Jovens apostam em Milei na Argentina; seria revolucionário. Críticos dizem que é sádico e abomina pobres
15 novembro 2025 às 21h00

COMPARTILHAR
Estive em Buenos Aires por uma semana e andei por vários bairros (e passei uma semana em Rosario, terceira maior cidade da Argentina, com mais de 1 milhão de habitantes. É a cidade de Che Guevara e Lionel Messi). Na maioria das vezes, usei o transporte coletivo (ônibus). Dependendo do horário, lotado. Conversei com várias pessoas — sempre reclamando do custo de vida. Mesmo entre os apoiadores do presidente Javier Milei menciona-se que os produtos estão com custo elevado. A comida é cara. Livros são caros. Aluguel é caro. As escolas e faculdades particulares são caras. Tudo é caro.
Mas, ao contrário do que muitos pensam no Brasil, o apoio ao governo de Javier Milei é grande na Argentina. Há um cansaço em relação ao peronismo. Dois ex-eleitores de políticos peronistas me disseram que estão dando uma “chance” ao novo presidente. “Quem sabe, ele acerta a mão”, afirma um deles. “Cristina Kirschner e seus aliados roubaram demais”, acrescenta o outro. O julgamento da ex-presidente está em andamento. Aos 72 aos, cumpre prisão domiciliar.

O grupo de Milei está roubando? “Não sei. Ouço falar. Mas, se estiver, é muito menos do que a cleptocracia peronista que estava no poder”, diz um motorista de Uber venezuelano — formado em Administração. Ele torce, dia e noite, pela queda do governo de Nicolás Maduro.
Argentinos apreciam passear pelo Brasil. Falam bem de Florianópolis e Camboriú. Christian, nosso senhorio do Airbnb (seu departamento, como apartamento é chamado, fica na Rua Libertad, uma central de joalherias), aprecia o Nordeste e é leitor da literatura brasileira. Ele é de origem armênia.
1
Cachorros: o primado do poodle

Como os brasileiros, os argentinos adoram cachorros, que são levados para passear nas ruas e brincar nos parques. Velhos e jovens saem com suas “crianças” arteiras.
Os passeadores de perros (cachorros) são contratados por aqueles que não têm tempo ou saúde para passear com seus “amigos” (parte da família). Li, num cartazinho fixado num poste, a publicidade de um passeador, que informava o tempo de passeio — meia hora por dia. Alguns andam com dez cachorros, surpreendentemente disciplinados e atentos ao “guia”.

Os argentinos de Buenos Aires e Rosario parecem apreciar mais poodle, basset, golden e galgo. Além, é claro, dos vira-latas, sempre fortes e serelepes. Aqui e ali, podem ser vistos pastor alemão e schnauzer. Quase não vi Shih tzu, tão caro aos brasileiros.
Nas praças, a prefeitura adverte: “Levantar la caca de tu perro es respetar” (em Rosario). Mas vi muito cocô em algumas ruas.
2
Boca cala o River Plate: 2 a 0

