Neca Setubal, rica que quer reduzir desigualdade social, lança autobiografia pela Tinta da China

02 junho 2024 às 00h01

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Neca Setubal é rica, é burguesa. Então, por causa da classe social, “merece” o vitupério das esquerdas? Afinal, uma capitalista é sempre uma capitalista. A herdeira da família Setubal, dona do Banco Itaú/Unibanco em sociedade com a família Moreira Salles, é uma das mulheres mais poderosas do país. Em suma, é bilionária.
Se é de uma família bilionária, Neca Setubal deveria curtir — e certamente curte — la dolce vita nas “melhores” cidades globais, como Nova York, Paris, Londres, Roma, Tóquio e Berlim. Talvez Florença — pela arte —, Barcelona (a Paris da Espanha) e Lisboa, pela história comum com o Brasil, país hermano.
Se João de Santo Cristo escolheu, por conta própria, a solidão, até se apaixonar por Maria Lúcia, Neca Setubal, uma mulher extraordinária, escolheu o povo humilde do país como aliado. Sim, para ajudá-lo. Para melhorá-lo — por meio da educação, este medicamento que salva vidas. Ela não é a rica de “estimação” das esquerdas e dos bem-pensantes das universidades. É mesmo comprometida socialmente.

A classe média fazia, até algum tempo, Ciências Sociais… para se tornar revolucionária — ao pregar as ideias de Karl Marx e Vladimir Lênin nas escolas e praças públicas. Neca Setubal fez Ciências Sociais para entender o país, de maneira mais ampla, e mudá-lo. Ou melhor, para tentar mudá-lo. Porque mudar — de verdade —, se é fácil com palavras, é muito difícil no mundo real.
Neca Setubal não quer, por certo, destruir o capitalismo — até porque não inventaram nada melhor, ao menos até agora. Ela trabalha para que o Brasil seja pelo menos mais justo, ou, mudando um pouco, menos injusto. O país é brutal e profundamente injusto. Aos ricos, digamos, as batatas; aos pobres, eis a vida real, as migalhas.
O capitalismo patropi, dito retardatário, pode gestar uma sociedade mais justa? Se o capitalismo sueco, norueguês e dinamarquês, com a social-democracia, pôde constituir uma sociedade menos desigual, o país de Machado de Assis e Clarice Lispector também pode. O que falta? Muita cousa — e não se trata de uma revolução, que, a rigor, não funciona. As elites locais, incluindo ricos e classes médias — estas também são, no geral, insensíveis aos clamores dos pobres —, precisam criar uma sensibilidade que, no geral, ainda não têm. O que se precisa é radicalizar a democracia — tornando-a inclusiva em termos sociais.
Mas Neca Setubal é diferente — é uma das poucas ricas e poderosas críveis do país. Ela e mais alguns. Por isso, entra para minha lista penelopiana de leitura sua autobiografia “Minha Escolha Pela Ação Social — Sobre Legados, Territórios e Democracia” (Tinta da China Brasil, 184 páginas), que chega às livrarias neste mês, com prefácio da filósofa Sueli Carneiro.
No livro, não alentado, Neca Setubal conta como opera suas ações sociais e a Fundação Tide Setubal. Sua luta não é para criar mais um discurso para “mudar” — sem mudar — o Brasil. É uma operação prática para melhorá-lo no dia a dia. Suas atividades pela educação são uma maneira de tornar o Brasil mais inclusivo. Desigual será por muito tempo, até porque as elites são avessas à mudança — tanto que há ricos escravizando pessoas pelo país afora —, mas, com a união do Estado e da sociedade civil, com pessoas operosas como Neca Setubal, a terra de Graciliano Ramos pode se tornar menos seca socialmente.