Jornal “Estadão” plagiou 47 textos do site Grande Prêmio

27 março 2022 às 00h00

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“Réu” confesso, o jornal, de 147 anos, está negociando uma indenização e informa que o jornalista-plagiário foi demitido
O jornal “O Estado de S. Paulo”, o “Estadão”, como é chamado por seus leitores, é uma referência em termos de jornalismo de qualidade. Figura entre os melhores jornais do país (para meu gosto, é o melhor). A seriedade de suas reportagens e a qualidade de sua opinião, firme, sólida e ponderada, são inquestionáveis. Mas o veículo — culpa-se tão-somente um “profissional”, mas é evidente que os controles internos falharam — cometeu um erro grave: plagiou 47 textos do site Grande Prêmio, que publica matérias da área de automobilismo.
O plágio se tornou regra na internet. Há pouco tempo, um jornal do Sul do país copiou um texto de minha autoria, de maneira ligeiramente disfarçada, sem perceber, quem sabe, que o livro comentado não havia sido publicado no Brasil, portanto todos os trechos traduzidos eram de minha autoria. Quem quiser verificar, para se certificar do que estou dizendo, deve consultar no Google quem publicou em português, pela primeira vez, a história de que uma brasileira ajudou a publicar o primeiro livro de George Orwell na Inglaterra (até a fotografia d gaúcha Mabel Robinson Fierz não era encontrada na internet; só passou a existir na rede depois da publicação de meu texto — o que não deixa de ser curioso). Há alguns anos, publiquei algumas reportagens provando que duas editoras brasileiras plagiavam traduções de livros fora de catálogo — inclusive reproduzindo erros das edições anteriores — e publicações portuguesas.
Mas, do venerável “Estadão”, com sua história tão bela e positiva, não se esperava que plagiasse. Trata-se de um jornal cioso quanto aos seus próprios direitos autorais — tanto de textos quanto de fotografias.

Na quarta-feira, 23, o Portal dos Jornalistas publicou a assombrosa reportagem “Grande Prêmio acusa Estadão de plagiar 47 textos”, assinada por Victor Félix.
Em dois meses e meio, entre 2021 e 2022, um repórter do “Estadão”, não nominado até agora, copiou literalmente as reportagens do Grande Prêmio. O jornal demitiu o jornalista e está negociando uma indenização ao site.
Numa entrevista à “LatAm Journalism Review”, citada pelo Portal dos Jornalistas, o diretor-executivo do Grande Prêmio, Victor Martins, contou que uma reportagem de Juliana Tresser havia sido transcrita, integralmente, pelo “Estadão”. No início, a repórter pensou que havia alguma parceria entre o site e o jornal.
Como a reportagem não havia sido comercializada com o “Estadão”, Victor Martins e a equipe do Grande Prêmio decidiram fazer uma varredura em textos do jornal paulista. De cara, descobriram três reportagens copiadas. O jornal sequer corrigiu os erros de digitação.
Uma verificação detida revelou que a extensão do plágio era mais ampla. Quarenta e sete textos haviam sido extraídos do Grande Prêmio, e em nenhum momento a fonte é citada.
Para piorar a situação, a agência Estadão Conteúdo vendeu as reportagens para 40 veículos parceiros. Quer dizer, o “Estadão” ganhou dinheiro com os plágios. Ressalve-se que tais parceiros não sabiam que estavam comprando material copiado de outra publicação.

Entrevistado pelo Portal dos Jornalistas, Victor Martins disse que está negociando uma indenização com o jornal: “Eles avaliaram a situação internamente e marcaram uma reunião, que aconteceu em 11 de março, na qual só participou um membro da área jurídica do ‘Estadão’. Eles apresentaram uma proposta que não levava em conta todos os danos morais e materiais, queriam apenas pagar pelas matérias em efeito retroativo. Tiraram um valor por matéria, que não sei de onde veio, de R$ 1.500, e multiplicaram por 47. (…) Seria um valor na casa dos milhões, e eles ofereceram algo abaixo dos 100 mil, pois consideraram de fato apenas o valor da matéria vezes 47. Além disso, queriam que o Grande Prêmio não falasse para os outros 40 veículos; a expressão foi ‘não vamos incomodar nossos parceiros’, para não tirar do ar. Mas não temos como desconsiderar, pois o ‘Estadão’ ganha em cima disso, com assinaturas, e os parceiros também”.
Ante a desmoralizante denúncia de plágio, que se tornou pública, o “Estadão” colocou um escritório de advocacia para negociar com a direção do Grande Prêmio. Victor Martins disse ao Portal dos Jornalistas que o jornal havia decidido não pagar os valores reivindicados.
Victor Martins sublinha que “uma ou duas matérias copiadas até poderíamos relevar; agora, um caso que aconteceu durante dois meses e meio, sem que qualquer pessoa tivesse ciência/conhecimento do que estava acontecendo? Não dá. Não pode ter sido erro de um estagiário, e sim de gente que está lá há muito tempo. Hierarquicamente falando, editor executivo, editor de esportes, quem quer que seja responsável por isso, como é que deixam isso passar? E outra: até onde se sabe, isso aconteceu apenas com o Grande Prêmio, mas será que foi apenas conosco? Com outros sites será que não acontece também?”
A diretora do Departamento Jurídico do “Estadão”, Mariana Uemura Sampaio, disse ao Portal dos Jornalistas que o jornal, que tem 147 anos — foi fundado em 1875 —, está verificando o caso “com máxima prioridade” e informou que o plagiário foi demitido. “Temos experiência com casos semelhantes, mas somente na figura de lesados (quando o conteúdo do Grupo Estado é utilizado de forma não autorizada). Neste sentido, compreendemos e somos solidários com a dor que este tipo de lesão pode causar ao Grande Prêmio, pois sofremos a mesma, regularmente. No nosso processo de apuração deste assunto, já identificamos que o conteúdo em discussão estava sob responsabilidade de único repórter, que já foi afastado. Temos indícios de que esse repórter não cumpriu as regras internas do Grupo Estado. Estamos concluindo a apuração interna e já iniciamos conversas com o Grande Prêmio para quantificar eventual composição financeira por potenciais prejuízos causados”.