No domingo, 9, nas ruas, bares e restaurantes, além de reclamar do custo de vida — o segundo “esporte” preferido localmente —, argentinos só falavam do jogo entre o Boca e o River. Até torcedores do Racing (há muitos) e do Velez Sarsfield comentavam sobre o clássico portenho.
O River Plate está mal e perdeu cinco partidas consecutivas. Mesmo criticado, o técnico Marcelo Gallardo não foi demitido. Pelo contrário, teve seu contrato renovado para a temporada de 2026.
Comprar ingresso para Boca e River, no La Bombonera, o estádio do primeiro, é uma missão quase impossível. O estádio é menor do que o do River, o Monumental. Os ingressos são caríssimos e disputados quase a tapa, inclusive no mercado paralelo.
Zeballos é, no momento, o jogador mais elogiado do Boca. Tem 23 anos. “Se reinventou e hoje é o homem chave”, assinala o “Clarín”.
O Boca lidera o grupo A. É o time da Argentina que mais aprecio, quiçá por ser um dos preferidos do povão. O garçom de uma pizzaria me disse: “Você é ‘hincha’ do Boca”. Sim, eu disse. “Pois sou torcedor (hincha) do River”, disse o homem de pouco de 30 anos. “Eu e meus amigos vemos os jogos pela televisão, pois os ingressos têm preços muito elevados”, reclamou.
O jogo entre Boca (ninguém usa o acréscimo “Juniors”) e River era tão importante — comentado por (e em) todas (as) bocas — que até a cantora britânica Dua Lipa foi à La Bombonera ver a batalha entre os dois times que têm torcidas vibrantes (a do Boca é parecida com a Vila Nova e a do River, mais comportada, lembra a do Goiás).
Há muitos torcedores do Racing em Buenos Aires. O falecido papa Francisco, o admirável argentino, era torcedor do San Lorenzo (em quinto lugar no campeonato).
Em Rosário, os times mais amados são o Rosario Central, que lidera o Grupo B do Campeonato Argentino, e o Newell’s Old Boys. O River é o sexto colocado e deve ficar fora da Libertadores.
3
Argentino ferido e goiana morta
No domingo, 9, estava sentado num barzinho da Avenida Corrientes, conversando com Candice e o amigo Felipe, de Uberlândia, quando, de repente, um alvoroço.
Dois homens brigaram, um deles, Patrício, foi esmurrado e bateu a cabeça no chão. Desmaiou. Saía sangue da cabeça e do ouvido esquerdo. Quando me aproximei, vi que dois brasileiros, estudantes de Medicina em Buenos Aires, prestavam os primeiros socorros. Colocaram luvas, fornecidas pela polícia, e ligaram as luzes dos celulares para olhar seus olhos. Verificam o pulso. “Está vivo e não muito mal”, constatou o aluno da Universidade de Buenos Aires (UBA). Um bom samaritano pegou o blusão de frio do jovem caído e colocou sob sua cabeça.

De repente, Patrício tentou se levantar. Eu e os estudantes conseguimos segurá-lo. Porque, sempre que tentava erguer-se, caía e batia a cabeça, já muito machucada.
A polícia acionou o setor de ambulância da prefeitura de Buenos Aires. Cinquenta minutos depois, já com Patrício sentado e querendo se levantar — com a ajuda de um amigo —, a ambulância chegou e o levou para o hospital. Ele havia perdido muito sangue. (Motoristas de Uber e garçons informam que setor público de saúde não é ruim, mas a demanda é alta. Há uma demora muito grande para se conseguir uma cirurgia.)
O que realmente aconteceu? Ninguém sabia o certo. Tudo indica que Patrício e seu rival “operam” nas ruas. Vendendo alguma coisa ou pedindo dinheiro. Observei bem os seus sapatos (pretos), inteiramente desgastados, com um dos solados saltando. É pobre. Daí a demora da ambulância? Talvez.
No mesmo dia, vi um torcedor do River ameaçando um torcedor do Boca. A briga só não terminou em troca de socos porque o “hincha” do Boca saiu correndo.
Há muitos assaltos em Buenos Aires. Ladrões de celulares e, se a pessoa der sopa, de bolsas e carteiras usam motos para roubar. Chegam em dupla, um rouba e o outro fica na moto. São os “motochorros”. Há poucos dias um policial “retirado” — “jubilado”, quer dizer, aposentado — reagiu e matou um “motochorro”. O outro escapou. (Notei, lendo os jornais, que há muitos casos de feminicídio na Argentina.)

