Jornalista das entrelinhas, Ivan Mendonça escreve o melhor e mais revelador livro do ano

30 junho 2019 às 00h00

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O repórter revela um segredo de Henrique Santillo, frisa que Marconi Perillo foi alertado de que deveria mudar e diz que Caiado foi subestimado
Iúri Rincon Godinho
Especial para o Jornal Opção
O melhor livro — de longe — de Goiás este ano será lançado na segunda-feira, 1º, às 19 horas, na Assembleia Legislativa. O jornalista Ivan Mendonça escreveu sua autobiografia “O Espião do Morro — Releitura das Mutações do Jornalismo e do Poder Político em Goiás” (Kelps, 295 páginas) de maneira deliciosa, com um texto estiloso, cheio de adjetivos engraçados e revelações.
Ivan Mendonça, aos 69 anos — com espírito de menino rebelde —, fez uma autobiografia das mais tradicionais, desde o seu nascimento, em ordem cronológica, até a morte do jornalista Jávier Godinho, em 13 de setembro de 2018. Antes de entrar em gráfica, tinha o formato do livro todo na cabeça, inclusive como e onde queria as fotos. Escreveu, revisou e editou. O título faz referência ao fato de ele ter nascido no Morro do Espia na cidade de Tiros, em Minas Gerais.
A partir de sua adolescência, Ivan Mendonça vira uma espécie de Forrest Gump de verdade: onde houvesse um personagem importante da história política de Goiás, lá estava na foto o jornalista — que antes se formou em Agronomia, repetindo a história de outro jornalista de Goiás, o veterinário Rogério Lucas (trocou tudo pelo jornalismo).
Quando saiu de sua terra natal para estudar em Patos de Minas, era chamado de “patureba” — os nascidos na cidade eram patenses. Depois que veio para Goiânia passou a ser “patife”. A verve cômica de Ivan Mendonça faz a leitura fluir fácil, e lhe permite escrever o que quiser de todo mundo. Ao chegar a Goiânia nos anos 70, trabalhando como fotógrafo, foi contratado pelo pai do cantor Marcelo Barra, que na época era apenas um “bundudinho”. Os políticos criadores de caso são chamados de “zangadinhos”.
De diminutivo em diminutivo, Ivan repassa sua longa carreira no jornalismo e os bastidores da imprensa e da política. Relata a briga voraz entre o governador Ary Valadão e o ex-governador Irapuan Costa Junior até a saída deste para o PMDB, a pá de cal na Arena e na direita ligada ao regime militar em Goiás.

Mas nada que se compare ao embate Iris Rezende-Henrique Santillo (e olhe que no quiproquó entre Marconi Perillo e Ronaldo Caiado houve até ameaça bala, conforme Ivan). O primeiro teria inviabilizado o metrô de superfície que Henrique Santillo costurava com o financiamento da Argentina.
Como uma espécie de troco, o então governador Henrique Santillo não apoiou Iris Rezende quando este postulou — e perdeu — a indicação para concorrer à Presidência da República. Segundo Ivan Mendonça, Henrique Santillo nunca abandonou suas inclinações à esquerda — foi fundador do PT — e, mesmo sendo governador do PMDB, “tinha frequentes recaídas para o lado esquerdo de seu coração avermelhado”. Nos últimos anos de sua vida estava triste e barbudo, conforme o livro e uma foto do ex-governador. Trabalhava, inclusive, num posto de saúde de Anápolis quando, de lá, foi arrancado por Marconi Perillo, eleito governador em 1998, e nomeado secretário da Saúde e, em seguida, indicado para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Na mítica eleição de 1998, quando Marconi Perillo, aos 35 anos, derrotou o favorito Iris Rezende para o Palácio das Esmeraldas, Ivan Mendonça reposiciona o papel de Ronaldo Caiado como o político que ajudou a desconstruir o PMDB. E conta que Marconi Perillo foi escolhido depois de uma pesquisa que revelou que 75% da população gostaria de uma renovação na política goiana na época, mesmo Iris Rezende sendo o preferido na intenção de voto — o candidato da oposição seria, até então, Roberto Balestra, e não o jovem tucano.
Nas muitas páginas que dedica ao Tempo Novo e aos quatro governos de Marconi, o autor descreve uma derrocada lenta e anunciada. Entre as tradicionais traições e idas e vindas de aliados, Ivan Mendonça analisa que Marconi Perillo “já tinha recebido avisos e mais avisos em 2012 da necessidade de rejuvenescer métodos políticos e administrativos quando foi criada a Comissão Parlamentar de Inquérito contra Carlinhos Cachoeira”. Elegante, Ivan Mendonça é um jornalista das entrelinhas — aquelas que dizem mais do que as “linhas”. Para o expert em política, Marconi Perillo não soube ler os sinais de sua própria descida à terra dos derrotados nas urnas, como o poder destrutivo das redes sociais, a onda moralizadora nacional e a capacidade de aglutinação de seu principal opositor, Ronaldo Caiado. E também teria errado ao se candidatar em 2018 não à Câmara Federal — teoricamente teria uma eleição tranquila — mas ao Senado.

O autor é testemunha ocular da imprensa escrita nos últimos 40 anos. Passou por “Cinco de Março”, Jornal Opção, “Diário da Manhã”, “Tribuna do Planalto” e “O Popular”, para ficarmos apenas nos mais relevantes. É funcionário da Assembleia Legislativa e assistiu do cercadinho da imprensa no plenário as grandes batalhas políticas das últimas décadas.
Em meia página, Ivan Mendonça demole o mito de que o “Diário da Manhã” fechou as portas na década de 1980 por culpa do então governador Iris Rezende. Claro que o político teve participação, asfixiando o jornal com o corte de verbas publicitárias. Mas havia uma guerra político-ideológica interna na redação — que chegou a ter 200 jornalistas — e outra entre o editor-geral Batista Custódio e Consuelo Nasser, casados na época. “Consuelo Nasser exigia que se demitisse metade da redação”, escreve. Habilidoso (entrelinhas, lembram?), Ivan Mendonça dá a entender — sem afirmar — que o casamento dos dois acabou por essas diferenças. O autor também diz que o fato de Iris Rezende ter sido responsabilizado pela quebra do jornal jamais atrapalhou a carreira política dele.
A revelação mais bombástica do livro envolve Henrique Santillo quando era governador de Goiás. Um segredo de família, que só pôde ser revelado com a morte da ex-primeira-dama Sônia Santillo. Ivan Mendonça pediu para eu não contar até o lançamento (a história já havia sido contada, en passant, num livro de Adhemar Santillo). Não costumo obedecer, relutei, mas quem escreve um livro tão bom pode pedir alguma coisa. Ao menos pude revelar a existência de um segredo… ou quase segredo.
Iúri Rincon Godinho é publisher da Contato Comunicação e membro da Academia Goiana de Letras.