Mestre de Princeton: é falácia a ideia de que big tech se preocupa com liberdade de expressão

05 julho 2025 às 21h01

COMPARTILHAR
Qual é a maior piada do século 21? A rigor, não sei qual é a maior. Mas uma delas não tem graça, sem dúvida: trata-se da “ideia” de que as big techs — Google, Meta (Facebook, Instagram), X etc — “defendem” a liberdade de expressão.
As big techs só defendem, na prática, uma coisa: sua liberdade de fazer negócios a qualquer custo. Se o capital estiver se reproduzindo, mesmo com a divulgação das maiores barbaridades, empresários da estirpe de Elon Musk e Mark Zuckerberg não darão a mínima.
Então, a decisão do Supremo Tribunal Federal, que passa a penalizar as big techs — pelas postagens criminosas em suas redes, tornando-as corresponsáveis —, é justa e vai acabar por se tornar modelar para outros países.
O STF avançou, ante a inércia do Congresso. Este, sob pressão das transnacionais e da direita política, negligenciou a questão.
Na terça-feira, 3, a jornalista Lúcia Guimarães publicou um misto de reportagem e resenha, sob o título de “Liberdade de expressão sem limites é uma falácia, diz professor de Princeton”, na “Folha de S. Paulo”. Trata-se de uma melhores textos da semana passada.
Fara Dabhoiwala vai lançar em agosto o livro “O Que É Liberdade de Expressão? Uma História de uma Ideia Perigosa” (“What Is Free Speech? A History of a Dangerous Idea”). É o mote do texto de Lúcia Guimarães.
É decisivo “compreender que a onda autoritária” do século 21 “não é inédita e não pode ser enfrentada sem uma regulação do ecossistema digital”, postula Dabhoiwala. Os libertários totais não sabem do que estão falando, sugere o scholar.

Responsabilizar a Meta, o Google, o X, o Telegram — entre outras big techs — é crucial para conter os excessos nas redes.
As postagens individuais — que vão se tornando coletivas (até movimentos), com os estímulos e facilidades — não devem ser atribuídas, em termos judiciais, apenas aos responsáveis diretos, mas também àqueles que as divulgam, multiplicam e faturam (muito) dinheiro.
Dabhoiwala assinala que “a linguagem é importante e um slogan como ‘sufocar a inovação’ é linguagem-código das empresas”.
O doctor de Princeton diz que as plataformas têm seus sistemas de regulação. “Elas são plataformas de censura. Seus algoritmos estão sempre amplificando uma coisa, rebaixando outra. Elas são curadoras ativas.”
“O que não funciona é esperar que” as plataformas digitais “façam autorregulação”. Meta, Google, X, Telegram, TikTok faturam alto com o caos que — se não criam diretamente — incentivam, manipulam e sedimentam.

A punição ao comediante Léo Lins pela Justiça brasileira não agradou Dabhoiwala. Não porque aprove o que o artista patropi fala, e sim porque “as plataformas que amplificaram seu stand-up tão odioso quanto medíocre seguem impunes”.
O mestre dos Estados Unidos — no momento, em Cambridge — leu com atenção “sobre as tentativas de intimidar Alexandre de Moraes”, ministro do Supremo Tribunal Federal. “Os interesses dos donos da maioria dos meios de massa não são aliados aos do público”, frisa.
“Mas o agravante agora é que as empresas são transnacionais e cresceram depois de, no final do século 20, ter havido uma radicalização libertária da noção de liberdade de expressão. É uma ideia que está fora do compasso com o resto do mundo”, acrescenta o pesquisador.
Dabhoiwala sugere que é preciso escapar da armadilha de platitudes como “a solução para más ideias é mais liberdade de expressão”. É uma espécie de jovelha tolice.

O historiador, na síntese de Lúcia Guimarães, “lamenta que jornalistas reduzam a questão a um embate contra a censura imposta por governadores incomodados, uma agressão ‘à natureza espontânea’ da liberdade de fala”. Por sinal, a “Folha de S. Paulo” e o “Estadão” são os jornais tropicais que caíram na armadilha das big techs.
O mestre de Princeton postula “que a ideia de um mercado livre de ideias, onde vale toda forma de fala, é uma falácia que, historicamente, não produziu nem democracia nem mais verdade”.
Britânico-americano de origem parsi, Dabhoiwala, professor do História da Universidade de Princeton, é autor do livro “As Origens do Sexo — Uma História da Primeira Revolução Sexual” (Biblioteca Azul, 688 páginas), publicado no Brasil em 2013.
Usei parte do texto de Lúcia Guimarães. Vale lê-lo integralmente (https://tinyurl.com/587nezp7).