Poucos dias antes, a goiana Maria Vilma das Dores Cascalho da Silva, de 69 anos, saiu de casa para trocar dinheiro e, agredida por um morador de rua, caiu, bateu a cabeça e morreu. Era funcionária aposentada do Tribunal de Justiça de Goiás. Sua filha faz Medicina em Buenos Aires.
Conversei com três brasileiras que estudam Medicina em Buenos. Juliana, de Ribeirão Preto, estuda na Universidade de Buenos Aires (UBA), que é pública. As outras duas estudam em escolas particulares — uma, quase formada, vai se especializar em dermatologia. Reclamam das mensalidades, que sobem com frequência e sem aviso, e do valor do aluguel. “Para escapar do orçamento mensal, a gente precisa fazer comida em casa. Comer na rua é dispendioso.” De fato, gasta-se, em média, num bom restaurante — sem luxo —, cerca de 70 reais por refeição. Sem contar a bebida e a gorjeta (que chamam de “propina” na Argentina). Há restaurantes caríssimos, como o estrelado Don Julio. Para almoçar lá é preciso fazer reserva e esperar na fila. Parei na porta e perguntei para um garçom: “Muitos brasileiros frequentam o Don Julio?”. “Oh, sim. Muchos, muchos, muchos!”, disse, exclamando.
A pizzaria mais famosa é, certamente, a Guerrin (a fila é quase sempre gigantesca, sobretudo à noite. Para escapar das filas para as disputadas meses, pode-se comer em pé, o que fiz). Mas há outras muito boas, como El Cuartito e Las Cuartetas. Nossos amigos Luciana (argentina) e Marcelo (brasileiro) nos levaram a uma excelente e bela pizzaria — Los Inmortales. Nas paredes há fotografias de pessoas famosas da Argentina, como Carlos Gardel (enterrado no Cemitério da Chacarita), Libertad Lamarque (cantora nascido em Rosario) e Julio Cortázar (hoje tão cultuado quanto Borges; este, o Pelé da literatura argentina).
4
Maradona ou Pelé: qual é o melhor?
Argentinos sempre me perguntam: “Maradona ou Pelé?” Martin, garçom na pizzaria Kentucky da Avenida Corrientes, faz a pergunta, colocando, é claro, o argentino antes do brasileiro. Mas ressalva: “Os dois foram grandes”. Pergunto: “E Messi”. Ele responde: “Muito bom, quase um deus. Mas não tão emblemático quanto Maradona e Pelé. O argentino e o brasileiro são ícones”.

Martin quer saber se Pelé está vivo. Digo que não. “Ah, era mais viejo que Marodona, non?” Sim, era. Mas o gênio brasileiro — Deus — morreu antes do craque argentino, Jesus.
Peço para usar o banheiro da Kentucky. Martin me fornece um código. Pergunto por quê. “Por causa dos moradores de rua”, admite.
5
Capital do teatro da América Latina

Buenos Aires é, por certo, a capital do teatro na América Latina. Há vários teatros, na Corrientes e outras ruas. O mais famoso é o Colon. Um dia abriram para visitação gratuita e a fila circulou por todo o teatro. Independentemente de suas temporadas líricas, a arquitetura e o interior do teatro são de uma beleza ímpar. Um verdadeiro palácio… das artes.
Uma das peças de mais sucesso é “Rocky”. Sim, a respeito de Rocky Balboa, interpretado no cinema por Sylvester Stalone. Está em exibição no Teatro Lola Membrives.
“O Beijo da Mulher Aranha”, baseada no romance de Manuel Puig, é encenada com sucesso em Buenos Aires.
Há filas para assistir várias peças. Os preços são elevados, o que resulta concluir que há uma classe média (cada vez menor, dizem) e uma elite com dinheiro para gastar com entretenimento.
6
Melhores livrarias da capital argentina

As livrarias e os sebos de Buenos Aires são um espetáculo à parte. Porque são excelentes e o acervo é cosmopolita. Aconselho, antes de frequentar as librarias (librerías) de livros novos, ir às livrarias de viejo, os sebos. São excelentes e, sobretudo, os preços são bem menos elevados.
Circulam na Argentina livros publicados na Espanha e, portanto, chegam com preço de euro. Então é comum um livro custar de 100 a 200 reais. Há livros que saem por 300 reais.

“Lealtades Enmarañhadas — Vida y Época de Iliá Ehrenburg” (Siglo XXI, 527 páginas, tradução de Esther Gómez Parro), de Joshua Rubenstein, custa 55.990 pesos — ou 210,36 reais. No Brasil é muito difícil um livro com o mesmo número de páginas e escassas ilustrações custar tanto.
Não vi o livro de Joshua Rubenstein, professor de Harvard, nos sebos (só encontrei na Librería Hernández). Mas certamente custaria entre 50 e 100 reais, se usado.
O livro usado “Jaime Gil de Biedma” (Circe, 510 páginas), de Miguel Dalmau (autor de ótima biografia de Julio Cortázar, na qual prova que o escritor morreu em decorrência do vírus da Aids. Contaminou-se via transfusão de sangue), custou 25 mil pesos (93,93 reais) no sebo El Pez Volador, em Rosario. Biedma é um importante poeta espanhol e sua biografia é considerada um portento.

