Jornalismo não sabe como transformar acesso multiplicado em dinheiro

15 julho 2017 às 09h40

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Redes sociais, blogs e sites contribuem para aumentar o acesso dos jornais e revistas. Mas quem ganha dinheiro mesmo são Facebook e Google
A imprensa internacional está numa encruzilhada: continua produzido jornalismo de alta qualidade e suas reportagens são amplamente repercutidas em blogs, sites e redes sociais. Os leitores sabem onde buscar informações confiáveis, organizadas e (relativamente) objetivas. Mas há o problema do financiamento: os acessos estão em alta, a internet multiplicou o número de leitores, mas não tem sido fácil bancar os custos de produzir qualidade. Migrar inteiramente para a internet barateia custos com impressão e distribuição, mas não acaba com as demais despesas. Outro problema em breve será resolvido, mas ainda não foi: anúncios na internet têm preços mais baixos do que os anúncios nos veículos impressos.
O jornalismo está em crise? Sua principal crise talvez tenha menos a ver com queda de qualidade e mais com sua sustentabilidade financeira — dada a competição mais intensa tanto entre os meios de comunicação tradicionais quanto com os sites (que, com custos reduzidos, tendem a vender seus espaços por preços mais do agrado de alguns anunciantes). Uma má notícia é que a mídia está perdendo espaço publicitário para o Google e para o Facebook. Sobre o fim do impresso, cantoria feita em geral por editores de blogs, leia o que diz o físico, linguista e especialista em comunicação Robert K. Logan, autor do livro “Que É Informação?” (Contraponto/Editora PUC, tradução de Adriana Braga), nos dois últimos parágrafos. A tendência é que os impressos — jornais e revistas — sobrevivam, mas menores e com perfis diferenciados, com reportagens e análises mais densas. Os que se prenderem exclusivamente às notícias factuais tendem a desaparecer. Os veículos impressos que não vão morrer serão aqueles que investirem em qualidade. Por exemplo, a revista “Piauí”, que, com seus textos longos e densos, não é para quaisquer leitores.
Caio Túlio Costa, ex-ombudsman da “Folha de S. Paulo” e ex-diretor do UOL e da iG, escreveu um livro para entender se há ou não um “modelo rentável para as companhias jornalistas na era digital”. Suas ideias estão expostas no e-book “Um Modelo de Negócio Para o Jornalismo Digital: Como os Jornais Devem Abraçar a Tecnologia, as Redes Sociais e os Serviços de Valor Adicionado”.
Numa entrevista ao repórter João Luiz Rosa, do “Valor Econômico”, Caio Túlio Costa frisa que os grupos jornalísticos tendem a deixar de ser companhias de informação para se tornarem “empresas de serviços, fortemente apoiadas na tecnologia”. O jornalista sublinha que, na internet, o jogo é diverso do que ocorre na área exclusiva dos impressos. “A maior parte da economia digital (60%) fica nas mãos das operadoras de telecomunicações, seguidas pelas companhias de tecnologia (como Google e Facebook), com 22%, e pelos fabricantes de eletrônicos (PCs, tablets, celulares), com 14%. A mídia aparece em último lugar, com 7%.” A fatia do Google e do Facebook está crescendo e, em parte, graças à produção dos jornais, revistas e sites.
Ao fornecer jornalismo gratuito aos leitores, os jornais pensaram que atrairiam publicidade, o que ocorreu apenas em parte. Caio Túlio Costa sugere um caminho misto: parte paga e parte gratuita. O jornalista não percebe uma fissura no seu raciocínio, talvez porque escreveu pensando nos grandes jornais que são considerados “nacionais”, como “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo” e “O Globo”. São veículos conhecidos. Portanto, mesmo se fecharem parte de seu material — e parte já está fechada, com criações de algumas brechas, com a sugestão de que os leitores são assinantes, mesmo quando não pagam pelas notícias —, poderão atrair novos assinantes. Porque estes sabem que o produto é de qualidade. Mas o que dizer de jornais apontados como “regionais”, como “O Popular”? Se fecharam parte, e em geral fecham o que há de melhor, como se tornarão conhecidos? Alguém vai assinar um jornal do qual nunca ouviu falar? A internet derrubou as fronteiras e todos os jornais se tornaram nacionais e, mesmo com a barreira dos idiomas, internacionais. Mas a tendência é que o leitor só assine aquilo que é conhecido e respeitado.
Caio Túlio Costa afirma que é preciso “recriar os pontos centrais do negócio. Um fundamento é aprender a usar a superdistribuição, o fluxo de público que os jornais recebem quando alguém envia a um amigo, via rede social, o link para um artigo”. Como sou assinante do UOL, portanto com acesso à “Folha de S. Paulo”, costumo compartilhar textos de Contardo Calligaris, Ruy Castro, Marcelo Coelho, Drauzio Varella no Facebook. Mas meus amigos de rede social, que não são assinantes do UOL e da “Folha”, reclamam que os artigos estão “bloqueados”. Uma saída é copiar o texto e postá-lo na rede social. É um problema que os jornais não estão conseguindo resolver, exceto permitindo acesso a algumas reportagens por mês.
