Livro de Mark Mazower sobre o antissemitismo — fiat lux — chega em boa hora no Brasil

18 outubro 2025 às 21h00

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Professor da Universidade Columbia, o historiador britânico Mark Mazower, de 67 anos, é autor de uma obra vasta.
Seus livros mais conhecidos são: “O Império de Hitler — A Europa Sob o Domínio Nazista” (Companhia das Letras, 824 páginas, tradução de Claudio Carina e Lucia Boldrini), “Salônica — Cidade de Fantasmas: Cristãos, Muçulmanos e Judeus, 1430-1950” (Companhia das Letras, 592 páginas, tradução de Ivo Korytowski) e “Continente Sombrio — A Europa no Século XX” (Companhia das Letras, 472 páginas, tradução de Hildegard Feist).
Os três livros são excelentes — tão bem pesquisados quanto os livros de Richard Overy, Richard Evans, Antony Beevor, Ian Kershaw, Peter Longerich, Roberto Gellately, Max Hastings e Laurence Rees.

“Lo Que No Me Contaste — Una Historia Familiar Rusa y El Camino de Regreso a Casa” (Crítica, 383 páginas, tradução de David Paradela Lópéz) são as memórias da família de Mark Mazower. O livro conta a história de seu pai e de seu avô, entre outras, na Rússia e, depois, na Inglaterra. Merece tradução brasileira porque é um livro de alta qualidade.
Max, o avô de Mark Mazower, era socialista revolucionário e, como tal, foi perseguido pelos bolcheviques, que, na luta pela hegemonia, massacrou companheiros de jornada que contribuíram para derrubar o czarismo, em 1917.
O historiador relata que só quando o pai morreu é que começou a vasculhar a história familiar. Descobriu que sabia muito pouco. O livro é a recuperação, por um historiador meticuloso e perceptivo, de uma história, por assim dizer, “secreta”. A família praticamente não falava do assunto.
Mark Mazower diz, na introdução, que “os perdedores da história têm mais coisas a nos ensinar que os vencedores. Não há vitória que dure para sempre”.

O leitor verá que, como historiador, Mark Mazower é grande prosador.
Agora, o autor volta às livrarias brasileiras, a partir de 9 de dezembro, com o livro “Sobre o Antissemitismo — A História de uma Palavra” (Companhia das Letras, 392 páginas, tradução de Denise Bottmann).
O livro chega em boa hora. Porque, dado o conflito em Gaza, o antissemitismo — que estava ligeiramente adormecido — está de volta. Às vezes, escancarado. Às vezes, de maneira subliminar.
Os israelenses têm o direito de se defender de quaisquer ataques. Recentemente, foi atacado primeiro pelos militantes do Hamas, uma organização terrorista. Vários israelenses foram assassinados.
Portanto, não havia como Israel não reagir. Teve de fazê-lo, como operação vingança e para dizer aos países do Oriente Médio — vários não têm simpatia pelo país de David Grossman e não apenas de Benjamin Netanyahu — que está preparado para qualquer tipo de guerra e que, sempre que for atacado, reagirá, ou seja, atacará sem contenção. É o recado do governo do país para todo o Oriente Médio (o Irã, por exemplo), não apenas para os palestinos.

A caçada aos terroristas do Hamas é justa. Israel não tinha saída. Se não atacasse, ficaria desmoralizado.
Entretanto, a reação de Israel — do governo de Benjamin Netanyahu (que deve cair, em breve) — acabou se tornando desmedida. Caçar os terroristas do Hamas se tornou uma caçada ao povo palestino. A operação vingança das forças armadas israelenses matou quase 70 mil e deixou centenas de palestinos feridos — e destruiu suas casas, escolas, hospitais. Enfim, a vida comunitária.
A impressão que ficou, para todo o mundo, é que Israel não queria tão-somente caçar o Hamas, mas dar uma lição em todo o povo palestino. Os palestinos se tornaram “culpados” do ato terrorista do Hamas dentro do território da Israel.
Os governantes israelenses criaram uma espécie de “culpa coletiva” e, por isso, massacrou tantos moradores de Gaza.

O erro de Israel em Gaza — que tem sido apontado inclusive por israelenses — precisa ser assumido pelo governo do país. Mas não o será. Vai se falar em “guerra justa”, quem sabe — o que não é o caso. O governo de Netanyahu matou crianças, mulheres, velhos — cidadãos comuns, civis — que, possivelmente, não tinham qualquer envolvimento direto com o Hamas.
Os palestinos toleram o Hamas por dois motivos. Primeiro, porque, morando em Gaza, não têm como contestar a organização terrorista. Segundo, mesmo os que discordam do grupo apoiado pelo Irã entendem que defende os palestinos dos ataques de Israel.
De alguma maneira, direta ou indiretamente, Israel “jogou” os palestinos nas mãos do Hamas. Em seguida, com os bombardeios frequentes, operou para desconectá-los, ao mostrar a fraqueza do Hamas.

Criticar o que Israel fez — e persiste fazendo — em Gaza não tem a ver com antissemitismo. Tem a ver simplesmente com a condenação da barbárie feita na terra palestina.
Porém, usar o conflito em Gaza — em que as principais vítimas são os palestinos, muitos deles, a maioria, inocentes — para atacar os judeus como povo assemelha-se às ações dos nazistas. Diz-se assemelha-se, porque não são iguais. Adolf Hitler e Heinrich Himmler, com o apoio de Adolf Eichmann e tantos outros nazistas, mataram cerca de 6 milhões de judeus. Exterminar judeus era uma política, deliberada e formal, de Estado.
Por isso, defende-se que a crítica a Israel deve ser cuidadosa, específica e, até, dura. Mas não deve se transformar em antissemitismo, ou seja, numa guerra contra o povo judeu.
Espera-se que, após a possível queda de Benjamin Netanyahu, assuma um governo mais moderado — o que não será nada fácil, dada a circunstância — e que contribua para a reconstrução de Gaza.
Dependendo da reação de Israel, em relação à recuperação de Gaza, o antissemitismo pode crescer ou diminuir na região e no mundo.

O livro de Mark Mazower chega em boa hora. Porque resulta de pesquisa de um historiador categorizado, que conhece muito bem o assunto. Trata-se, portanto, de um pouco de luz num ambiente escuro. Afinal, se merecem críticas, os israelenses — judeus (que, claro, incluem não israelenses) — não merecem o ódio global.
Sinopse da Editora Companhia das Letras
“Cunhado em 1879 na Alemanha, o termo ‘antissemitismo’ se tornou fundamental para compreender o século XX e o extermínio de 6 milhões de judeus coordenado pelo partido Nazista. Neste ensaio, calcado em rigorosa pesquisa, Mark Mazower traça a história da palavra para compreender seus usos atuais e as disputas políticas ao redor dela.
“O preconceito — quando não o ódio — aos judeus é uma herança milenar, com motivações étnicas e religiosas. A palavra ‘antissemitismo’, que designa esse preconceito e o distingue de outras formas de discriminação, no entanto, possui uma história muito mais breve, tendo sido inventada no final do século XIX, em um contexto iluminista.
“Antes atrelado às ações de uma extrema direita europeia e ao genocídio nazista, o termo agora se difundiu entre as pautas ideológicas que circundam os debates contemporâneos, perdendo contornos nítidos, e passou a ser usado para restringir especialmente críticas ao governo de Israel. Neste livro, o historiador britânico Mark Mazower rastreia não somente a etimologia do termo, mas sua centralidade para o entendimento do Holocausto, da identidade judaica e da formação do Estado de Israel no pós-guerra, além de seus usos contemporâneos nos conflitos no Oriente Médio.”