A proprietária me disse, sorrindo: “De tanto ouvir brasileiros já entendo um pouco de português”. Quando me despedi, ela disse: “Obrigado” (gracias) e “tchau”.
Quais são as melhores livrarias de Buenos Aires? A mais bela é, por certo, El Ateneo, que fica num teatro da Avenida Santa Fé e é, digamos assim, um ponto turístico da cidade (os turistas apreciam mais fazer fotos para postagem em redes sociais do que comprar livros). El Ateneo e Yenny, do mesmo grupo, são boas livrarias, com acervos consideráveis e diversificados (talvez sejam as que mais têm livros de e sobre Jorge Luis Borges. Inclusive um sobre o “Aleph”).

As livrarias de minha preferência são, na sequência, Eterna Cadencia (que tem uma ótima editora, igualmente Eterna Cadencia), Guadalquivir, Libros del Pasaje, Hernández (o acervo é amplo e diversificado). A Edipo vende livros novos e usados. O livreiro, Javier — de quem me tornei amigo de infância (já me beija o rosto — sim, os argentinos fazem isto com quem apreciam) —, sabe tudo de literatura latino-americana na ponta da língua. Orienta os leitores, fala das figuras consagradas e dos novos, sempre com rara competência e paixão. É leitor de autores brasileiros.
Vale uma visita às duas unidades do sebo Dickens, que contam com excelente acervo (inclusive sobre cinema e teatro). Ficam na Corrientes.

Na Dickens, conversei por trinta minutos com o livreiro, que estuda português. Porque aprecia a literatura brasileira. No momento está lendo o ebook “O Que É Meu”. “Estou gostando muito. José Henrique Bordoluci conta a história do pai caminhoneiro. É uma bela muito rica história.” Depois, planeja ler “Manuelzão” e “Miguilim”. A livraria vende livros de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Ele não conhece a prosa de Graciliano Ramos. Assim como Javier, anotou o nome de seus livros.
Entre os autores brasileiros mais expostos estão Clarice Lispector (campeã), Rubem Fonseca, Jorge Amado. Há também traduções de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Luiz Rufatto, Andréa del Fuego, Paulo Coelho.

Na Librería Hernández, encontro uma brasileira com uma amiga argentina. Pergunto qual é o autor preferido de ambas. As duas disseram: “Paulo Coelho”. A brasileira conta que planeja ler Clarice Lispector, depois de vê-la tão divulgada nas livrarias portenhas (duas biografias da autora, escritas por Nadia Batella Gotlib e Benjamin Moser, aparecem com destaque nas estantes e mesas). Em Rosario, os livros de Clarice Lispector são conhecidos. Talvez seja a escritora brasileira mais conhecida na Argentina, acima de Machado de Assis, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.
Na Livraria De La Mancha, o livreiro é muito bem informado. Candice pediu para ver um livro sobre Jacques Lacan que estava num estante bem alta. O livreiro, anti-Milei, disse, brincando: “Os lacanianos sempre querem o mais difícil”. Os dois riram, bem-humorados.
7
Carne é boa mas sem sal
Os chorizos e lomos (filé) argentinos são muito bons, em todos os restaurantes nos quais fiz minhas refeições. As carnes (mesmo peixes) são servidas com pouco sal, o que desagradam brasileiros. Então, muitos, inclusive eu, colocam sal na carne. Para o olhar desconsolado e desconcertado dos garçons argentinos.

Come-se também carne de porco (cerdo) e se aprecia os variados tipos de empanadas. Há até, em alguns cafés, pão de queijo. Bueno? Razoável.
Em algumas casas, o cardápio tem nomes de pratos (ou das carnes — lomo é filé) em português. Vários garçons se esforçam para entender tanto o português quanto o portunhol dos brasileiros. São educados e prestativos.

Quase não há arroz nos restaurantes, mas cheguei a comer uma ou duas vezes. Feijão não vi nenhuma vez. O que mais se come é carne, batata (papa) e saladas de alface (lechuga) e tomates.
8
Café Ouro Preto: quase brasileiro

