Matrix vai publicar livro que Contexto desistiu de lançar sobre Suzane von Richthofen

15 novembro 2019 às 13h14

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A obra de Ulisses Campbell não encerra a história da assassina dos pais. Mas pode apresentar um quadro nuançado da jovem de 36 anos

Em tempos bicudos para as editoras — por falta de leitores e, também, de livrarias (as grandes redes estão em crise) —, publicar livros que possam gerar contenciosos judiciais, produzindo indenizações, é um risco a se evitar. Suzane von Richthofen, aliada a dois criminosos igualmente condenados pela Justiça — os irmãos Daniel e Cristian Cravinhos —, matou os pais, Manfred e Marísia com Richthofen — um dos crimes mais brutais da história do país, em 2002. Mesmo assim, depois de a história ter sido contada pelos jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão de todos os Estados brasileiros e até em outros países, ela tenta impedir a publicação do livro “Suzane — Crime e Punição”.

Intimidada, a Editora Contexto, uma das melhores do país, desistiu de publicar o livro do jornalista Ulisses Campbell, autorizando-o a editá-lo “como e onde desejar”. Intimorata, a Editora Matrix decidiu lançar a obra, agora sob novo título: “Suzana — Assassina e Manipuladora”, em janeiro de 2020. É provável que nenhum juiz, em sã consciência, tenha coragem de impedir a sua circulação. Não terá motivo — até porque, se o fizer, terá de impedir, em seguida, a publicação de reportagens sobre o assunto. A Justiça não é censora.

A advogada de Suzane von Richthofen diz que a assassina dos pais não autorizou a publicação do livro e que, possivelmente sem ter lido uma linha, “o repudia veementemente”. “A autora já vem pagando pelo crime que cometeu, desta forma tem o direito ao esquecimento, até porque precisa que isso aconteça para poder continuar com a sua vida”, argumenta a sua defensora. Há certa lógica. Porque, mesmo tendo cometido um crime, a jovem de 36 anos tem direito de reconstruir sua vida — e, para tanto, precisa de paz. Entretanto, dada a brutalidade emblemática do crime, não há possibilidade de esquecimento. Guardadas as proporções históricas, seria o mesmo que dizer que é possível esquecer o genocídio de 6 milhões de judeus. Casos como o de Suzane von Richthofen aos poucos vão sendo “esquecidos”, mas reportagens sempre vão relembrar a história. E, frise-se, a história de Suzane von Richthofen não é mais dela. Está inscrita na história dos crimes mais brutais e será sempre citada por advogados, policiais, jornalistas e, até, escritores (Fiódor Dostoiévski tenderia a vê-la como uma Raskolnikov de saia). É inescapável.

Ao contrário do que pensa Suzane von Richthofen, não se sabe se induzida pela advogada — e, sim, ela tem o direito de ser defendida (o direito não deve servir tão-somente aos “puros da aldeia”) —, o livro de Ulisses Campbell, jornalista gabaritado, vai rememorar o caso, trazê-lo de novo para a mídia, mas pode também, ao apresentar um quadro mais nuançado, contribuir, não para “perdoar” Suzane von Richthofen — seu crime é imperdoável —, e sim para um quase-encerramento do caso (sublinhando-se que o encerramento não se dará nem mesmo com a morte da criminosa). Por exemplo: quem se tornou a jovem depois do crime, cometido há 17 anos? Ela está se tornando uma cidadã de bem, uma pessoa pacífica? O livro, se amplo, certamente apresentará um quadro abrangente de uma mulher que, tendo matado duas pessoas com poucos mais de 18 anos, agora tem 36 anos e, em tese, quer “endireitar-se”. Nos últimos 17 anos, nasceu uma nova Suzane von Richthofen ou ela continua a mesma manipuladora de 2002?
Conta-se que o título e fotos do livro desagradaram Suzane von Richthofen. Pode ser. Porém, o mais provável é que ela esteja, discretamente, preparando a publicação de um livro com sua versão da história.