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Bolsonaro receita câncer para Dilma

Há alguns anos, numa entrevista ao programa de Jô Soares, Jair Bolsonaro defendeu o assassinato do então presidente Fernando Henrique Cardoso. “(Sugeri) Fuzilamento (de Fernando Henrique Cardoso, risos). É uma barbaridade privatizar a Vale do Rio Doce, como ele fez, privatizar as nossas telecomunicações.”

Quer dizer, no lugar de apresentar apenas uma crítica, o ex-presidente Jair Bolsonaro sugeriu que mais adequado era matar seu opositor, na época Fernando Henrique Cardoso.

Mais tarde, numa entrevista gravada ao notável repórter Frederico Victor Oliveira, então no Jornal Opção, Jair Bolsonaro disse, com todas as letras, que Dilma Rousseff deveria morrer de infarto ou câncer.

Sempre animado no ataque às mulheres, Jair Bolsonaro postulou, numa entrevista ao jornal “Zero Hora”, em 2014, a respeito da deputada Maria do Rosário, do PT: “Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”.

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Violência: de esquerda, de direita e difusa

Corte para a violência política que corre solta nos Estados Unidos, sobretudo nos anos pós-Donald Trump, com ele fora e no poder.

Em 2017, atiraram no deputado federal Steve Scalise, do Partido Republicano.

Em 2020, treze homens foram presos sob acusação de planejar o sequestro da governadora de Michigan, Gretchen Whitner, do Partido Democrata.

Em 2024, durante a campanha eleitoral, um homem atirou e feriu a orelha do então candidato a presidente da República Donald John Trump, do Partido Republicano.

Em abril de 2025, a casa do governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, foi queimada. Por sorte, o membro do Partido Democrata e sua família escaparam.

Charlie Kirk e Tyler Robinson Fotos Reproduções
Charlie Kirk, da extrema direita, e Tyler Robinson, de esquerda (possivelmente): o choque dos que não se toleram e se portam como anti-democratas | Fotos: Reproduções

Em junho de 2025, a deputada estadual Melissa Hortman, do Partido Democrata em Minnesota, e o marido foram assassinados por um militante da direita. Ele também atirou num senador estadual e em sua mulher.

Corte para a história de Charlie Kirk, da organização de direita Turning Point USA. Pregador de violência contra negros e imigrantes, acabou sendo assassinado por Tyler Robinson, de 22 anos, supostamente de esquerda.

O professor Matthew Dallek, da Universidade George Washington, sublinha que a violência está num processo de crescimento. “O que pode é acelerar essa trajetória [de violência], agindo como uma espécie de querosene derramado sobre o que se tornou um incêndio bastante forte.”

Intelectuais americanos notam que, como não há um presidente apaziguador, no estilo de Barack Obama — Donald Trump é, na direita, um dos principais incendiários —, a tendência é que a violência fique sem controle e, portanto, aumente.

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Donald Trump: longe de conter, o presidente dos EUA incita a violência | Foto: Daniel Torok

A diretora-executiva do National Consortium for the Study of Terrorism and Responses, Amy Pate, assinala que a crise atual é agravada pela “influência das redes sociais, que amplificam a polarização e dão destaque às opiniões mais inflamatórias e extremas, quanto pelo fácil acesso a armas com alto grau de letalidade”.

Amy Pate frisa que “uma diferença importante é como as mensagens se disseminam. Com as redes sociais, as pessoas estão completamente imersas na retórica política, e os algoritmos continuam enviando mais e mais retórica extrema”.

Matthew Dallek diz que há “uma espécie de tribalismo furioso,… uma dinâmica diferente e perigosa”. “E temos as redes sociais que dão poder aos indivíduos para espalhar ódio e apelos à violência, apelos à guerra civil.”

A violência é praticada por grupos de direita e de esquerda. Mas o diretor-executivo do Laboratório de Pesquisa e Inovação sobre Polarização e Extremismo da American University, William Braniff, faz uma ressalva importante: “É crescente o número de casos [de violência] em que não há inclinação ideológica clara. (Casos em que) não apoiam uma ideologia específica, são simplesmente motivados por ressentimentos, ou têm crenças muito vagas. Há uma tendência geral de ver a violência como solução”.

Nicholas Ferreira Foto da Câmara dos Deputados
Nicholas Ferreira: deputado federal pelo PL de Minas Gerais | Foto: Câmara dos Deputados

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Macarthismo contra Eduardo Peninha Bueno

Corte para o historiador e jornalista Eduardo Bueno, o Peninha, sua mulher, a escritora e ilustradora Paula Taitelbaum, e Zazá Pecego, stylist sênior da revista “Vogue Brasil”.

Tyler Robinson matou Charlie Kirk, mas, no Brasil, fica-se com impressão de que o verdadeiro assassino é Eduardo Bueno — dada a perseguição que a extrema direita move contra o pesquisador.

Eduardo Bueno escreveu, numa rede social: “É sempre terrível, não é? Um ativista sendo morto por suas ideias. Exceto quando é o Charlie Kirk! Mataram o Charlie Kirk, ai, cotado, tomou um tiro, não sei se na cara”.