Um dos destaques da Corrientes (avenida dos livros, dos cafés e dos restaurantes e pizzarias) é o Café Ouro Preto que, fundado por brasileiros (de Curitiba), em 1947, está sob controle de argentinos desde 1990.
O café, medialunas e croissants do Ouro Preto são muito boas. Fica quase sempre cheio. Nas proximidades, localiza-se o famoso Gato Negro, com seus chás e cafés diferenciados. É o preferido de minha mulher, Candice. Lá me espera enquanto faço a peregrinações por livrarias e sebos — meus templos laicos.
9
Jacarandá e Cipreste vestem a cidade de beleza
Os jacarandás estão floridos e os ciprestes — altíssimos — encantam nas ruas de Palermo, por exemplo.
Em algumas ruas, os ciprestes formam uma espécie de “cobertura” — criando longas e confortáveis sombras. Nos períodos de calor, é adorável andar pelas ruas que têm ciprestes dos dois lados. Parece um túnel fresco e belo. As árvores “resfriam” a cidade.
Não se pode visitar Buenos Aires sem ir ao Rosedal. Há tantas rosas que, de longe, sente-se o cheiro que, de alguma maneira, ilumina a alma das pessoas. Há, no local, a Praça dos Poetas. Há bustos de Oliverio Girondo, Jorge Luis Borges, Alfonsina Storni, García Márquez, Ruben Darío, entre outros. Nota-se que só há uma mulher. Silvina Ocampo e Norah Lange não aparecem.

Buenos Aires tem muitas áreas verdes. Daí a imensa quantidade de pássaros — sabiá (laranjeira e do campo), joão-de-barro, estorninho, periquito, pomba, beija-flor, suiriri, cardeal.
10
Jornais impressos ainda fazem sucesso
“Clarín”, “La Nacion” e “Página 12” (de esquerda pró-peronista) saem diariamente com edições impressas. Durante a semana, o “Clarín” custa 3.200 pesos (12,04 reais) e tem em média 56 páginas. É caro, mas vende bem.
Aos domingos, “Clarín” e “La Nacion” saem com edições impressas com dezenas de páginas (e muitos anúncios).
A edição dominical do “Clarín” (comprei no domingo, 9) saiu com 60 páginas e mais a revista (encarte) “Viva” com 40 páginas. Portanto, ao todo, 100 páginas. Repetindo: material impresso.

A revista cultural “Ñ”, do Clarin, é de excelente qualidade. É parecida, em certa medida, à brasileira “451”. Há resenhas, ensaios, entrevistas excelentes.
No domingo, 9, o “La Nacion” saiu com 104 páginas. Sim! O primeiro caderno tem 40 páginas e as restantes são dos suplementos: “Deportes” (oito páginas), “Economia” (12 páginas), “Espetáculos” (oito páginas), “Conversaciones” (24 páginas), “Bienestar” (12 páginas).

Amigos de Buenos Aires falam que são jornais “burgueses” e que, por isso, “apoiam” o governo de Javier Milei. Pode até ser. Mas li os dois e vi muitas críticas à gestão do presidente do partido Libertad Avanza. Há mesmo apoio? É possível. Mas não há entusiasmo. Li artigos, nas duas publicações, criticando o populismo do presidente da Argentina. O apoio certamente é às ideias liberais do administrador do país.
Em Rosário há o jornal “La Capital” — impresso, mas com menos páginas.
11
Custo dos produtos: preços elevados
Uma água mineral (dois litros) sem gás Eco de los Andes custa, em média, 1.950,50 pesos (7,34 reais).
Um real vale entre 220 e 261 pesos. O valor depende de onde se faz o câmbio. Troca-se dinheiro nas ruas e em casas de câmbio.
O saquinho de “yogur milkaut” de pêssego (durazno) custa 2.862,72 pesos (cerca de 10,77 reais).
Nos produtos, em letras grandes, avisa-se que o produto tem muito açúcar.
Um café para duas pessoas, com as famosas medialunas, não sai por menos de 30 reais. Dependendo do lugar, sai mais caro.
Os restaurantes são caros, no geral (por exemplo, em Puerto Madero, Recoleta e Palermo). Mas, procurando com atenção, é possível encontrar lugares com preços mais acessíveis. Vale lembrar que Buenos Aires é uma cidade turística de matiz internacional.
12
Cubanos criticam ditadura
Há vários cubanos em Buenos Aires. Os que vi são negros. Pedro Cubano, que troca pesos por reais, euros e dólares, planeja se mudar para a Rússia, em breve. Ele está estudando russo.
Às vezes, troco algum dinheiro com Pedro Cubano e nunca recebi uma nota falsa. É confiável.
Os cubanos são críticos ferrenhos da ditadura implantada pela família Castro. “A única solução é a derrubada da ditadura” — é que dizem cubanos radicados em Buenos Aires. Falam que seus familiares que ficaram em Cuba não estão felizes e pensam cair fora do país.
Em Rosario, na feira de alimentação em que se comemora os 300 anos de Rosario, há barracas de vários países. Estive na de Cuba. Lá os cubanos silenciaram-se sobre a ditadura. “Sou 100% cubano”, desconversou um deles. A comida do país me pareceu apetitosa. Mas optei por comer a uma pizza italiana de Lazio. Muito boa, por sinal.
13

