O jornalista Marcelo Godoy revelou-se, com o livro “A Casa da Vovó — Uma Biografia do DOI-Codi (1969-1991), o Centro de Sequestro, Tortura e Morte da Ditadura Militar” (Alameda, 611 páginas), um historiador de primeira linha.

“A Casa da Vovó” não é uma reportagem ampliada. É uma investigação rigorosa sobre o caráter brutal da ditadura civil-militar, incluindo, como peça central, o DOI-Codi. Esta “instituição”, por sinal, não era nenhum “porão”. A rigor, nos governos dos generais, não havia “porão”. Como os agentes eram oficiais, remunerados pelo setor público, qualquer lugar onde atuaram deve ser considerado oficial, e não, portanto, “porão”.

O livro conta a história de vários informantes — pessoas de esquerda que, para não morrer, trocaram de lado e passaram a entregar seus ex-colegas de militância (tanto guerrilheiros quanto não-guerrilheiros; o PCB, por exemplo, não aderiu à luta armada).

Entre os “cachorros” da ditadura estão listados: V. (da ALN), agente Dourado (infiltrado na VPR), Manuel Jover Telles, o Vip (do PC do B), Vinícius (do PCB), João Henrique Ferreira de Carvalho, o Jota da ALN, Gilberto Prata Soares (cujas informações levaram à morte de José Carlos da Mata-Machado e, possivelmente, de Honestino Guimarães), Camilo (infiltrado no Molipo), Cabo Anselmo (o mais conhecido dos “cachorros”, pode-se sugerir que, sozinho, era uma “matilha” — tal a devastação que gestou na esquerda ao se aliar ao delegado Sérgio Paranhos Fleury), Wilson Müller (o agente Fritz, da ALN), Jurandir Duarte Godoy, Lessa (codinome: Benedito), Marta e o agente Carlos. Há outros, por certo.

Marcelo Godoy: um jornalista que se revelou um notável historiador | Foto: Reprodução

Agora, com nova pesquisa, Marcelo Godoy volta às livrarias com o livro “Cachorros — A História do Maior Espião dos Serviços Secretos Militares e a Repressão aos Comunistas até a Nova República” (Alameda, 552 páginas). A obra sai em julho, mas já pode ser pedida nos sites das livrarias.

Agente Vinícius, ou Severino Deodoro de Melo

A pequena apresentação do livro, feita pelo notável pesquisador e jornalista Bruno Paes Manso, relata: “‘Cachorros’ descreve a saga do agente Vinícius, nome de guerra de Severino Deodoro de Mello, militante histórico do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que se tornou o mais importante espião cooptado pela inteligência militar nos anos de chumbo. Mello contribuiu para dezenas de sequestros, mortes, prisões e desaparecimentos que ajudaram a neutralizar o PCB nos anos 1970”.

De acordo com Bruno Paes Manso (autor do excelente “A Guerra — A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil”), “os militares pretendiam controlar o processo de abertura democrática sem a ameaça de um partido comunista organizado”. O que, a meu ver, é tolice tremenda, não de Bruno Paes Manso, e sim dos militares que concluíram que os militantes e líderes do PCB ofereciam algum perigo à ditadura. Que o presidente Ernesto Geisel e o ministro Golbery do Couto e Silva, que sabiam das coisas, tenham caído na esparrela, se é que caíram, é no mínimo estranho.

Bruno Paes Manso sublinha que “Godoy junta neste livro o rigor do historiador, respaldado em documentos e pesquisas feitas em arquivos de cinco países, com a capacidade jornalística de narrar histórias envolventes, que ainda não foram contadas”.

De fato, jornalistas versados em história, cuidadosos no trato das informações e ousados na investigação, têm colaborado para ampliar — e até reformatar — a história da ditadura civil-militar. Podem ser citados: Elio Gaspari, o decano, Luiz Maklouf de Carvalho (falecido), Marcelo Godoy, Hugo Studart (expert na Guerrilha do Araguaia), Leonencio Nossa (revelou o “arquivo” do Major Curió) e Lucas Ferraz (mostrou como a esquerda cometeu equívocos ao justiçar companheiros apenas suspeitos ou mesmo nem suspeitos de colaboração).

Marcelo Godoy é repórter e colunista do “Estadão”. Um dos melhores do país.