Não há dúvida de que se trata um comentário ofensivo e, até, meio bobo, digamos. Nada muito diferente do que propugnava Charlie Kirk, um agente da violência — o que, apesar do palavreado atual, Eduardo Bueno nunca foi e não é. Trata-se de um pacifista, às vezes meio aloprado, sempre brincalhão.

Ante a repercussão, Eduardo Bueno se retratou, de maneira decente (porque não se trata de um recuo total): “Não restam dúvidas de que eu me excedi. O que eu disse, de uma forma ou de um jeito equivocado, no momento equivocado, foi algo que eu mantenho. O mundo fica melhor com a ausência de pessoas que nem o cara que foi assassinado, cujo assassinato eu não celebrei”.

O que estão fazendo com Eduardo Bueno é como se ele, e não Tyler Robinson, tivesse matado Charlie Kirk. Há uma perseguição implacável, uma verdadeira caça aos bruxos e bruxas, por assim dizer.

No domingo, 14, Eduardo Bueno — um dos maiores vendedores de livros de história do país (por sinal, livros que não me entusiasmam) — iria participar de um evento na Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mas acabou desconvidado. Por receio de violência. Mas é possível sugerir que houve censura ideológica por parte da PUC.

O deputado federal Nicholas Ferreira, do PL de Minas Gerais, chegou a clamar que os Estados Unidos “punissem” Eduardo Bueno. O vice-secretário de Estado americano, Christopher Landau, chegou a insinuar que pode impedir a entrada do jornalista brasileiro nos Estados Unidos.

O bolsonarismo sempre recorre à sua corte, os Estados Unidos, contra o Brasil e brasileiros, como Eduardo Bueno e o presidente Lula da Silva, do PT.

Eduardo Bueno fez um comentário pertinente, como resposta às perseguições do bolsonarismo: “Gostaria de saber qual é a posição deles [críticos] com relação à morte do gari assassinado em Belo Horizonte por um cara que se dizia patriota e pai de família. (…) Não vi tanta empatia com o gari” (Laudemir de Souza Fernandes, de 47 anos).

O pastor batista americano Howard-John Wesley, uma voz sensata, disse: “Charlie Kirk não merecia ser assassinado, mas fico estarrecido ao ver as bandeiras dos EUA a meio mastro, conclamando a nação a honrar e venerar um homem que foi um racista sem remorso e que passou toda a sua vida semeando sementes de divisão e ódio nesta terra”.

Em seguida, até por medida de segurança, a Livraria Travessa cancelou a participação de Eduardo Bueno na inauguração de sua unidade em Porto Alegre.

O podcast “Nós na História” acabou por decisão dos companheiros de jornada de Eduardo Bueno.

O cerco é, mais do que ideológico, financeiro. Querem “asfixiar” — de alguma maneira, simbolicamente, matar — Eduardo Bueno.

Sob pressão da direita, o presidente do Senado, David Alcolumbre, afastou Eduardo Bueno do Conselho Editorial da instituição.

Submetendo-se à direita, a Caixa Econômica Federal cancelou um contrato com Eduardo Bueno.

Só falta, ante o destempero persecutório da direita e a fragilidade moral de empresas e instituições — que cedem ao menor grito da direita —, as editoras e as livrarias retirarem os livros de Eduardo Bueno do mercado. O que será uma penona contra o irreverente Peninha.

Paula Taitelbaum foto Reprodução
Paula Taitelbaum: escritora e ilustradora de livros infantis | Foto: Divulgação

A perseguição a Eduardo Bueno chegou à sua mulher, Paula Taitelbaum. Conhecida pela qualidade de seu trabalho, a ilustradora e autora de livros infantis iria participar da 40ª edição da Feira do Livro de Canoas, no Rio Grande do Sul, mas acabou sendo desconvidada.

A perseguição é tanta que Paula Taitelbaum se ofereceu para participar da Feira do Livro, mesmo sem custos para a organização do evento, mas não aceitaram. O Brasil parece ter menos horror do que medo da direita. Devido à força de sua violência verbal nas (e até fora das) redes sociais.

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Zazá Pecego, Vogue e Nicholas Ferreira

Zazá Pecego reprodução
Zazá Pecego: demitida da revista “Vogue” sob perseguição da direita | Foto: Divulgação

O incansável Nicholas Ferreira, direitista especializado em perseguir — espécie de micro Stálin da direita —, praticamente exigiu a cabeça de Zazá Pecego. O espantoso é que a revista “Vogue Brasil” entregou a cabeça da stylist sênior na bandeja.

Zazá Pecego publicou no Instagram a frase “I love When fascists die in agony” (“eu amo quando fascistas morrem agonizando”).

A frase, segundo Zazá Pecego, tem a ver com a condenação de Jair Bolsonaro. Mesmo assim, acatando a tese de Nicholas Ferreira, que apontou “apologia ao crime”, a revista a demitiu, o que é grave.

A caça aos supostos bruxas e bruxos está na ordem do dia. O caçador-mor é o apocalíptico Nicholas Ferreira — o Van Helsing da direita patropi, que transforma indivíduos da esquerda em, por assim dizer, vampiros a serem extintos.

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