Favela, paraguaios, bolivianos e venezuelanos
Há milhares de favelados na Argentina. Com algumas de suas construções coloridas, a imensa Villa 31 é famosa (ainda quero circular por lá, em companhia de um morador ou de um religioso; a Igreja Católica tem influência no local).
Pergunto a um motorista de aplicativo (Uber), peruano radicado há mais de duas décadas em Buenos Aires, sobre a vida na favela. “É perigoso? De certa forma, sim. Mas nem tanto.”
O motorista diz que na Villa 31 moram muitos estrangeiros, sobretudo paraguaios e bolivianos. “Os venezuelanos moram em outros lugares.” Outra fonte me disse que vários argentinos pobres moram na favela.
Há muitos venezuelanos em Buenos Aires. Trabalham em lojas e dirigem automóveis de aplicativos, notadamente Uber. Muitos táxis funcionam como Uber.
Os cinco venezuelanos com o quais conversei torcem pela queda do presidente Nicolás Maduro. Só voltam para a Venezuela se o ditador cair — dizem.
O paraguaio Santiago conta que adora a música de Eduardo Costa e Zezé Di Camargo. Citou também Caetano Veloso e Maria Bethania. (Caetano, de 5 anos, filho de argentina e brasileiro, aprecia “Leãozinho”, de Veloso.)
14
Lojas aceitam pix mas não reais
A moeda argentina está em “jogo” permanente — desvalorizada em relação ao dólar, ao euro e, mesmo, ao real. Em alguns lugares — lojas e restaurantes — há placas avisando: “Aceitamos dólar e euro”. Reais raramente são aceitos. Mas algumas lojas não rejeitam pix. Em algumas delas trabalham brasileiros. Uma paraense alerta: “Cuidado com os celulares”. Assim como os argentinos, reclama do custo de vida.
Nas ruas, notadamente nas mais frequentadas, há pessoas dizendo “câmbio!”, “câmbio!”, “cambio!” Entre os cambistas a maioria é argentina, mas há cubanos e brasileiros negociando moedas de alguns países. Há os que andam com uma bolsa de dinheiro — como Pedro Cubano — e há os que levam o cliente para uma loja ou casa de câmbio. São contatos. Se trocam um real por 260 pesos ganham 10 pesos — é o que me disseram. Nunca sei quando estão dizendo a verdade.

15
Os argentinos são educados e solícitos
Há uma rivalidade esportiva entre o Brasil e a Argentina. Mas, no dia a dia, no trato pessoal, os argentinos, os de Buenos Aires e de Rosario, não dão importância ao confito futebolístico e, por isso, tratam os brasileiros muito bem (há uma exceção, aqui e ali).
Quando o cliente entra numa loja e, ao sair diz “gracias”, mesmo não comprando nada, os argentinos são infalíveis: “Não, por favor”. Quer dizer, em geral, não ficam irritados com os perguntadores de preços que nada levam. Faz parte das regras do jogo comercial. Amanhã o indivíduo poderá se tornar um consumidor efetivo.
Sim, aqui e ali, há argentinos irônicos. É uma ironia fina, mais divertida do que maliciosa. Apreciaram o meu esforço e o de Candice (que habla muito melhor do que eu) tanto de falar quanto de entender o espanhol, ou melhor, o castellano. Nota sete para Candice e quatro, talvez cinco, para mim.

