Livro de doutora da UFRJ conta a história do filósofo do humor Millôr Fernandes
22 novembro 2025 às 21h00

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O Brasil produziu um fenômeno: o filósofo do humor. Sim, trata-se de Millôr Fernandes. Uma espécie de Bernard Shaw dos trópicos.
As frases de Millôr Fernandes são impagáveis. Numa polêmica com um embaixador, a respeito de como se deve traduzir Shakespeare, disse, num quadradinho que publicava no “Jornal do Brasil”: “Não se deve ampliar a voz dos idiotas”.
Traduziu peças de Shakespeare para a Editora L&PM, do Rio Grande do Sul. Chegou a traduzir Tchékhov, não do russo, mas a versão é confiável (não supera, claro, as de Rubens Figueiredo).
A respeito de coisas diferentes que, no fundo, têm parentesco, Millôr Fernandes escreveu: “O capitalismo é a exploração do homem pelo homem e o socialismo é exatamente o contrário”.

Na mesma toada, ironizou: “Não gosto da direita porque ela é de direita, e não gosto da esquerda porque ela é de direita”.
“Desconfio, por princípio, daqueles que lucram com seu ideal”, escreveu com suas teclas afiadas.
O sexo não lhe escapava: “De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência”.
Os imortais não ganharam seu perdão: “A Academia Brasileira de Letras se compõe de 39 membros e um morto rotativo”.
Millôr Fernandes trafegou por várias pontes: era humorista, dramaturgo, filósofo do humor, cartunista, tradutor, jornalista.

No jornalismo, numa trajetória única — se pautava, não era pautado pelos editores —, brilhou nas revistas “O Cruzeiro” e “Veja” (foi censurado pela ditadura, que fez o diabo para expurgá-lo da redação) e no “O Pasquim” e no “Jornal do Brasil”.
No “Pasquim”, ao lado de Jaguar, Sérgio Cabral, Tarso de Castro (com quem brigou feio), Paulo Francis, Ziraldo, entre outros, Millôr Fernandes pôs sua pena a serviço da liberdade criativa.
Vale uma reportagem, se ainda não tiver sido feita, a respeito do crítico literário. Ao lado de José J. Veiga, Millôr Fernandes é um dos responsáveis pelo estabelecimento de José Saramago como grande escritor no Brasil.
Millôr Fernandes talvez tenha sido o primeiro crítico a notar a força literária do romance “Um Defeito de Cor”, de Ana Maria Gonçalves.

Um crítico atento talvez possa mostrar, se ainda mostraram, as qualidades de Millôr Fernandes como escritor.
O jornalista e pesquisador Paulo Roberto Pires vai publicar uma biografia de Millôr Fernandes, que, tendo nascido em 1923, morreu em 2012, aos 88 anos. Não sei a quantas anda a pesquisa, mas Pires escreveu uma excelente biografia do grande editor Jorge Zahar. Então, tem credenciais positivas para escrever a do filósofo do humor.
Millôr e a cultura do carioquismo

Em dezembro, chega às livrarias — já pode ser pedido — o livro “De Milton a Millôr — A Trajetória de um Jornalista Ipanemense, Pasquiniano e Sem Censura” (Appris, 318 páginas), de Andréa Cristina de Barros Queiroz, doutora e pós-doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Como será que uma acadêmica lidou com um autor tão antiacadêmico quanto Millôr Fernandes? Não sei, pois, como o livro será lançado no dia 3 de dezembro, ainda não o li (mas já comprei meu exemplar). Oxalá o espírito do filósofo do humor tenha se apossado da diretora da Divisão de Memória Institucional da UFRJ.
A sinopse da editora assinala: “Este livro se debruça na análise da trajetória de Millôr Fernandes como homem de imprensa e do Rio de Janeiro, percorrendo a infância do menino Milton no subúrbio do Méier e a sua reinvenção como Millôr até se estabelecer como um ipanemense”.
De acordo o release, pode-se “dizer que a exploração, a recriação e a invenção das formas, dos usos e dos sentidos das palavras, muitas vezes para Millôr, tornaram-se uma maneira de contestar os conceitos estabelecidos e de enfrentar os mecanismos de censura impostos ao seu trabalho como profissional de imprensa”.
“Suas crônicas, especialmente no jornal alternativo ‘O Pasquim’, construíram uma representação da cidade do Rio de Janeiro, da Zona Sul carioca, mais especificamente de Ipanema, como metáfora do Brasil, marcada pela ‘cultura do carioquismo’”, sublinha a editora.
