou uma reportagem relevante, “Para vencedor do Nobel de Economia, China deve vencer guerra comercial contra os EUA”.

O Nobel de Economia é um dos maiores pesquisadores e analistas dos Estados Unidos — Paul Krugman.

Professor universitário e articulista de jornais, Paul Krugman assinala, na síntese da “Exame”, que “os Estados Unidos correm o risco de perder sua posição de liderança global após o início da guerra comercial com a China”.

Donald Trump, presidente dos EUA, e Xi Jinping, presidente da China: guerra | Foto: Reprodução

A força ampliada da China decorre menos de seus esforços do que dos equívocos do governo de Donald Trump.

O tarifaço — chamado por Donald Trump de o “Dia da Libertação” — de acordo, com Paul Krugman, “foi uma traição massiva à confiança do mundo. (…) O sistema de alianças da América está em ruínas”. Os demais países são vistos como “Estados-vassalos”.

Há quem fale do impacto comercial. Mas Paul Krugman sugere que é preciso pensar para além disso. O economista frisa que “a imagem internacional dos Estados Unidos está sendo corroída pela combinação entre agressividade e fragilidade” (o texto entre aspas é a transcrição do pensamento do professor de Princeton e articulista do “New York Times”).

“Trump decidiu iniciar uma guerra comercial e, agora que ela está em andamento, os Estados Unidos sofrerão um impacto maior do que a China, tanto em sua economia quanto em sua reputação”, postula Paul Krugman.

O economista sublinha que “é ruim quando o mundo o vê como um agressor; é pior ainda quando o mundo também o vê como fraco”.

“O homem que prometeu tornar a América grande novamente encerrou provavelmente a posição de liderança global dos Estados Unidos por um futuro previsível”, anota Paul Krugman.

Mesmo não sendo economista, além de não ter o conhecimento do scholar americano, diria que não encerrou. O jogo está em andamento, com os Estados Unidos ainda muito fortes (e não são apenas Donald Trump e epígonos).

De fato, os Estados Unidos não têm força suficiente para afastar os países — como o Brasil — da China. Vários países, notadamente da América Latina, da Ásia e da África, já devem muito dinheiro para os chineses. Então, há uma dependência, quiçá incontornável.

Niall Ferguson, professor de Stanford: força da tecnologia americana | Foto: Reprodução

Sobretudo, nunca tantos países capitalistas dependeram tanto de um país comunista. Nem a poderosa União Soviética de Stálin e outros conseguiam tal dominância.

País com economia sólida, e em crescimento — entre os 10 mais ricos do mundo —, o Brasil não pode se tornar refém dos chineses (https://tinyurl.com/dsfv7hkj). O melhor que faz é manter o equilíbrio, ou seja, negociações com os Estados Unidos e com a China.

Depender demais da China, a longo prazo, pode não ser tão positivo para empresários e produtores rurais. A China não sofre pressão da sociedade, porque o país é uma ditadura. Então, se o governo chinês decidir, adiante, boicotar o país, o recuo é mais difícil do que um recuo americano (que, breve, deve ocorrer na questão do tarifaço — em relação ao café, por exemplo).

“A América vai perder o conflito”

A guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, no momento, é mais prejudicial aos segundos, que estariam mais “vulneráveis”. A ruptura comercial pode ser mais prejudicial ao país de Donald Trump.

“A América precisa de terras raras e outros insumos chineses. A América vai perder esse conflito”, diz Paul Krugman. (Curiosamente, o economista usa parcialmente a linguagem de Donald Trump ao chamar os Estados Unidos de “América”, quando não são. Na verdade, são parte, mas não o todo. Mas americanos chamam o país de “América”.)

Grave é a sugestão de Paul Krugman de que o governo de Donald Trump está “perdido”. “Há uma grande diferença entre a política comercial de Trump e a da China. Os chineses parecem saber o que estão fazendo.”

A pergunta é: os Estados Unidos têm escolha? Se têm, por que o governo de Joe Biden não criou uma outra política?

Paul Krugman afirma que o governo de Donald Trump “vem demolindo sistematicamente cada um dos pilares da força americana”.

Niall Ferguson sugeriu que a força dos Estados Unidos advém da hegemonia das inovações tecnológicas (da destruição criativa: tecnologias de qualidade são substituídas, rapidamente, por novas tecnologias). Porque há um investimento maciço em ciência e tecnologia.

Entretanto, “o governo Trump está impondo cortes no financiamento à pesquisa científica, além de demitir muitos pesquisadores empregados por agências do governo”. A agenda de Donald Trump é mais ideológica do que a dos chineses, que são pragmáticos.

“Drásticos como são, os números subestimam a gravidade do ataque à ciência. É óbvio que as pessoas de Trump não apenas não querem pagar por pesquisa científica, mas querem ditar as conclusões da maior parte da pesquisa que resta”, denuncia Paul Krugman.

“Diante de tudo, os Estados Unidos ainda são líderes mundiais em ciência? Se ainda forem, não por muito tempo. E levará muitos anos para recuperar o que perdemos”, escreveu Paul Krugman no seu perfil no Substack.

Mas será que, em quatro anos do governo Trump, o estrago será tão grande assim? Me parece que há uma rebelião nas universidades e o mercado, a curto ou médio prazo, poderá apoiá-las. Porque quem perderá não são apenas as universidades, mas também os empresários.

O retrocesso energético dos Estados Unidos

Não dirijo e, por isso, ando frequentemente de Uber, ao menos durante cinco dias da semana. O sonho dos motoristas de aplicativo é ter um carro elétrico. Pergunto o motivo. Todos dizem a mesma coisa: o custo é bem menos elevado e há a comodidade de que se pode abastecer na própria residência (e paga-se a conta só no final do mês).

Os motoristas dizem que gastam, para abastecer, cerca de 35 reais por dia. Quem tem automóvel a álcool ou gasolina gasta em média 100 reais. Então, mais do que sonho, trata-se de pragmatismo.

Em Goiânia, os veículos preferidos, dadas as vantagens comerciais, são os da BYD (notadamente o Dolphin). E a revenda de um carro elétrico? Os motoristas não estão preocupados, agora, com a questão. Estão interessados em economizar. Para sobrar dinheiro para pagar a prestação do veículo e as contas do dia a dia. (Um motorista de Uber fatura de 5 mil a 8 mil reais por mês, mas precisa trabalhar redobrado. É o que diz a maioria deles.)

Paul Krugman aponta que “a guerra comercial expõe o contraste entre o retrocesso energético americano e o avanço chinês em renováveis”.

“A maior parte do mundo já decidiu que as fontes renováveis são o futuro da energia. A China está investindo em renováveis em grande escala.”

Já “o governo Trump está fazendo o possível para matar projetos de energia eólica e solar, enquanto nos força a voltar a queimar carvão”, critica o Nobel de Economia”.