Em Rosario, perguntei sobre o livro “Reflexiones Sobre El Nazismo” (Prometeu Libros), de Saul Friedländer, na Livraria Paradoxa. A livreira encontrou no computador, mas não no acervo. Outro jovem me pediu o whatsapp. Disse que me avisaria se o achasse. Não acreditei.
Saí da livraria e fui ao sebo El Pez Volador (O Peixe Voador). Verifique as mensagens e estava lá: “Euler, te hablo de la librerìa Paradoxa Libros, recién nos consultaste por un libro que no encontrábamos pero lo
encontramos el libro era Reflexiones sobre el nazismo, de Saul Friedlander, si querés buscarlo estamos hasta la 19 hs. hoy y mañana, o el sábado por la mañana”.
Voltei à livraria e comprei o livro do judeu tcheco Saul Friedländer, um dos mais notáveis historiadores do Holocausto.
16
Javier Milei quer ser o novo Perón?
A imprensa argentina e brasileira não percebeu a força de Javier Milei nas eleições legislativas. Dizia-se que seu partido poderia perder. Na verdade, ganhou. Fiquei pensando: “Será que os jornalistas não estão indo às ruas conversar com as pessoas e estão ficando circunscritos às bolhas ideológicas?”
Estou entre os que torcem pelo sucesso mais do governo do que de Javier Milei. Porque, se der errado, são os argentinos que vão sofrer, não os políticos e empresários, que têm suas redes de proteção.

O que mais impressionou nas conversas com argentinos é que os jovens estão “entusiasmados” com o governo de Javier Milei. Sobretudo, compraram o seu discurso. Quatorze de 17 jovens com quem conversei, em restaurantes, livrarias, lojas e nas ruas, repetem, de maneira articulada, o discurso do presidente. “É revolucionário”, sintetiza um jovem de uma loja que vende chocolate num shopping da Recoleta, ao lado do cemitério turístico onde estão enterrados Silvina Ocampo, Victoria Ocampo, Oliverio Girondo e, sim, Evita Perón.
Os jovens — indivíduos com menos de 30 anos — dizem quase sempre a mesma coisa: “Aqueles que trabalham não têm do que reclamar”, “o governo de Milei ajuda os que trabalham”, “a corrupção acabou” (ou “a corrupção diminuiu”), “a inflação caiu” (mas admitem que o custo de vida está alto, os preços dos aluguéis e das faculdades estão impraticáveis), “o país está mais estável”.
No restaurante Tucson, o garçom colombiano diz que Javier Milei “fez o que todos esperavam — estabilizou a economia. Os críticos estão exigindo de Milei o que os outros governantes não fizeram em 50 anos. Os moradores da Argentina viviam numa incerteza cotidiana; agora, não”.
Há, claro, os que detestam Milei, como o motorista de aplicativo Rogelio (“abomino Milei, porque está sacrificando os pobres”) e o livreiro Javier (“mas não sou Milei”, avisa, brincando) é severo: “Milei governa para os ricos fingindo que está governando para todos os argentinos. E, sim, há corrupção no governo. A irmã do presidente, Karina Milei, é acusada de receber propina”, afirma o livreiro. “Milei é sádico e agente do capitalismo mais predatório do mundo — o do hiper-liberalismo.”
Na Livraria La Mancha, o livreiro diz que Javier Milei é o Bolsonaro da Argentina. O “filme” não vai terminar bem, postula. “O projeto de Milei é engordar, ainda mais, as contas bancárias dos ricos da Argentina, dos Estados Unidos e de outros países. É um agente mais do capital do que dos argentinos”, assinala o advogado Juan.
Um gerente de restaurante corrobora: “Milei é uma ‘miniatura’ de Putin e Trump. Não duvido nada que queira se eternizar no poder, se tornando uma espécie de novo Perón”. Contraponho: “Mas o peronismo é anti-Milei”. Ele acrescenta: “Não se esqueça que Perón era populista, como Milei, e tinha um componente fascista”. Ressalva que, para conter o líder do Libertad Avanza, vota com os peronistas. (Leia mais no Jornal Opção: https://tinyurl.com/39az7z44)
“O ex-presidente Mauricio Macri, de direita ou centro-direita, vive em crise com Milei. Mas, enfraquecido politicamente, está se subordinando às forças do presidente”, diz um jornalista (periodista) que trabalha como livreiro na Corrientes.
Karina Milei é vista como primeira-ministra e Milei a chama de “Jefe” — chefe. De alguma maneira, opera o governo, e não apenas nos bastidores. Outro operador é o consultor político Santiago Luis Caputo.
17
Pessoas em situação de rua em Buenos Aires