Para “ganhar poder de negociação frente a empresas como Google e Facebook, os jornais precisam unir-se em redes de publicidade”, sugere Caio Túlio Costa. Os jornais devem divulgar melhor seu material de qualidade, o que atrai um usuário mais sofisticado e respeitado nas redes sociais. Jornais que divulgam exclusivamente material sensacionalista, em geral extraído de outros sites, não se valorizam. Obtêm acesso, mas não se tornam respeitados. Jornais têm de ser fontes e não uma porta aberta para outros sites, as fontes originais do que se publica unicamente para obter visualização. Jornais só obtêm credibilidade quando seu próprio material é de alta qualidade.
Não é rentável
Na segunda-feira, 10, a edição brasileira do “El País” entrevistou o jornalista Charlie Beckett, professor da London School of Economics e criador do think-tank Polis. O repórter David Alandete pergunta: “Os meios de comunicação estão mergulhados em uma grave crise econômica porque ainda não sabem como explorar comercialmente a distribuição digital. O sr. acredita que plataformas como Google ou Facebook devem subvencionar de alguma forma o jornalismo?” Charlie Beckett afirma que “os bons jornalistas são muito bons. Produzem notícias interessantes e estimulantes e estão muito bem informados. Eles têm experiência. É disso, francamente, que as redes sociais precisam. Mas daí a dizer que o Facebook deveria dar um cheque ao ‘El País’ ou ao ‘The Guardian’ há muita diferença. Me preocupa muito que o jornalismo seja financiado por Mark Zuckerberg. Nesse sentido, eu não confio nele”.
O repórter inquire: “Se essas plataformas obtêm substanciais receitas de publicidade, como fizeram os meios de comunicação durante décadas, o que as impede de contratar jornalistas e não ter periódicos?” Charlie Beckett responde: “A principal razão é que o jornalismo não é rentável. Admitamos: as notícias são uma parte minúscula dessas redes. De fato, os meios de comunicação são necessários do ponto de vista político. Políticos e governantes não gostam que existam notícias falsas ou extremismo. Nesse sentido, os políticos são aliados da mídia. Reconhecem que os meios de comunicação desempenham um papel na economia, na política e na democracia. Acredito que o jornalista, em certo sentido, se esqueceu disso. Esquecemo-nos de gritar as razões pelas quais o jornalismo é útil e, principalmente, importante. Agora parece que começarmos a perceber”.
Charlie Beckett afirma que a imprensa, obcecada pelas pesquisas de opinião, está esquecendo de informar. Por isso, como aconteceu com o Brexit e com Donald Trump, está errando tanto. Num mundo que muda muito rápido, com opiniões cada vez mais voláteis, as pesquisas estão capturando mal inclusive a circunstância, o momento. Repórteres mais atentos, que ouçam e dialoguem mais com a sociedade, podem aumentar a percepção de um quadro mais profundo e verdadeiro. Já a tendência de misturar jornalismo e política gera um jornalismo torcedor e reduz a compreensão da realidade.
Steve Coll, da Faculdade de Jornalismo da Universidade Columbia e repórter da revista “New Yorker”, afirma que jornalismo de qualidade “é caro, mas fundamental para a democracia”. Numa entrevista a Raul Juste Lores, da “Folha de S. Paulo”, sublinha que “cada vez há menos dúvida da importância do jornalismo para investigar políticos, trazer a prestação de contas e transparência dos órgãos públicos”. Sites mambembes têm condições de produzir jornalismo de qualidade? No geral, não. O que vários sites e blogs fazem é produzir “opinião”, às vezes “travestida” de informação, com o objetivo tanto de obter acesso em alta escala quanto de agitar as redes sociais. Muitos usuários das redes sociais, inclusive com formação escolar razoável, não distinguem entre informação de qualidade e exclusiva e informação que, na verdade, é subproduto de informação publicada nos jornais ditos tradicionais.
Cérebro e impresso
Entrevistado pelo jornal “O Globo”, Robert K. Logan, discípulo de McLuhan, afirma que o cérebro humano “é dependente de tinta e papel e que a inteligência, o estudo e o aprendizado não sobrevivem sem o impresso”.
Robert K. Logan diz que baseia sua afirmação “em estudos neurofisiológicos que comparam a leitura de textos em papel com a leitura numa tela eletronicamente configurada. No texto em papel ela é restrita ao hemisfério esquerdo, que interpreta a linguagem. Já a leitura na tela, por melhor que seja a resolução, envolve, antes, o lado direito, necessário para montar o mosaico de pixels que forma a imagem de cada letra, e, depois, o lado esquerdo, num vaivém: um lado converte pixels em letras, outro transforma letras em palavras e frases. A quantidade de tráfego através do corpo caloso é enorme e dificulta a concentração e a imersão, além de tornar a leitura mais cansativa. Não é à toa que escritores que escrevem em computador preferem imprimir e ler no papel na hora de fazer a revisão”.