Abordei várias pessoas em situação de rua em Buenos Aires. Queria saber por que estão nas ruas. Muitos nem têm condições de explicar quem são — estão famintos e pedindo, mesmo sem palavras, dinheiro e comida. Dei metade de minha lasanha para uma senhora distinta de cerca de 50 anos. Ela pegou o pedaço e acabou expulsa pela garçonete da Kentucky.
Numa rua, um homem comia, com muito interesse, um pedaço de frango. Aproximei e tentei conversar. Não quis ou não pôde (e, claro, estava comendo). Pedi para fazer uma fotografia. Assentiu com a cabeça. Riu e continuou a comer, com satisfação. Uma mulher, de cerca de 50 ou 60 anos (cabelos brancos, mas rosto quase sem rugas), me pediu esmola. Tentei conversar com ela. Nada falou.
Depois, tentei conversar com um homem jovem, barbudo. Nada falou. Mas, com as mãos, sugeriu que estava com fome.

Os três me pareceram ter problemas mentais. Ou talvez a fome seja a razão da dificuldade de comunicação. Estão fisicamente fragilizados.
Há dezenas de pessoas morando nas ruas (dormem em geral sob as marquises dos teatros) — alguns deles bem jovens e já com filhos. Um casal, com três filhos pequenos, pedia ajuda nas proximidades da Pizzaria Guerrin.
Há alguns indivíduos que criam cachorros. Um deles, dono de dois cães, me disse que precisa de seus “companheiros” que, também, ajudam a proteger seus parcos pertences (sapatos e roupas). “Cuido mais deles do que de mim.” De fato, os dogs estão bem alimentados. Mais do que o proprietário, que tem poucos dentes na boca. Mas abre um sorrisão quando recebe algum dinheiro.

“Javier Milei reduziu a assistência social e, por isso, há mais gente passando fome” — é a síntese do que dizem seus críticos. De fato, há dezenas — talvez centenas ou milhares — de pessoas dormindo nas ruas. Numa delas, durante o dia, um homem velho, ou aparentemente velho, deitou-se e dormiu — “atrapalhando” o trânsito, diria Chico Buarque. As pessoas tinham de saltá-lo para continuar a caminhada.
18
Desmatamento de áreas extensas
Entre Buenos Aires e Rosario avulta, de cara, o desmatamento. Áreas imensas foram desmatadas para plantio de soja, trigo e milho (maíz) e criação de gado. Parece o Sudoeste de Goiás.

A Argentina é exportadora de grãos e carne, como o Brasil. O pessoal do Agro aprecia o que chamam de estabilidade — ou relativa estabilidade — do câmbio. Diz que o governo de Javier Milei está sendo favorável aos produtores rurais. Um deles, Horacio, produtor de sementes, é um dos entusiastas do presidente.
Horacio havia me advertido que o partido de Milei sairia bem das eleições legislativas. Foi o primeiro a me dizer isto.

19
Os museus e o Abaporu de Tarsila do Amaral
Os museus de Buenos Aires são altamente frequentados. O Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires (que todos chamam de Malba) tem um interesse especial para os brasileiros, pois expõe o célebre quadro Abaporu, da pintora modernista Tarsila do Amaral.

O Museu de Xul Solar contém a obra de um dos pintores mais interessantes da Argentina. Sua pintura é surrealista? Aproxima-se, se não for. O misticismo é evidente. Xul Solar, amigo de Jorge Luis Borges, não era, porém, “apenas” um pintor. Criou uma “língua” e sua pintura tem uma linguagem pictórica, se se pode dizer assim, que é uma “narrativa” de alta plasticidade. Ezra Pound possivelmente o colocaria na categoria dos mestres-inventores — dada sua originalidade.
É uma imprescindível uma visita, mais ou menos demorada, ao Museu Nacional de Belas Artes — dotado do maior acervo de arte da Argentina.
A Biblioteca Nacional, com seu estilo brutalista, é outro atrativo. Na semana que passei em Buenos Aires estava com uma exposição sobre os 80 anos do conto “O Aleph”, de Jorge Luis Borges. O poeta foi diretor da biblioteca.

O Museu do Holocausto de Buenos Aires é incontornável. Moderno e didático, é bem informativo a respeito do genocídio dos 6 milhões de judeus.
Neste mês, durante um dia, os museus foram abertos para visitação gratuita. Formaram-se grandes filas com argentinos e turistas. Pensei ir ao Teatro Colón, mas a fila, quase dobrando o quarteirão, retirou meu ânimo.
